13/10/2007

Meu Descanso Semanal

Deus é onipotente, mas descansou no sétimo dia.

Desconfio que não foi bem isto: os editores da Bíblia, que a publicaram milhares de anos mais tarde, deram uma arreglada aí e escreveram algo diferente. Nada indica que naquele tempo os patrões da grande imprensa fossem diferentes dos de hoje.

Acho que Deus estava tão entretido com suas criações que resolveu parar um pouco, pensativo. No dia anterior criara o Homem e, por sua onisciência, percebeu que fizera uma divina besteira. Tanto que logo expulsou suas criaturas do Paraíso. A primeira coisa que o casal fez, quando a sós, foi inventar o Mal e jogar a culpa numa cobra, como fazem muitos atletas — exceto a Daiane e poucos outros — e principalmente os políticos.

Deus cochilou quando criou o Homem. Imaginem a Terra sem ele: Sete Quedas ainda estariam intactas, as florestas exuberantes, os animais se digladiariam em lutas necessárias apenas à própria sobrevivência sem interesses econômicos e sem a exibição repetitiva e sádica do National Geographic ou do Discovery.

Se Deus parasse um dia antes evitaria, por exemplo, que lá pelo ano de 1947 nascesse, na Irlanda, um bebê inocente e querido pelos pais como toda criança, que estudaria Teologia, deixaria a batina, se transformaria num imbecil, e no domingo, no fecho das Olimpíadas de Atenas, tiraria a possibilidade da medalha de ouro na maratona do nosso Vanderlei Cordeiro de Lima.

Bem, mas o que eu queria dizer é que Deus, mesmo onipotente, descansou no sétimo dia.

Eu, que sou fraco, tenho fibromialgia, gastrite, dermatite seborreica, unha encravada e preguiça, sinto-me no direito de fazer o mesmo.

Não estou me comparando a Ele. Deus me livre! Mas já que o padre Afonso insiste que fui criado à Sua imagem e semelhança, vou descansar sempre aos domingos e não postar nada. Por isto não escrevi ontem. Claro que ninguém percebeu, até porque, pelo que notei no contador, nos finais de semana, os meus leitores se reduzem em pelo menos 50%: passam de oito para quatro.

Acho que são os meus irmãos e nem todos. Porque o Damião entrou. Mas o Damião é um gentleman de primeira.

Nem meus cunhados, depois que falei da mãe deles, têm acessado o blog. Não reclamaram, mas há silêncios que soam mais alto que os berros do Datena transmitindo vôlei em final de Olimpíadas.

Ela continua aqui. Eles não se preocupam porque sabem que está bem cuidada. Pela filha. Mas estou retirando o que disse para que possam acessar o blog de novo. Afinal, por parte dos Feuser-Fernandes, são os meus melhores cunhados.



Croniqueta publicada, originalmente, no Jus Sperniandi,
em 30/08/2004, aqui.

10/10/2007

VOZES DA LAGOA

Três excertos do livro Vozes da Lagoa,
Bebel Orofino,
com belas fotos de Suzete Sandin









O VISIONÁRIO

Manoel Agostinho – Barra da Lagoa

Não dá pra registrar o que eu sou, ou o que eu já fui.
Ninguém entende.
Eu conheço de longe as pessoas.
Quando passa alguém aqui, eu digo como ela é,
se tem a idade comprida, se tem a idade curta...
Eu enxergo o sujeito daqui, da minha janela.


CRIANÇAS PELO UMBIGO

José Agostinho – Barra da Lagoa

As parteiras diziam que as crianças vinham de avião.
E eu, um menino de quatorze, quinze anos, pensava que era assim
mesmo. Ninguém sabia, as mães não contavam nada.
Um dia a Juvelina disse pra ir no mato.
Era pra ver de onde nasciam as crianças.
Mas descobriram o umbigo.
Ela e as amigas pensavam que as famílias vinham pelo umbigo.
Acharam que era por ali que vinham as crianças.
O povo era tolo.


DELEGADO LADRÃO


José Simão – Caieira

O João Sobrinho plantava muita melancia.
Uma noite ele me disse assim:
– Zé, vai dar uma volta com o Manoel Matias
e rouba uma melancia pra nós.
Ele, como delegado, não podia mandar fazer isso, mas nós fomos.
Fomos na roça do delegado, escolhemos a melancia
mais bonita e trouxemos.
Quando voltamos ele perguntou:
– Arranjaram a melancia?
Ele não sabia que a melancia era de sua roça.
Partimos a melancia, muito bonita, e comemos.
O Manoel Matias ria muito, mas não podia contar porque ria tanto.
O delegado ainda disse:
– Vou levar essas sementes pra plantar. Uma melancia dessas eu nunca comi.
Mas um empregado dele, o Zé Belina, contou que alguém tinha roubado melancia.
Foi aí que ele descobriu, mas não podia fazer nada,
ele era delegado:
– Vocês dois são uns istepô. Disseram que tinham roubado da roça do Bonifácio e foi da minha que roubaram. O pior é que eu, um delegado de polícia, ainda mandei roubar dos outros.




