19/04/2008

Utilizando o Transporte Coletivo

Ontem tive uma experiência que só não posso qualificar de dignificante por um detalhe. Entrei num ônibus urbano, ainda que para um pequeno trajeto, coisa que há muito tempo não fazia. Aposentado não precisa sair muito de casa.

O coletivo, da linha Juca Batista, é ótimo. Certas comodidades fizeram esquecer meu semi-usado: ar condicionado, bancos confortáveis e, principalmente, o responsável pela direção era outro...

Defronte aos Supermercados Zaffari uma bela voz feminina confirmou pelo serviço de som: “agora você está passando defronte o Supermercado Zaffari da Cavalhada”.

De vez em quando a mesma voz esclarecia: “você está viajando na linha Juca Batista, sentido bairro-centro”. Que bom! Deu vontade de ir até o Centro. Assim fica difícil a gente se perder.

Apesar da sensação de você estar assistindo a um jogo de futebol em que o narrador narra aquilo que você está vendo e muitas vezes você vê mais do que ele (outras ele narra esquecendo que você está vendo e mente descaradamente), a voz da moça era muito mais bonita.

Ela não se esgoelava como o Luciano do Valle, por exemplo, a cada parada. Nem repetia “desce, desce, desce” como o Silvio Luiz que a cada vez que alguém faz um gol fica berrando “foi, foi, foi, foi eeeeeeeeele”...

Uma das conclusões dessa viagem, que não foi além de dois quilômetros, é a de que os locutores de futebol, sem exceção, são excessivamente chatos.

Havia poesia nos ônibus, uma mais ou menos assim: “Dia lindo, sol rachando, não sei se salto ou saio voando”.

Se você for assaltado o será num ambiente VIP, de alta categoria.

Estive fazendo exames médicos, esses dias, e posso afirmar que a higiene do ônibus que peguei era melhor do que a da sala de espera do hospital. Acho que, em caso de alguma catástrofe se abater sobre Porto Alegre esses ônibus podem ser usados como centros cirúrgicos sem problemas de assepsia. Apenas seriam necessárias algumas adaptações.

As pessoas ao meu lado eram pessoas humildes. Muitas – imaginei – não tinham carro nem nunca poderiam ter. Mas gozavam do mesmo conforto de outros que, como eu, têm carros mas preferem não usá-los no trânsito de Porto Alegre ou apenas esporadicamente o utilizam.

Finalmente – filosofei – alguma coisa pública reúne ricos e pobres, negros e brancos, crianças e adultos, homens e mulheres, em condições de igualdade, num sistema absolutamente socialista em que todos são iguais. Absolutamente iguais.

Mas não. Alguma coisa destoava na minha filosofada. Alguma coisa estava errada e não se tratava apenas de sintonia fina, mas de programação mesmo.

O ônibus é espaçoso, grande, bonito, confortável, com ar condicionado, bancos estofados, espaço para gordo circular sem maior problema, catraca larga, motorista engravatado...

Mas até aqui há alguma coisa que impede o florescimento integral do socialismo que inicialmente vislumbrei, com satisfação.

Infelizmente, só uns poucos, que entram primeiro, têm o privilégio de viajar sentados. A maioria ainda tem que ficar de pé, se espremendo, se empurrando, sofrendo e lutando por um espaço, comprometendo a coluna, porque a linha é mal servida...

Mas isto – devem pensar os administradores – é apenas um detalhe.




Publicado originalmente no blog JUS SPERNIANDI,
em
02/03/2005.
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17/04/2008

HOMENAGEM A MIM MESMO

Demorei um tempão para te conquistar. Foram tantas coisas que disse, foi tanto cortejo que quando tu vieste – talvez fosse melhor dizer caíste? – nem acreditei. Fiquei surpreso, embora não devesse. Senti-me leve e tive vontade de voar.

Mas seria ridículo. O que pensariam de mim os que me vissem borboleteando próximo ao rio Itajaí, numa pracinha que não existia ainda, só de contentamento? Sempre fui muito suscetível ao riso dos outros.

Depois, eu tivera, um pouco antes uma triste experiência, lembra? De certa forma, talvez meu Inconsciente estava prevendo que aquele dia seria o dia do “sim”.

Por isto antes, quando debaixo de chuva descíamos a escada do Artesanato eu tentei voar. Sim, eu tentei voar e o resultado foi desastroso: ao levantar uma perna para alçar vôo a outra escorregou, perdi o equilíbrio e desci quatorze degraus de bunda. Tuc, tuc, tuc, tuc, tuc, até embaixo.

Ainda bem que tu seguravas o guarda-chuva e não te molhaste. Eu estava de capa, uma daquelas de náilon que depois de um tempo esquentavam demais e fediam porque não deixavam a gente transpirar, embora tivessem uma providencial abertura nos sovacos. Graças a ela não pudeste ver que, na minha arremetida escada abaixo, molhei a bunda.

Então, quando tu deste o teu “sim”, pouco depois, já na frente daquela vitrine fechada, eu estava com a bunda molhada. Mas já te falei isto antes, acredito que, como é meu costume, muitas vezes, pois afinal se passaram 39 anos, cinco meses e vinte e nove dias ...

Depois cheguei a imaginar se aquela caída de bunda não te fez ficar condoída e influenciou positivamente no teu “sim”. Podes ter certeza, eu cairia mais umas duzentas vezes, se fosse preciso.

Depois foi surpresa atrás de surpresa. Como tu eras diferente das outras gurias com quem eu namoriscara. Tu eras – aliás, sempre foste – imune a fofocas, a futilidades, a conversas alheias. Por isto, na sala de aula, ninguém se aproximava muito de ti. Tu parecias uma muralha intransponível ou, pelo menos, difícil. Mas não. Tu tinhas carinhos guardados, risadas escondidas que se foram revelando e me envolvendo e até hoje sou inebriado por elas. E aquela irrepreensível malícia por detrás dos olhos pretos e sempre acesos.

E os outros, mais tarde, como te qualificaram com palavras bonitas. Minha avó dizia que eras santa, mas ela já estava meio caduca e isto não vale. Não sei se ela ironizava ou dizia a verdade nem ninguém nunca vai saber.

Uma colega, depois, disse que tu eras muito meiga. É verdade. Outra te qualificou de esposa-padrão... Mais recentemente alguém afirmou que tu és uma criatura doce, como as trufas da Cirônia. Tu, particularmente, nunca gostaste que te vissem assim. Eu sempre gostei, não muito desse esposa-padrão, aí, que pode significar muita coisa, inclusive e graças a Deus, o oposto do que és.

Claro, eu seria mentiroso se não dissesse que de vez em quando tu deste as tuas rabanadas, durante esse tempo todo. Mas foram daquelas rabanadas de Natal que sempre guardavam um quê de doçura. Pensando bem, algumas não foram tão doces assim!

Tu nunca foste convencida ou esnobe. Sempre foste os pés no chão da nossa relação e, depois, da família. Hoje não se comemora nenhuma efeméride na nossa vida. Por isto sei que não estás considerando estas palavras como dirigidas a ti. Até porque já pediste para não falar mais de ti aqui no blog, para que eu não pareça brega.

Então, essas palavras são para mim, apenas. Sou meio brega mesmo. E, afinal, quem caiu da escada e molhou a bunda só para te conquistar? Então mereço esta homenagem que me faço.

Porque, podes acreditar, guria: é muito bom ser eu!

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