10/05/2008

EU COLO SABONETES...

Há certas expressões curtas que exprimem conceitos extensos e profundos.

Aqui no RS se usa muito o “louco de atar”. “Aquele juiz é louco de atar” significa que, para manter uma conduta compatível, profissional ou particular, precisa ser amarrado. Senão sai por aí fazendo besteiras. Por incrível que pareça, é muito usada no exemplo dado, principalmente por colegas.

Os mecânicos da oficina do meu pai tinham um bastante expressivo, que utilizava também o vocábulo “amarrado”, mas não vou repetir aqui porque é chulo e este é um blog de respeito.

Há uma dessas expressões que nunca tinha ouvido. Eu passeava pelo shopping e em sentido contrário caminhavam duas moças conversando. Ouvi quando uma delas terminava um comentário sobre alguém com a expressão “o cara é de colar sabonete”.

Uma espada de gelo perpassou-me a espinha (ui!). Instintivamente fitei-as e com tanta expressividade que uma delas riu. Certamente pensou: “esse é um, se traiu!”. Elas passaram e esperei uma gargalhada estrondosa, que retumbaria pelo shopping inteiro, produziria ecos aterradores, quebraria os vidros do teto projetando estilhaços pelo espaço e talvez até atingisse algum avião que sobrevoasse a região. Num lampejo, tive tempo de pensar: “Ainda bem que o Aerolula está na África”.

Não houve a gargalhada, é claro, mas não ousei olhar para trás para ver se elas pelo menos cochicharam a respeito de sua descoberta. Faltou-me coragem...

Sim, eu dou daqueles que cola sabonete. Não descobri o adjetivo que a moça usou. Não ouvi e não sei se elas estavam se referindo a um “chato” ou a um “pão-duro”, mas a verdade é que colo sabonetes.

Quando um está quase no fim e pego um novo, molho a ambos e colo o resto do antigo sobre o novo.

Não sei se é pão-durismo. Acho que não! É que sinto pena da perspectiva da sobra de um sabonete que me serviu durante algum tempo ser sugada pelo esgoto do chuveiro e se perca na fossa suja ou numa caixa de gordura sem cumprir a função para a qual veio ao mundo. Coisas inanimadas também merecem piedade.

Não é uma tarefa fácil. Às vezes é até difícil. É que não uso sempre a mesma marca. Uso de critérios específicos e particulares para escolher o meu sabonete. Geralmente escolho o mais barato, o que está em promoção. Como as promoções mudam muito, mudo também de sabonete, e às vezes as diferenças entre os ingredientes que os compõem impedem uma aderência perfeita.

Nunca tente, por exemplo, colar um composto de glicerina com um daqueles cremosos e nutrientes da pele. Não dá liga.

Às vezes tenho que ficar comprimindo as bordas do menor sobre corpo do maior para que a soldagem seja perfeita. Não gosto de estar tomando banho e sentir as partes se soltarem.

Andei fazendo cálculos e acho que durante toda a minha vida, só com esse sistema de colagem, consegui economizar uns trinta sabonetes!

Mas estou atravessando uma crise. Preciso de qualquer jeito encontrar aquelas moças. Preciso saber, afinal, o que é que eu sou, ou o que é que elas acham que eu sou por colar sabonetes.

Devia ter perguntado na hora, mas fiquei com vergonha. Foi algo tão de supetão que a perplexidade que senti me impediu de agir. Mas sinto que parte de minha identidade se perdeu, naquele dia, no shopping.

Se alguém souber o que é alguém que “cola sabonete”, por favor me diga, de preferência explicando a origem da expressão.

Sinto-me tão inseguro!



Publicada originalmente no blog JUS SPERNIANDI,
em 14/04/2005.


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