25/08/2007

Eu, Presidente da República?

No embrulho de tropicões, desencontros, gafes e acertos que caracterizam minha vida tenho a impressão de que perdi duas chances de ser Presidente da República. Tanto por caminhos democráticos quanto por ditatoriais.

Aqui a cronologia não importa. Na minha consciência crítica a ditadura veio antes da democracia. Mas as perspectivas que tive foram em ordem temporal inversa.

Com 9 anos de idade eu já trabalhava como torneiro mecânico na oficina de meu pai. Para alcançar os controles e poder visualizar corretamente o que fazia o torneiro, o seu Udo, confeccionou um pequeno estrado de madeira no qual eu subia para trabalhar com mais segurança.

Eu torneava peças simples, parafusos e inclusive prisioneiros. Prisioneiros são uma espécie de parafuso sem cabeça, com rosca em toda a sua extensão, que na época eram fixados principalmente nos cubos de roda de caminhões e, depois de ali firmemente presos, serviam para atarraxar os aros com os pneus.

Talvez aí o ponto crítico que me desviou da presidência democrática: fazer prisioneiros é algo inerente ao cargo de Juiz, embora hoje em dia eles mais soltem do que prendem, e isto pode ter influenciado na minha vocação.

Outro ponto certamente desviante: sempre fui muito prudente, nunca me descuidei e ainda hoje posso contar até dez usando todos os meus quirodáctilos. Sem indenização ou aposentadoria, a não ser agora, por problemas cardíacos, fui obrigado a trabalhar. Mas é tarde!

A outra chance que escapou foi por ter sido recusado pelo Exército.

Não por falta de interesse. Em 1967 apareceu em Taió um pelotão de inspeção que acampou no hotel que meu pai explorava após vender a oficina mecânica e fiz amizade com um sargento.
Ele me contou maravilhas da vida de caserna e por isto, com 16 anos, me alistei como voluntário. Mas um capitão jogou água fria na fervura: assegurou que apenas o alistamento poderia ser feito aos 16 anos. Sentar praça, só com 18...

Na verdade acho que fui recusado por ser gordo, ruivo e sardento. Mas essa recusa não me incutiu qualquer sentimento frustração.

Naquele tempo, até muito depois, o caminho mais fácil para se chegar à presidência da República era a carreira militar. Então, esta foi a outra oportunidade que perdi.

Agora, como disse, é tarde. Até porque, se eu fosse presidente, hoje, não teria condições físicas de viajar tanto (a não ser que meu rico avião fosse dotado de uma míni-UTI cardiológica e meu cardiologista sempre me acompanhasse), nem de jogar peladas nos fins de semana, tampouco de participar de festas e arraiás com tanta sede...

Tive que lutar sozinho e com minhas forças (meu pai sofreu enfartes muito cedo e não pôde me ajudar muito). O máximo que pude foi fazer carreira na Magistratura e chegar à desembargadoria do que, diante dessas condições, não me arrependo. Até me orgulho.

Aliás, me arrependo um pouco. Deveria ter sido procurador. Talvez, então, encontrasse com mais facilidade coisas que extravio no Triângulo das Bermudas que é minha
casa, especialmente meu escritório. Inclusive a poesia que referi acima.

Desperdicei, pois, duas oportunidades de ser Presidente da República: uma por ter sido rejeitado pelo Exército, outra por, mesmo tendo sido torneiro mecânico, não ter perdido o dedo mindinho.

Mas, pensando de modo mais crítico, acho que nunca deveria é ter feito aqueles malditos prisioneiros.

22/08/2007

AMA DOR

Esta poesia obteve o 3.º lugar no Concurso de Poesia "Prof. Ângelo Magrini Lisa", da Associação dos Escritores de Bragança Paulista, em 1999.



Não sei como pude me envolver contigo,
uma profissional do amor.
Eu,
um amador!

Vieste a mim procurando teu outro eu
quando nem eu mesmo sei quem sou.

E me achaste
e mais eu do que eu sou
te tornaste.

(Que resultados querias,
dessa simbiose insolente?
Dessa cruza de rã com serpente?)

E agora?
Onde vou me encontrar
se nem mesmo sei quem és,
nem nunca soube quem sou?

Vieste a mim procurando teu outro eu
e levaste contigo a minha melhor parte.

Do que fui, do que foste, do que fomos,
nada sou, nada sei.

Nem sei
— nos largos caminhos da loucura —
como terminar este poema,
onde iniciar minha procura.

