22/09/2007

Os Nossos Bichos

Depois que entrei no mundo dos blogues, tenho freqüentado alguns e noto que muitos blogueiros falam orgulhosamente de seus animais de estimação — principalmente cães fofinhos e gatos espertos — exibidos em belas fotos.

Fiquei coçando a orelha. Não sabia se deveria fazer o mesmo, porque, quando lancei o JUS SPERNIANDI, me propus a escrever mais sobre coisas que se convencionou qualificar de sérias para que fizesse jus ao nome, ainda que, vejo agora, já tenha dado algumas escorregadelas.

Mas é domingo, dia de amenidades e, para mim, o pior da semana porque não se tem o que fazer. A televisão não ajuda (aqueles domingões fastidiosos e não legais não me prendem). Não consigo ver mais de dois filmes, um à tarde e um à noite, e por isto o tempo que sobra é demasiado.

Então resolvi falar dos nossos bichos.

Temos o nosso aquário, os nossos gatos, andorinhas, um beija-flor e já tivemos uma borboleta e um canário belga.

Nosso aquário é uma beleza de azul e os peixes são azuis e as algas. Nunca perguntei à Ieda, embora a convivência de mais de 33 anos, se são realmente algas, para não evidenciar minha ignorância e porque, segundo dizem, é falta de educação indagar aos artistas o que eles querem dizer em seus quadros, ainda que a gente não entenda nada.


Há quem diga que aqueles que têm aquário em sua residência e ficam apreciando os peixinhos têm menos propensão ao infarto. Uma pesquisa na A
lemanha acrescentou que não basta ter um aquário: é preciso levar uma vida saudável, regrada, não ingerir carnes gordas e vermelhas, fazer exercícios e alongamentos, controlar a obesidade, o diabetes e a pressão e não fumar. Mas esta é outra história.

O nosso aquário está pendurado numa parede, meio esquecido na churrasqueira. Para quebrar um pouco o az
ulado sugeri à Ieda que colocasse nele pelo menos uma borboleta que tínhamos, muito brilhante e colorida, mas ela não quis. Não dá para entender esses artistas.

Mais tarde, desastradamente, quando eu limpava meus cds, bati nela, que voejava imprudentemente próximo aos meus cotovelos, e a espatifei.

Já os nossos gatos são milhares. Não! Centenas. Também estão pendurados na parede e convivem muito bem com os peixes. São muito ariscos e por mais sorrateiramente
que entremos na churrasqueira, nunca os enxergamos: só vemos seus rabos e suas patas estilizadas e as pegadas que eles deixam... Não são tão higiênicos quanto apregoam que os gatos são.

Cachorros, não temos. Os vizinhos têm bastante, daqueles enormes, que nos acordam nas madrugadas frias com seus latidos tonitruantes e até estereofônicos. De manhã, bem cedinho, são soltos nas ruas do bairro para cagar pelas calçadas. A minha é de pedras e grama e, não sei porque, eles adoram defecar na grama... Não posso dizer que são mal-educados, mas seus donos, certamente, o são.

Uma vizinha tinha 28 cães e 319 gatos, mas o Departamento de Zoonose da Prefeitura mandou-a desfazer-se da metade. Agora ela tem apenas 14 cães e 159 gatos e meio...

Um beija-flor de vez em quando vem visitar nossos hibiscos. Há tempos que não o vejo. Com esse frio, os hibiscos estão se guardando para a próxima estação.

Em todas as primaveras temos andorinhas. Elas fazem ninho na lareira do escritório: descem pela chaminé e encontram algum lugar apropriado, não sei em que altura, e podemos ouvir o gorjeio dos filhotes depois de algum tempo.

Tínhamos um canário belga, também, muito bonito e canoro. Este a Ieda concordou, após muita insistência minha, em juntar aos peixes.

Mas acho que ela, de propósito, para não quebrar o cerúleo do aquário, o colocou no gatil... O canário desapareceu...




