26/04/2008

JÁ FUI RADIALISTA...

Preciso visitar o padre Guerino, Diretor das Faculdades Dom Bosco de Porto Alegre, para conversar, lembrar os velhos tempos em que ele era o Conselheiro do colégio em Rio do Sul e eu era um interno nem sempre muito disciplinado. E para saber o paradeiro de muitos ex-colegas e professores, como o clérigo Luiz, que me incutiu o gosto pela música clássica.

No Colégio Dom Bosco participei da fanfarra, tocando clarim ou corneta. Foi o único instrumento que consegui tocar até hoje. Talvez porque, sem pistões, ele só toca quatro notas.

Eu pedi a meu pai que me comprasse uma sanfona, quando era mais jovem, mas ele disse que isto era coisa de vagabundo, que eu precisava estudar para ser alguma coisa na vida, não um mecânico como ele que “dava duro dia e noite” numa vida sacrificada e penosa. Na verdade, acho que foi pretexto por falta de dinheiro. Mas o motivo não importa. Meu maior receio é o de que o mundo tenha perdido um grande virtuose...

Talvez por isto dei para meu filho quando pequeno uma sanfona e flautas doces, além de uma bateria que ele só podia tocar quando eu não estava em casa. Mais tarde, dois pianos. Quando quis estudar música o incentivei e este ano ele completa sua graduação em Piano na UFRGS.

Com 12 anos, nas férias colegiais, eu sintonizava a Rádio Eldorado, de São Paulo, em ondas curtas, todas as noites, depois de A Voz do Brasil. Aos domingos reproduziam uma ópera completa e a primeira que ouvi foi A Flauta Mágica, de Mozart .

Ruídos, chiados e som desaparecendo e voltando, tudo isto integrava o sacrifício de quem queria ouvir rádio à noite, na Taió cercada de morros em que nem antenas altas resolviam. Ondas curtas nunca foram confiáveis. Descargas mais fortes anunciavam chuvas e trovoadas e essa interferência sempre foi a nossa melhor previsão do tempo.

Meus colegas brincavam na oficina mecânica de meu pai, contígua à residência, transformando-a em uma enorme cidade do Velho Oeste. Não entendiam como eu podia ficar com o ouvido grudado no rádio, marca Bandeirante, grande e potente, dotado de um olho mágico para afinar a sintonia, o que não adiantava muito.

A oficina era enorme e tinha fortes atrativos. Estive lá depois de adulto e ela, embora apresente as mesmas dimensões, na verdade encolheu. O que naquele tempo representava obstáculos intransponíveis são hoje meros degraus. Os vãos, verdadeiros abismos profundos e amedrontadores, são frestas em que não caio nem que queira. No máximo ficaria entalado nas panturrilhas.

O prefixo do programa de música lírica da Eldorado era uma música melodiosa e suave que mais tarde descobri ser o segundo movimento da Sinfonia Clássica, de Prokofiev. Mais tarde ainda usei esse mesmo prefixo num programa de música erudita que apresentei na Rádio Educadora, de Taió, no final dos anos 70, por uns alguns meses. Aos domingos, ao meio-dia, eu apresentava ainda um programa de MPB.

Sim, eu fui radialista. Graças à visão de um idealista, Marcos Hosang, que lutou contra interesses políticos contrários e má vontade de outros durante 22 anos de sua vida para dotar Taió de uma rádio. Eu o auxiliei, cedendo meu escritório para redigir e elaborar documentos necessários ao processo de concessão, mediante o compromisso de que a rádio não se dedicasse, então, apenas a músicas sertanejas e a futilidades.

Nenhum dos meus programas era páreo para o “Fogo na Roupa”, um locutor caipira que escolhera esse nome artístico e que todas as manhãs apresentava um programa de música sertaneja. Nem para o Paulo Marques que à noite, com uma voz suave e lamentosa, apresentava um programa de músicas lânguidas e mais tristes do que o canto de uma sabiá doente, entremeadas de poemas que recitava.

O meu programa de música clássica não fez muito sucesso. Mas tenho certeza de que pelo menos duas velhinhas alemãs ouviam. Uma delas era a mãe do Marcos...




Crônica publicada originalmente no blog JUS SPERNIANDI,
em 31/03/2005.
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