13/09/2008

À MINHA FILHA

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que está de aniversário hoje.

AO COMPANHEIRO FIDEL

Tens amigos e admiradores no Brasil e no mundo. Dizem que Chico Buarque é um deles. Não creio que ele gostasse de ter nascido em Cuba e vivido lá. Certamente não faria o sucesso que fez nem alcançaria a fortuna que adquiriu com seus próprios méritos, talento e esforço de compositor. Em Cuba os méritos são do Estado.

Os intelectuais que conheço – conheço é modo de dizer, pois não conheço, pessoalmente, nenhum – adoram Cuba, mas não moram lá. Há uns 70 na ilha que moram em cadeias e não creio que esse seja um bom lugar para eles.

Fernando Gabeira, um deputado federal de esquerda muito em voga ultimamente, esteve lá. É possível que goste de Cuba. Mas em 31 de março de 2003 (poderia haver data mais apropriada?) representou perante o Congresso condenando a prisão de 77 dissidentes cubanos e solicitando ao governo brasileiro gestões para a sua libertação (
aqui).

É cômodo se dizer simpatizante de uma realidade longínqua para parecer humanista mesmo que ela seja a representação lídima da desumanidade.

Dizem que a
medicina cubana é avançada. Mas eu não gostaria de morar lá com a minha fibrilação. Os equipamentos são tão ultrapassados quanto os carros que se vê nas ruas. Aliás, acho que os melhores mecânicos do mundo são os cubanos porque para manter rodando uma frota obsoleta e caindo aos pedaços como a de Cuba só com muita criatividade. A mão-de-obra de fundo de quintal exige esforço. Meu pai foi mecânico, a partir de 1950, quando tudo era artesanal. Lá, hoje, ainda deve ser assim. A culpa? A culpa é do boicote americano, claro. Cuspo na cara do meu vizinho, mas tenho o direito de exigir que ele me ajude se eu estiver em dificuldade.

Lá, os artistas, para sobreviver, devem fazer bicos, como engraxar sapatos.
Ibrahim Ferrer, que morreu dia 06, submeteu-se a isto. Já imaginaram o Chico como engraxate para poder viver um pouco mais condignamente? Ou o Milton Nascimento, o João Bosco, o ministro Gilberto Gil, o Caetano Veloso?

Quem viu o documentário Buena Vista Social Club se comoveu com aqueles velhinhos conformados e perdidos que o companheiro Fidel e sua reinvolução isolaram. Eles teriam enriquecido a cultura cubana com mais eficiência do que os projetos do ditador e, ao mesmo tempo, levariam uma vida menos penosa.

Ver um pianista como Rubén Gonzáles y Fontanillis alquebrado, com artrite (a medicina cubana, tão avançada, não lhe valeu) tocando num piano antigo, de parede, quando poderia se ter lançado no mundo como virtuose ou com melhores condições de desenvolver seu talento, é um crime contra a Cultura.

Com que direito o companheiro Fidel podou a vida de tantos artistas e intelectuais? Ele está acima do bem e do mal, dispõe de onisciência tal que tem o direito de dominar tudo o que se movimenta naquele paraíso infernal? Claro que sim.

Ele lesou artistas que apenas representavam o melhor da arte musical do país simpático que tornou seu quintal. É o senhor privilegiado de uma ilha que não precisou comprar. Ainda o pagam para ser dono dela e administrá-la tão mal e retrocessivamente.

Mas ele não conseguiu a chama da Eternidade.

Quando morreres, Deus te guarde, companheiro Fidel. Num lugarzinho especial, isolado e silencioso. Nem te desejo choro e ranger de dentes. Apenas o silêncio. O silêncio eterno e triste dos artistas que amordaçaste.




Publicada no blogue JUS SPERNIANDI,
em 25/08/2005.
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11/09/2008

O PEQUENO NADADOR

Carlos Saldanha Legendre





(a Antônio Augusto Fagundes)
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Era tão belo o filho (porque filho)
desde o nascer, quando o entronara ao peito.
Implume e frágil, se esbatera ao leito,
ó pássaro de brisas e junquilhos!

Talvez não fosse igual a outros filhos
porque só de esperanças fora feito.
Buscara o mar e o abismo de tal jeito,
mais parecia peixe com seus brilhos.

Mas era só humano e a luz tão pouca
ao fundo d'água... Deus, que força a fez
arrancá-lo do vórtice? Sem roupa,

trazendo-o contra o colo, em ânsia louca,
como o gerando por segunda vez,
a mãe lhe sopra vida pela boca.




Carlos Saldanha Legendre
Inventário do Canto,
(2.ª edição – revista e atualizada)
Cultura Contemporânea
Porto Alegre 2000

página 32.
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09/09/2008

IEDA

Ilton Carlos Dellandréa

Aquarela de
Ieda M. F. Dellandréa




Parceira,
parte,
partiu-se em duas
para ser não minha,
mas eu.

Não é,
não somos.
Eu sou – e não seu.

De mim mesmo ateu
creio no ela
que há em mim.

É mais que isto,
sou menos.
É tudo, inteira,
sou pequeno.

Agiganto-me nela,
reencarnação viva
vívida
vivaz
de quem não morreu.

Concomitante,
mesmo ausente
é a equação dominante
e presente.

Mais dizer não posso.
O resto,
o sumo,
o resumo,
o tudo
é nosso...


Ilton Carlos Dellandréa
Porto Alegre, 29/03/2000
A imagem ilustrativa é uma aquarela dela, Ieda.
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