As ilustrações são de Ieda M.F. Dellandréa.
Clique sobre as imagens se quiser vê-las ampliadas.
Crônica publicada no blog Jus Sperniandi,
em 27/06/2004
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20/09/2007

Quem tem medo de Virginia Woolf?

Como já disse aqui, gosto dos filmes baseados em peças teatrais pela concisão e precisão dos diálogos. O autor teatral tem que ter um enorme poder de síntese porque a peça, que deve durar no máximo duas horas, enfoca, às vezes, uma vida inteira.

Nisso o filme Quem tem medo de Virginia Woolf?, dirigido por Mike Nichols e cinco vezes oscarizado, é emblemático.

Os diálogos são ricos e insólitos. O enredo é um jogo psicológico impiedoso entre o casal mais velho [Richard Burton (George) e Elisabeth Taylor (Martha)] e o mais novo [George Segal (Nick) e Sandy Dennis (Honey)], todos com atuações excepcionais. Mas depois de algum tempo não se sabe quem é gato e quem é rato porque os ataques se entrecruzam e mudam eficazmente de alvo.

Tudo acontece numa única madrugada, após uma noitada festiva na casa do Diretor da Faculdade, pai de Martha, em que George e Nick são professores – este recém-chegado.

O clima é de uma tensão degradante e de um sofrimento extremo. A falta de piedade é a característica principal de George, que tenta por todas as formas desqualificar o novel professor Nick, porque vê nele um provável sucessor e, além disto, rival na noitada, pois sua mulher não tem escrúpulos de seduzi-lo — e ele sabe disto. Ao mesmo tempo em que humilha a mulher dele, Honey, projetando-lhe de forma cruel as fraquezas de sua própria mulher, em quem também desfere ferinas e certeiras flechas de desamor.

É surrealista em certos aspectos: há cenas de tensão que se transformam em comédia forçada, de riso imposto para se evitar o choro e outras em sentido inverso. Mas sempre as farpas trocadas atingem o ponto fraco de alguém, ainda que a figura escrachada de Martha pareça, inicialmente, imune às investidas do marido.

O drama revela no casal mais velho uma capacidade superior e adquirida de ofender e espezinhar com precisão. Afeitos a brigas e desentendimentos, trocam desaforos e insultos, que às vezes parecem propositais e com o fim essencial de impressionar e sugestionar o casal jovem.

O mistério do filho anunciado que não existe e que vai chegar, mas quem chega é um hipotético telegrama anunciando sua morte, e a reação dos pais, demonstra o cultivo de uma cara fantasia, no final desmascarada num jogo que chega às raias da mais pura desesperança. Mais um resquício de uma cumplicidade doentia foi quebrado.

Amanhece, o casal mais novo vai embora, e vem a reconciliação sem conciliação de George e Martha e a sensação de que a vida foi vazia, é vazia e vai continuar vazia, ao contrário dos diálogos que são plenos de desesperança, de mágoas e ideais esmagados, reais ou imaginários, vividos ou criados por mentes insanas. Tudo leva à conclusão de que são todos perdedores.

O título é apenas referencial, embora haja quem diga que a peça, de Edward Albee (um sucesso da Broadway), foi inspirada em problemas existenciais semelhantes aos enfocados pela escritora inglesa Virginia Woolf. É uma espécie de trocadilho com o mote da história infantil do Lobo Mau e os Três Porquinhos e o nome da escritora. Os personagens, em várias cenas, cantam histericamente, quem tem medo de Virginia Woolf?, recordando uma brincadeira da festa anterior. Transportado para a nossa realidade superficial seria algo como “quem tem medo do Leão Lobo?“ (perdão, Virginia).

O filme é em preto e branco mas se fosse colorido não conseguiria exprimir toda sua dramaticidade. O clima de desesperança que o perpassa de início ao fim, com uma música triste e sentida e perfeitamente adequada, não admite cores. Afinal, sonhamos — e temos pesadelos — em preto e branco.


Publicada no blog Jus Sperniandi,
em 17/09/2006, aqui.