15/03/2008

FUI DONO DA NAÇÃO!

E NÃO SABIA...

Putzgrila (eu fui leitor do velho Pasquim, aquele bom), mais esta! Eu era dono da nação e não sabia. Soube só agora e a inexorabilidade de minha aposentadoria não permite tergiversações – como a questão envolve pronunciamentos de provecto jurista permito-me usar jargões próprios da classe. Soube pelo futuro candidato a presidente, digo, pelo atual presidente do STF, ministro Nelson Jobim, quando exortou os juízes a deixar de ser donos da Nação e a não usarem o cargo para o próprio deleite. Isto daria um trocadilho infame, mas a questão é seria e não vou me dar ao luxo de criá-lo.

É sério porque agora, aposentado, não sou mais dono de nada. Até um pedacinho de chão no estacionamento do Tribunal, que serve a terceiros, foi subtraído aos aposentados. Desembargador aposentado é res inter allios (traduzindo: coisa entre terceiros na relação entre as partes que, aqui, são o Tribunal de Justiça e os “velhinhos” na ativa. “Velhinhos” não é propriamente um termo jurídico, mas é assim que os juízes designam os desembargadores enquanto torcem para que algum deles se aposente ou morra para tomar seu lugar).

Estive lá, em janeiro, e como a maioria dos desembargadores gozava férias, havia dezenas boxes vagos. Mesmo assim estacionei no que supunha ser um dos locais a que estava acostumado a estacionar, destinado a terceiros. Ao voltar o guarda esclareceu que aquele era o box do desembargador Marco Antônio, que chegara em seguida e ficou irritado porque haviam tomado seu lugar. Esse desembargador é uma alma, mas daquelas parrudas e fortes, e atende sugestivamente pelo doce apelido de Marcão. Por acaso nos encontráramos no posto do Banco do Brasil. Puxei conversa e ele não demonstrou muita simpatia. Com o guarda é que entendi a razão. Por via das dúvidas, deixei um pedido de desculpas e fui direto para Santa Catarina. Ele sabe meu endereço em Porto Alegre.

Além de ter perdido a Nação e um local de estacionamento no Tribunal descobri que nem sou mais dono do meu nariz. À noite, quando ronco muito e a Ieda não pode dormir, ela admoesta em tom inquisidor:

– Será que não dá pra virar esse nariz para o outro lado?

Agora compreendo porque, quando discursei no 7 de Setembro, em Iraí, que narrei aqui, não me prenderam nem tomaram qualquer providência (e o discurso foi irradiado pela Rádio Marabá): era tempo da Ditadura, mas eu era o dono da Nação e podia dizer o que queria que ninguém iria tomar atitude alguma.

Já em Espumoso atravessava madrugadas debruçado nos processos – também contei aqui – num tempo em que a Ieda estava grávida e precisava de apoio. Trabalhava a ponto de um advogado me aconselhar a trabalhar menos, argumentando que “isso aí é um meio de vida e não um meio de morte”. O “isso aí” era a minha dominação da Nação e, além disso, o meu deleite. Um egoísta e magistr(atur)al deleite de ir acabando aos poucos com a saúde para terminar numa aposentadoria por problemas... cardíacos.

Acho que sou o único caso de juiz que um advogado exortou a trabalhar menos. O nome dele? Doutor Euclides Luís Marquese, de Espumoso, que na época representava a OAB na Comarca. Com isto sim, ministro Jobim, eu me deleitei, porque foi uma forma de reconhecer o meu trabalho. Ninguém precisa mais do trabalho de um juiz do que um advogado em prol de seu defendido – o senhor deve saber disto.

Hoje eu sinto que fui estrondosamente omisso. Tenho ganas de reverter a minha aposentadoria. Podia ter feito mais e não fiz. Sempre acreditei que o papel de um juiz fosse resolver os problemas que lhe são propostos no âmbito restrito de um processo. A conta-gotas. Uma sentença, numa ação, atinge só as partes e tem força de lei entre elas. Apenas entre elas e seus efeitos não se estendem à sociedade, como um todo.

Como isto é incompatível com quem exerce o poder dominial sobre a Nação eu devia ter sido mais corajoso. Em Irai mesmo, deveria contratar um Chalaça para testemunhar, ir às margens do Rio do Mel, sacado a espada da mão da Themis (a deusa símbolo da Justiça) e proclamado a independência do Judiciário: só poderia, a partir de então, ser ministro do Supremo um juiz de carreira – incluídos os advogados e promotores do quinto constitucional integrante de algum tribunal (afinal, não é bom brigar com todo mundo) – mas nunca alguém indicado politicamente pelo presidente da República, como o é atualmente, e há bastante tempo.

