15/11/2008

BUSH, PADRES E JORNALISTAS

Dia 04/11/2004 o Jornal Nacional noticiou que o recém-reeleito presidente dos EUA, George Bush, cometera uma gafe. Para quem já caiu do cavalo, se engasgou com bolachas, fugiu da guerra do Vietnam, invadiu o Iraque atrás de uma anunciada quimera, nada demais.

Mesmo assim prestei atenção.

Ao iniciar sua primeira entrevista coletiva após a reeleição um jornalista o informou da morte do líder palestino Iasser Arafat. Ele, então, numa espécie de prece (é muito religioso) manifestou: “O que eu posso dizer é que Deus abençoe a alma dele”.

Isto foi considerado uma gafe porque, na verdade, Arafat estava vivo, embora em estado crítico.

Mas o que me surpreendeu foi que ele foi induzido em erro pela informação de um jornalista. Minha mente viciada em interpretação jurídica não pôde deixar de concluir: a gafe maior foi do jornalista que transmitiu a informação errada. O Bush, que por sua cândida religiosidade acredita até em determinados papais-noéis, por que não acreditaria em jornalistas?

Ou foi uma pegadinha? Não creio. Com assuntos desta gravidade nem o João Kleber faz pegadinhas. Acho! Em todos os casos, se fosse, seria ainda mais grave. Além de transmitir uma informação errada o jornalista pretendeu “pegar” o entrevistado perante colegas e humilhá-lo.

Mas o mal maior não está aí. O mal maior está em provocar o erro e depois se vangloriar com ele.

Quando estudei no Colégio Diocesano, em Lages, em regime de internato, era obrigado a assistir à missa diariamente. Numa determinada manhã o frei Antônio anunciou que quem quisesse estudar estava liberado naquele dia.

Estávamos quase no fim do ano, época de provas, e uns cinco ou seis aproveitamos a rara liberalidade capuchinha e fomos para o estudo.

Logo depois o mesmíssimo frei adentrou na sala de estudos e anunciou solenemente, perante os mais de cem colegas, que estava nos cortando a folga dominical como castigo por termos faltado à missa...

Não sei porque me lembrei desse episódio ocorrido comigo no já longínquo 1965 ao ouvir a notícia dessa pretensa gafe.

Não sou fã do Bush e publiquei aqui, em 03 de setembro, a minha candidata a frase do século, dita por ele: “
Vamos construir um mundo seguro!”.

Também não acredito muito em determinados padres, porta-vozes das coisas divinas, embora já tenha vencido a fase de total descrença e conheça alguns nos quais confio plenamente.

Mas não gostaria de ter que desconfiar ainda mais de jornalistas. Afinal, tudo o que ocorre no Mundo profano sabemos através deles.




(Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 10/11/2004).
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14/11/2008

TENHO TANTO SENTIMENTO

Fernando Pessoa




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[165] – [18/9/1933]


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TENHO tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.



Fernando Pessoa
Cancioneiro
in Fernando Pessoa,
Obra Poética,
página 172,
Companhia José Aguilar Editora (1974).
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