Leia aqui algumas considerações sobre o livro.

07/10/2007

A Culpa é dos Americanos


Nenhum fato social acontece sem que alguém tenha culpa. Essa é uma regra válida para todos os que habitam nesta terra. E o culpado é, geralmente, o outro. Esta a segunda regra.
Desculpem os dirigentes da República da Panákia se, porventura, eu estiver dizendo alguma heresia que contrarie a Constituição daquele país.
Eu não sou adepto da teoria das conspirações (o plural é de propósito), mas acho que os americanos são culpados de todo o mal que ocorre no mundo. Desde a peste suína que varreu o Brasil, se não me engano no tempo do Geisel, venho pesquisando a respeito e já descobri, de fonte segura, que no Norte do Estado do Oregon há uma cidade subterrânea habitada por famílias que vivem num regime de deliberada reclusão.
Completamente auto-suficiente, seus membros encontram nela de tudo o que precisam para uma vida saudável e abastada. Homens e mulheres que se destacaram na vida acadêmica vivem ali regiamente pagos pelo Governo com o objetivo principal de sabotar os países em desenvolvimento.
Descobri o nome da cidade: Ambush. Não adianta procurar no mapa. Os mapas são deficientes e confeccionados em papel e não permitem a inclusão de uma cidade subterrânea. Seria uma exigência absurda pretender que um mapa indicasse uma cidade sob a terra: ela estaria sob o mapa e não poderia ser vista. Elementar!
Minha mãe era tricoteira de primeira. Antigamente, na minha infância, se fabricava uma lã de excelente qualidade, daquelas que, com o uso, não criavam bolinhas. Depois de algum tempo todas elas passaram a ser de qualidade inferior e criar bolinhas. Por quê? Porque uma fábrica americana inventou um aparelho de extrair bolinhas de lã e precisava vender seu produto. As cabeças pensantes de Ambush descobriram um hormônio especial e o inocularam nas sementes das gramíneas que alimentam os animais tosquiáveis que vai refletir na lã produzida e o disseminaram pelo mundo. Desde então você pode comprar a melhor blusa do mercado que vai ter que comprar o aparelho de podar as bolinhas se quiser mantê-la sempre bonita e vistosa.
Ambush tem ligação direta com a estação polar americana no Pólo Sul, aí embaixo, perto de nós, e implementou um sistema que lhe permite influenciar no clima da região, criar frentes frias, ciclones, tufões e furacões.
Lembram do furacão Catarina? Foi a primeira experiência bem sucedida deles de exportar esse tipo de fenômeno climático para o Brasil que é, ou pelo menos era, um país livre dessas inclemências. Depois vieram mini-furacões em Criciúma e, mais recentemente, em Indaiatuba, São Paulo. Então, nesses casos, não adianta querer colocar a culpa no Lula, ou no PT, porque eles são completamente inocentes.
E há previsão de que outros ocorram no decorrer deste Inverno, mas isto ainda não é certo. Lidar com o clima é, até para os estudiosos de Ambush, muito difícil. O clima é instável. Mas eles, em cooperação com a estação polar, já estão começando a dominá-lo com alguma intimidade e dentro de alguns anos os furacões que agora assolam os EUA serão desviados para o Sul do Mundo sem que tenhamos que pagar qualquer taxa de importação.
Isto é só um exemplo. Há coisas mais graves que os americanos fazem contra nós, mas como a postagem deste blog é limitada a um determinado número de caracteres – coisa de americano! – sou obrigado a parar por aqui.
Se sou paranoico? Eu não. Nunca tive medo de ser perseguido.
Desde que voltei de Santa Catarina, há uns vinte dias, vivo no interior de uma sala secreta, à prova de furacões e outras ameaças, no porão de minha casa, com acesso à Internet (outra coisa que os americanos criaram para nos dominar). Ela é dotada de banheiro e de um certo conforto, é claro. Tem uma abertura por onde a dona Estela – nossa personal home – me serve o café da manhã, almoço e janta.
Assim protegido, como é que vou ter medo de perseguição? Estou mais seguro aqui do que vocês aí fora, vivendo perigosamente no descalabro desse mundo, ouvindo mentiras e lendo bobagens...



Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 21/06/2005.