Perdi uma ótima oportunidade de prestar um grande serviço à Nação de que era dono sem saber.




Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 10/02/2005.

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09/03/2008

BBB5: UM RETRATO DO BRASIL

Terça à noite estava amuado e fui para a cama cedo. Liguei a TV e estava no BBB5. Estranhei a presença do professor universitário Jean. Ele estava lá, firme, e conclui que, além da reviravolta estrondosa do primeiro paredão, contra aquela guriazinha soteropolitana, ele tinha enxotado também o humilde padeirinho de Palhoça, Santa Catarina.

Quer dizer: a discriminação que invocou no primeiro programa e que lhe valeu a reviravolta mexeu com a comunidade gay, que votou nele em peso, e acabou imperando a vontade da minoria que vota.

Porque, em sã consciência, o padeiro de Palhoça era mais simpático, autêntico, simples, pobre, sem a empáfia e o gosto de aparecer do professor. Tiraram alguém sem cacife e deixaram quem é mais esperto e oportunista. Não fora a interferência corporativa dos gays ele teria saído no primeiro programa. Não vi o seguinte e supus que ele não fosse páreo para o padeirinho de Palhoça. Mas foi.

Injusto? Honestamente, acho que sim. Eu votaria no padeiro. Nada contra o professor por ser gay. Já defendi, aqui, a união de homossexuais e não tenho nada contra. O problema dele é ser chato e caga-regras e se amparar em premissas falsas e cabotinas.

O que me desagrada, nos gays, é quando os do sexo masculino pretendem ser mais femininos do que as mulheres (o que não parece ser o caso). Não sei administrar impossibilidades. E um homossexual masculino querer ser mais mulher que uma mulher é de matar a pau! A Natureza deve preservar pelo menos um pouco de sua naturalidade.

Mas — pensei melhor —, tudo no Brasil se resolve assim. A começar, por exemplo, pela Câmara dos Deputados, em grande parte formada por agropecuaristas e/ou advogados. Podem analisar: a maioria das decisões atende aos anseios dessas classes.

Quando era juiz em Espumoso o escritório que elaborava a minha Declaração de Imposto de Renda era a mesma que confeccionava a de um dos mais ricos agropecuaristas da região, proprietário de uma imensa fazenda onde plantava soja e criava gado. Ele pagava de imposto de renda, por ano, aquilo que eu recolhia num mês...

Os agropecuaristas têm seus interesses bem defendidos no Congresso. Por isto não sai reforma agrária, os juros agrícolas são subsidiados e há desvios de empréstimos para construir mansões ao invés de serem aplicados na lavoura.

E a reforma do Judiciário? Não há juiz — nem, por disposição legal, poderá havê-lo — representando a classe no Congresso. Os advogados, que são maioria, estão justificadamente desgostosos com a morosidade da Justiça. É claro que não foi difícil criar o Conselho Externo, embora ele não vá resolver o problema da morosidade.

Quem poderia ter voz ativa na defesa da classe era um ex-deputado federal e advogado que nunca na vida foi Juiz e que foi alçado politicamente ao STF, do qual é presidente: o ministro Nelson Jobim. Mas ele já demonstrou que pretende voltar à política e então seus interesses não são de criar atritos com o Governo. O Judiciário é um poder que não pode modificar institucionalmente a sociedade.

Acompanhem a discussão sobre a Medida Provisória n.º 232, que elevou a cobrança de impostos dos pequenos prestadores de serviço (entre ele advogados) e criou a alíquota de 1,5% a 2,5% sobre a venda de produtos agrícolas (onerando pecuaristas).

Os congressistas se dizem contra para transmitir a impressão de que não será aprovada porque toda a população será prejudicada (o que não deixa de ser verdade). Mas a não aprovação não vai ser por isto. Há exemplos recentes que demonstram que o povo e a cidadania são a última preocupação dos abnegados membros do Congresso: a primeira é agradar o presidente Lula nos conchavos em troca de cargos no Governo.

Na verdade, estão apenas defendendo seus interesses. Em direito se diz: atuando em causa própria.

Enquanto isto continuarão a existir os que pagam imposto demais, como os assalariados que os têm descontado na fonte, e os que pagam de menos, como grandes agropecuaristas, profissionais liberais, etc...

O Brasil é um imenso Big Brother. Os excluídos são sempre parecidos com o jovem padeiro de Palhoça.


Crônica publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 04/02/2005.
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