O coletivo, da linha Juca Batista, é ótimo. Certas comodidades fizeram esquecer meu semi-usado: ar condicionado, bancos confortáveis e, principalmente, o responsável pela direção era outro...
Defronte aos Supermercados Zaffari uma bela voz feminina confirmou pelo serviço de som: “agora você está passando defronte o Supermercado Zaffari da Cavalhada”.
De vez em quando a mesma voz esclarecia: “você está viajando na linha Juca Batista, sentido bairro-centro”. Que bom! Deu vontade de ir até o Centro. Assim fica difícil a gente se perder.
Apesar da sensação de você estar assistindo a um jogo de futebol em que o narrador narra aquilo que você está vendo e muitas vezes você vê mais do que ele (outras ele narra esquecendo que você está vendo e mente descaradamente), a voz da moça era muito mais bonita.
Ela não se esgoelava como o Luciano do Valle, por exemplo, a cada parada. Nem repetia “desce, desce, desce” como o Silvio Luiz que a cada vez que alguém faz um gol fica berrando “foi, foi, foi, foi eeeeeeeeele”...
Uma das conclusões dessa viagem, que não foi além de dois quilômetros, é a de que os locutores de futebol, sem exceção, são excessivamente chatos.
Havia poesia nos ônibus, uma mais ou menos assim: “Dia lindo, sol rachando, não sei se salto ou saio voando”.
Se você for assaltado o será num ambiente VIP, de alta categoria.
Estive fazendo exames médicos, esses dias, e posso afirmar que a higiene do ônibus que peguei era melhor do que a da sala de espera do hospital. Acho que, em caso de alguma catástrofe se abater sobre Porto Alegre esses ônibus podem ser usados como centros cirúrgicos sem problemas de assepsia. Apenas seriam necessárias algumas adaptações.
As pessoas ao meu lado eram pessoas humildes. Muitas – imaginei – não tinham carro nem nunca poderiam ter. Mas gozavam do mesmo conforto de outros que, como eu, têm carros mas preferem não usá-los no trânsito de Porto Alegre ou apenas esporadicamente o utilizam.
Finalmente – filosofei – alguma coisa pública reúne ricos e pobres, negros e brancos, crianças e adultos, homens e mulheres, em condições de igualdade, num sistema absolutamente socialista em que todos são iguais. Absolutamente iguais.
Mas não. Alguma coisa destoava na minha filosofada. Alguma coisa estava errada e não se tratava apenas de sintonia fina, mas de programação mesmo.
O ônibus é espaçoso, grande, bonito, confortável, com ar condicionado, bancos estofados, espaço para gordo circular sem maior problema, catraca larga, motorista engravatado...
Mas até aqui há alguma coisa que impede o florescimento integral do socialismo que inicialmente vislumbrei, com satisfação.
Infelizmente, só uns poucos, que entram primeiro, têm o privilégio de viajar sentados. A maioria ainda tem que ficar de pé, se espremendo, se empurrando, sofrendo e lutando por um espaço, comprometendo a coluna, porque a linha é mal servida...
Mas isto – devem pensar os administradores – é apenas um detalhe.
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