09/08/2008

SOBRE MODA

A PROPÓSITO DA
SÃO PAULO FASHION WEEK DE 2005



Nunca entendi de moda, estou longe de ser um expert no assunto, mas uma coisa sempre me chamou a atenção: por que os chiques modelos desenhados por estilistas famosos não é usado nas ruas ou pelas mulheres, de qualquer classe social, nos eventos do dia a dia ou nos de noite a noite? Para que serve esse processo de criação de roupa descartável antes mesmo de ser usada?

Já me interessei por isto. Após ver noticiário sobre algum desses eventos fashion saía às ruas prestando atenção nos trajes das mulheres. Minhas pesquisas começaram em Florianópolis, quando era estudante. Nenhuma das minhas colegas de faculdade ou de serviço, ou as que usavam o ônibus da Bela Vista, usavam daqueles modelos.

Há algum tempo um estilista inventou um modelo conservador, se visto de frente: recatado, sem decote, abaixo do joelho, mangas três quartos. Mas atrás apresentava um corte oval na bunda das modelos, digo, na altura da bunda das modelos, que ficavam expostas. Percebi, naquele traje, um objetivo utilitário: a desnecessidade de as mulheres levantarem o vestido ou baixarem as saias ao usar o vaso sanitário. A moda não pegou. Deve ser porque as mulheres usam roupa para se vestir e não apenas na hora de ir ao banheiro.

Aqui em Porto Alegre nunca vi uma guria usando um vestido daqueles. Viajei, na época, para Salvador, Vila Velha, Florianópolis, Joinville. Em Taió perdi definitivamente a esperança de poder apreciar aquela moda. Mas continuo pesquisando.

As moças das portas das boates da Avenida Farrapos, em Porto Alegre, usam roupas parecidas, algumas de bom gosto: saias curtinhas, decotes generosos, botas altas... Já as que fazem ponto no Parque da Harmonia ou na rua Anita Garibaldi, mais polpudas, não têm o mesmo esmero. Mas nem umas nem outras usam esses modelitos desenhados e aplaudidos nos desfiles fashion.

Finalmente a luz. A Mônica Waldvogel me iluminou. Nada como o ensinamento de quem sabe e, como se sabe, os jornalistas sabem de tudo. De tudo um pouco, porque sua profissão assim o exige. É certo que às vezes dão mancadas, como da Marília Gabriela em 1982 (eu apreciava seu programa de entrevistas). Foi uma gafe imperdoável.

Ela transmitia a abertura ou encerramento da Copa do Mundo e anunciou que os três tenores iriam interpretar uma ária de... (ela gaguejou) Nabuco e Giuseppe Verdi, intitulada (e deu o nome da peça, que não lembro). Na verdade, era uma peça da ópera Nabucco, de Verdi, mas ela, que sempre demonstrou uma erudição profunda nos seus programas, não sabia disto. Fiquei decepcionado.

Não sou um profundo conhecedor de música erudita, mas até por ouvir bastante e ler livros a respeito, sei que o Tema de Lara, por exemplo, não foi composto por Mozart.

– Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! – como diria o Clodovil, me fazendo voltar ao assunto principal.

Segundo a revista Época de 04/07/2005, página 15, a Mônica Waldvogel explicou a moda de Alexandre Herchovitch para José Serra durante a São Paulo Fashion Week, assim:

– Prefeito, não é roupa de usar na rua. É para entender o conceito!

Meu Deus, nem eu desconfiava que era tão ignorante. Algo tão elementar e eu desconhecia: a roupa fashion é uma roupa conceitual...

Então tá. Obrigado, Mônica. Sou-lhe muito grato. Você me abriu horizontes. Vejo o mundo da moda com olhos complacentes e admirados. Finalmente entendi.

....

Será que entendi mesmo?



Publicado no blog Jus Sperniandi,
em 04/07/2005.
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06/08/2008

ASSÉDIO

Alberto Cohen


A poesia espreita o solitário,
quieto no bar, num canto, pela rua,
reconhecível pelo mesmo olhar
dos que esperam sem encontro marcado.
É num arroubo que ela se oferece,
imprevisível, dona, dissoluta,
nas carícias rimadas e medidas
negaceia e se dá, jamais inteira.
Depois, sacode a vasta cabeleira,
recolhe pelo chão os seus mistérios,
e parte, insatisfeita como sempre,
atirando metáforas na cama.


Alberto Cohen
Poemas sem Dono
II Prêmio Literário Livraria Asabeça - 2003
página 17.

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