13/12/2008

VIVA LA MUERTE!

Há algum tempo vi um filme em preto e branco em que os personagens acabam no México, em pleno carnaval. Bem, carnaval era o que eu pensava. Havia música, desfile, fantasias (que achei um tanto macabras), mas o desenrolar me esclareceu que se comemorava el dia de los muertos.

Os mexicanos, principalmente os nativos, entre o fim de outubro e início de novembro recebem seus parentes e amigos falecidos que voltam à terra para confraternizar. Não sei como se dá, exatamente, esse encontro mas, em todos os casos, revela uma faceta peculiar de se encarar a Velha-da-Foice que está numa das esquinas, aí pela frente, esperando cada um de nós para o seu rebanho.

O escritor mexicano, Nobel de Literatura, Octavio Paz disse: A morte não nos assusta porque a vida já nos curou dos medos. E: A confusão incongruente de atos, arrependimentos e esperanças, que é a vida de cada um de nós, encontra na morte não sentido ou explicação, mas um fim.

Como diria a Sabrina Sato, prêmio Lebon de vulgaridade: é verdade!

Essa tradição pré-hispânica não tem origens claras e perdeu genuinidade com a intervenção da Igreja Católica, sempre pronta a impor sua crença a ferro e fogo, e muita morte não tão bem humorada. Houve necessárias adaptações.

Simone Andréa Carvalho da Silva, coletando dados para sua tese de doutorado, escreveu interessante artigo na última revista Planeta (que se remodelou e perdeu aquele cunho notória e puramente esotérico):

A familiaridade com que o mexicano trata a morte não o isenta de temê-la, mas o ajuda a conviver e sobreviver a esse medo. Desde cedo as crianças devoram avidamente as caveirinhas feitas de açúcar, bala de goma, chocolate ou amaranto, pães dos mortos e todo tipo de guloseimas servido a um fausto banquete de vivos e mortos. Assim, acostumam-se ao contato com uma morte brincalhona e companheira, personificada em bonecos-caveiras de papel machê.

A vinda dos mortos é disciplinada. No dia 30/10 voltam os suicidas, no dia 31, os acidentados, em 1.º de novembro as crianças e dia 2 os adultos. Coloca-se uma jarra de água e uma tolha na entrada da casa para o morto se refrescar de sua longa viagem ao mundo dos vivos. Nos banquetes, os falecidos têm preferência e se servem primeiro.

Há dança, música, representações teatrais, concursos de altares, comilança e beberagem. E um costume que acho que seria aplicável com muita propriedade no Brasil: as calaveras políticas, tradição que consiste em escrever epitáfios humorísticos de políticos e pessoas públicas.

Não me contive e escrevi alguns. Lula: Foi presidente do Brasil e nunca soube. Zé Dirceu: Morreu antes de ter morrido. Olívio Dutra: Aqui se espraiam os restos da minha cidadania. Teria outros, mas o espaço é curto.

No final do fandango os mortos voltam a seus lugares. Os vivos os acompanham para evitar que fiquem vagando para sempre neste mundo cruel ao qual, certamente, não mais se adaptariam. Pois, como eles dizem lá: ao vivo, tudo lhe falta; ao morto, tudo lhe sobra.




Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 02/11/2005.
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