01/12/2007

APRECIE COM MODERAÇÃO

Ontem, para comemorar o fato de não termos mais crianças em casa, demos um presentinho para o Francisco, que tem 19 anos, e depois voltamos ao quarto para chorar. Quando as crianças crescem mais do que os pais se comemora assim.

Depois, conformados, telefonamos para uns casais, daqueles que compartilham a mesma situação estrutural, para tomarmos alguma coisa e esquecer que estamos transpondo a ponte do Tempo. O pior é constatar que o trajeto é mais extenso às nossas costas do que à frente. A ponte é pênsil, as travessas vão rompendo a cada pisada, e não se tem como voltar.

Estamos numa fase em que somos muitos velhos para ter filhos pequenos e muitos jovens para ter netos, embora a Clarissa, se quisesse, já poderia ter uns dois ou três filhos. Sei não, Tibério (Tibério é o marido dela). Às vezes imagino que devêssemos educar os filhos com menos ponderação. Ela pretende antes se estabelecer bem na vida. Se nós tivéssemos pensado assim ela ainda não teria nascido. Nem o Francisco.

Os amigos chegaram – graças a Deus, porque este papo estava se tornando muito lamentoso –, passamos numa revendedora de bebidas, compramos um barril de chope, e fomos para a sede campestre da AJURIS. Sempre fui muito consciencioso e atendo aos apelos cívicos com muita abnegação. Por isto chamei a atenção de todo o mundo:

– Aqui, ó! – estou ficando meio agauchado – Não se esqueçam da orientação do Ministério da Saúde: apreciem com moderação.

Os anúncios de determinada cerveja, após sugerirem autênticas bebedeiras, terminam com essa cândida mensagem, ditada por ordem legal: aprecie com moderação.

Um ou dois torceram o nariz. Estávamos em oito. Nenhum dos demais era ou fora juiz. Juízes geralmente são muito chatos quando se reúnem, só falam de direito, justiça e processos. Alguém murmurou “ele está aposentado, mas vive cagando regras como se fosse juiz e nós réus”. Eu não ouvi nada.

Acomodamos a serpentina com gelo e sangramos o barril enquanto na churrasqueira preparava-se o salsichão. É! Depois de 22 anos de convivência sou obrigado a reconhecer: estou me agauchando mesmo. Mesmo assim, não entendo porque o gaúcho chama uma lingüiça anã de salsichão. Além de desprezar a natureza componencial do recheio usa um aumentativo para indicar uma coisa pequena. Vou pensar nisto com mais profundidade outro dia. Em Santa Catarina, pelo menos em Taió, dizemos “lingüicinha”, com maior propriedade.

Filosofamos um pouco, no início, mas logo veio a euforia e concluímos que casais sem filhos pequenos e ainda sem netos não passam de crianças. Então aquele era o nosso dia, nos alegramos, e aproveitamos para festar. Pelas 16,00 horas o barril secou.

O chope não era dos melhores. Por isto, embora tivéssemos bebido tudo, o apreciamos apenas com moderação e nos orgulhamos por ter obedecido à sábia orientação do Ministério da Saúde.

“Aprecie com moderação” não é uma exortação a que você beba menos, mas sim a que você aprecie menos, mesmo bebendo bastante. Ou tudo. Embora aparente, não há contradição alguma.



Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 13/10/2004, um dia depois do Dia da Criança.

29/11/2007

A Busca do Tempo Anterior

Ilton Carlos Dellandréa


IV – CANTATA
Soneto: allegro moderato e patético



Eu sinto saudades de alguém de quinze anos
Que partiu num mês do ano que não terminou.
Desconjuntaram-se os meus mais belos planos
Nem consigo interpretar o que de mim restou.

Eu sinto saudades de alguém de quinze anos
que mesmo que retorne hoje não voltará jamais.
Não parte quem caminha por caminhos estranhos,
Mas entalha em quem fica desencontrados sinais.

Como voltará quem existiu e não existe e existe,
que partiu e não partiu e nem nunca partiria
e esteve longe e perto e nunca e sempre aqui?

Como explicar à minha alma assombrada e triste
que o que não passou não passou mas passaria
e que eu viveria um grande amor – e não vivi?

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25/11/2007

DETESTO EM FILMES

Partos explícitos com mulheres berrando. Na vida real nem todas gritam. Não sei por que a maioria dos diretores acha criativo inserir este tipo de cena em seus filmes. Já foi criativo uma vez. Hoje é banal e irritante. O pior é quando a criança nasce com as feições de quem tem um ano de idade, pele lisinha e cor normal, quando se sabe que elas nascem feias, vermelhas e enrugadas. Em alguns casos tem-se a impressão de que se o parteiro não cuidar o recém-nascido sai saltitando ventre afora.

Em documentários cansei de cenas de predação de animais mais fortes por mais fracos, ainda que justificadas pela lei da sobrevivência e pelo equilíbrio ecológico. Tornaram-se banais, são carnificinas, e às vezes sem sentido no contexto em que veiculadas. Se o leão mata o veado e a hiena se aproveita dos restos e os corvos dos restos dos restos e isto faz parte da lei de sobrevivênvia, tudo bem. É assim mesmo. Mas mostrar todos os dias chateia!

Também não gosto de certos exageros nos filmes que abordam o nazismo. Foi uma página negra na história mas há que se levar em conta que, apesar de toda a lavagem cerebral aplicada por Hitler e seus asseclas, havia oposição na Alemanha e nem todos os alemães aprovavam a política do ditador. O pior é quando, mesmo nos filmes sérios, caricaturizam esse povo que já pagou por seus erros e é um dos mais cultos do mundo, que nos deu Bach, Mozart, Beethoven, Brahms, para ficar só no campo da Música.

Estão agora criticando um filme que exibe Hitler acariciando animais e atencioso com crianças. Não há nada demais. Se ele fosse bandido desde pequeno não teria chegado onde chegou. Só no Brasil é que quem já foi condenado pode voltar a concorrer em eleições, mesmo pendente contra ele ordem de prisão. Aliás, entre 3 e 5 anos de idade Hitler devia ser uma gracinha, como qualquer criança. Depois é que veio a insanidade. Além disto, conheço muita gente que chama cachorro de filho e filho de cachorro e que é considerada boníssima...

Não gosto de cenas de sexo sobre a mesa ou o balcão da cozinha. Que mau gosto! Sem contar o perigo de alguém machucar-se numa faca, espetar-se num garfo, lambuzar-se de catchup ou mostarda, levar um choque na torneira elétrica, queimar-se numa das bocas do fogão ainda quente... Porque essas cenas ocorrem sempre com avidez, com pressa, com sofreguidão. Não deve ser agradável passar a mão numa bunda suja de água de louça ou ensebada de margarina.

Não posso deixar de fazer uma comparação. Hoje, mesmo as mulheres que transam a cada minuto num filme nunca engravidam. Antigamente um beijo engravidava. Viva a pílula!

Também não gosto de crianças fazendo papel de adultos ou de adultos fazendo papel de crianças. Não há nada mais ridículo do que um guri almofadinha, de óculos, terno e gravata, imitando um executivo.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 21/09/2004.