19/08/2007

Considerações Televisivas

O frio daqueles dias no litoral me meteu em contato meio forçado com a televisão. Mas a recepção, na praia do Grant, estava restrita a dois canais, num dos quais apenas se ouvia o som como que ecoando no interior de uma lata velha.

Periodicamente sou tomado por inexplicáveis acessos de generosidade. Desta vez adquiri uma antena parabólica e presenteei minha sogra.

Juro que não fiz por mal. Eu não tenho nada contra ela, muito pelo contrário: a estimo muito e garanto que se todas as sogras fossem iguais (ou parecidas) haveria menos casais em crise. Por isto não seria capaz de lhe fazer ou desejar algum mal ou desfeita. Tanto que, agora, ela está passando uns tempos conosco, em Porto Alegre. Naturalmente que mais por causa da filha do que do genro.

Sinto-me protegido quando estamos sob o mesmo teto. Principalmente contra raios. Sou obrigado a abrir imensos parêntesis e jurar que se trata, obviamente, de uma brincadeira porque tenho dez cunhados, seis do sexo masculino, alguns verdadeiramente furiosos e grandalhões. Um deles já admitiu que foi abduzido e não tenho idéia dos poderes maléficos que essa abdução possa lhe ter conferido. Embora não acredite em discos voadores, tenho medo dos que viajam neles.

Mas enquanto eu ficava ao notebook manipulava esse invento maravilhoso que é o... controle remoto. Melhor que a televisão. Tenho um outro texto, mais antigo, com uma análise profundíssima a respeito, que publicarei em outra ocasião.

Nas repassagens pelos 26 canais disponíveis encontrei receitas culinárias de um minuto a duas horas, canais de venda, os inevitáveis canais abertos, e outros variados (nos dois sentidos). Muitos religiosos, mas sobre estes me reservo o direito de nada dizer. Minha sogra é devota da Rede Vida.

Há tanto programa de entrevistas com tanto entrevistado dizendo tantas certezas, num tom de voz convincente e definitivo, que eu ficava com pena de trocar de canal. Tive, muitas vezes, a sensação imediata de que o mundo estava salvo e que todos os nossos problemas, finalmente, resolvidos. Depois, com a direção crítica um pouco mais pensada, chegava à conclusão de sempre: pura futilidade e pretensão. A verdade tem tantos donos que não pode ser verdade!

Os programas infantis parecem se dirigir à finalidade específica de imbecilizar crianças. Mesmo esses ratimbuns da vida não achei tão educativos como apregoam. Em todos os casos, sou muito criança e deixo essa análise para os adultos. São estes que sempre decidem o que é melhor para os infantes.

Há os canais da Câmara e do Senado que transmitem bizarrices. Principalmente votações e CPIs. As inquirições de testemunhas são conduzidas de uma forma tão enviesada que, para alguém como eu, que passou grande parte da vida tentando ser o mais objetivo possível na técnica inquiritória da busca da verdade, tornam-se um tormento. Os inquiridores depõem mais que as testemunhas...

Os parlamentares são dotados de uma compulsão invencível de aparecer e pensam que são obrigados a perguntar à testemunha sempre. Mesmo sobre o que já está meridianamente esclarecido. Eu ficava inquieto e coçando. Gastei três tubos de Omcilon com as esfoladuras. Tinha ganas de ir lá e ensinar como é que se faz perguntas objetivas para obter respostas claras. Mas certamente teria que passar por uma sabatina e desisti. Se os juizes usassem das mesmas técnicas nas suas inquirições então sim vocês iriam ver o que é morosidade da Justiça.

Descobri algo interessante: os canais da Câmara e do Senado não veiculam os programas eleitorais gratuitos que os canais abertos são obrigados a transmitir...

Vamos ser justos. No do Senado há um programa excelente, de música erudita, conduzido pelo Arthur da Távola, e pude me deleitar um pouco.

E há os canais rurais. Gostei muito do Canal do Boi. Apenas lamento não tê-lo conhecido antes. Em casa tenho a DirecTV, mas nesta ele é pago e nunca quis assiná-lo.

Se o fizesse há algum tempo teria evitado uma tragédia. Sou proprietário de uma fazendola em Passo Manso, interior de Taió, e há uns dois meses perdi metade do meu rebanho por uma doença desconhecida. Agora tenho que me contentar com a única vaquinha que restou e dar graças a Deus por não ser um boi.

Bois não dão cria nem emprenham vacas – esse foi outro útil ensinamento do Canal do Boi.

(Na foto acima, o que restou do meu rebanho).