25/06/2004

PIACO - Poesia de Cordel

Publicada no Caderno de Literatura n.º 9, do Projeto DivulgaArte, da AJURIS, em agosto de 2001.

A derradeira passagem do bandido Piaco no baile de pixurum de Amândio Alves de Jesus,apóstolo santo.

Com o perdão dos nordestinos, um sulino pede permissão para, no estilo da literatura de cordel, contar a história.

Ou, como uma bala de revólver saiu e entrou pelo cano.

E o metido a poeta mata a cobra e mostra o pau, ainda que meio desconfiado.


Este caso aconteceu
há muitos anos atrás
numa cidade pequena
no interior de Goiás.
Vou contar o que eu vi,
nem de menos nem de mais:
um bandido arrebatado
por homem de boa paz.

Disse que foi em Goiás
por uma questão de rima.
O Estado em que sucedeu
não foi no mapa lá em cima,
foi mais para baixo, aqui,
perto, em Santa Catarina.
(O nome é grande demais,
melhor que fora em Goiás).

Num baile de pixurum
– chamam também de arrelia –
na casa do Amândio Alves,
de Jesus, José e Maria,
surgiu Piaco bandido
– té a alma me arrepia.
O baile quase acabou,
tanto o gaiteiro tremia.

Daí por diante as mocinhas
só dançavam meio tortas
evitando olhar Piaco
– olhar de bandido corta –
e o povo todo queria
dançar mais perto da porta.
Até dona Joana Papuda
se aquietou surda-muda.

Piaco era valentão,
perigoso e destemido,
dormia longe do povo
pelos capões escondido,
não tinha medo de nada
nem vivia arrependido.
Nem muriçoca o picava
– sangue azedo o de bandido.

Matara quarenta e quatro
até uma semana antes,
depois é difícil dizer,
não fiz as contas bastante,
muita água em sete dias
rola debaixo da ponte.
Até delegado matou,
depois despiu e capou.

Era metido a valente
mas também era covarde
porque em Pouso Redondo
num domingo, pela tarde,
acabou com uma missa
aos tiros, fazendo alarde:
tirou as roupas das freiras
e a batina do padre.

Pai João Maria dissera
que no baile ia dar morte,
por isto a Velha-da-Foice
foi afiando seu corte:
ia morrer o mais fraco,
porém morreu o mais forte.
Nunca se viu na colheita
uma coisa mais bem feita

Também disseram que a morte
fora mesmo encomendada
por uma questão de terra
nem hoje bem explicada:
o João Safado queria
do Amândio uma invernada,
uma légua de sesmaria
lá perto do fim da estrada.

E nestas coisas de posses
quem muito tem mais petisca
e o João Safado, esse um,
tinha a se perder de vista,
mas queria mais um naco
para aumentar sua crista:
prá quem é dono de tudo
não custa embolsar o mundo.

Piaco trazia na cinta
um canhão de cano grosso,
um trinta-e-oito medonho
limpinho que era um colosso;
também tinha a Santa Cruz
pendurada no pescoço.
Vinha bem apetrechado
prá fazer nó em caroço.

Amândio, coitado, esse um,
quase sem nenhuma tença,
tinha um canivete na mão
e uma marca de nascença
e um trinta-e-doizinho de bosta
sem a mínima presença,
só servia, sujo e gasto,
prá matar grilo no pasto.

Se encostou pela porta
trabalhando um empalhado,
o trinta-e-dois num dos bolsos
do paletó ensebado
cuidando do movimento,
muito desassossegado.
Mais sério e desconfiado
do que cabrito embarcado

Lá pelo meio do baile
Piaco veio gritando:
"É hoje! É hoje! É hoje!"
e do canhão foi puxando.
O povo saiu num raio,
a mulherada berrando.
Só João Mudo não gritava
porque não dava, não dava!

Amândio deu só dois tiros
com o trinta-e-doizinho de bosta:
o segundo pegou na veia
Piaco tombou de costa,
nunca mais se levantou,
nunca mais fez uma aposta,
nunca mais fez mira fina,
nunca mais fez mira grossa.

É meio difícil explicar
o rumo do tiro primeiro.
Já passei por mentiroso,
afetado e balaqueiro,
mas juro que vou contar
aquilo que é verdadeiro.
Quem não credita em visão
que busque outra conclusão.

A bala do trinta-e-dois,
pequena mas de tutano,
zumbiu abelhuda e feia,
um corisco de bom plano,
e foi se ajeitar no revólver
do Piaco, bem no cano.
O trinta-e-oito medonho,
morreu ele e mais o dono.

Eu sei que é muito difícil
de cristão acreditar
nesta história que contei
sem receio de enganar.
Mas pode crer, é verdade,
e se não se conformar,
vá no Fórum de Taió
que a bala deve estar lá.

A bala do trinta-e-dois
está bem encavalada
naquela que ia ser
a solução da enrolada,
por causa daquela terra
lá perto do fim da estrada.
Dizem que o João Safado
pagou o caixão do finado.

O Amândio enfrentou júri:
sete a zero, absolvido,
com baita elogio do Juiz,
um exemplo a ser seguido.
Era tempo de eleição
no meu Estado querido;
permitam que eu quebre o verso
e o escreva mais comprido,
para caber o final
deste caso desconfiado:
num jeito muito sabido
o governador do Estado
nomeou o Amândio Alves
como nosso Delegado.

Nenhum comentário: