29/03/2008

MUDANÇAS SOCIAIS EPILÉPTICAS

Quando penso em mudanças sociais, sempre me acomete alguma inquietação. Coisas da idade: nas revoluções, os que mais sofrem são os velhos, os doentes e as crianças.

Que as coisas mudem devagarzinho, tudo bem, a gente vai se adaptando. Mas do que vai adiantar virar o mundo de pernas pra cima se, depois, eu não vou ter tempo nem forças de me adaptar à nova realidade? Certos traumas são difíceis de ser vencidos e isto se aplica também ao social.

A História, que é feita de horrores, está aí para demonstrar: nazismo, pós-guerras, revoluções, cataclismos (outro dia escrevi, equivocadamente, cataclismas, o Aurélio corrigiu, mas eu me achei mais inteligente e mandei ignorar), tudo isso pode provocar uma necessidade de readaptação e nem todos poderiam consegui-la. As crises de epilepsia social podem ser graves e atingem especialmente aqueles que têm menos energia.

Revolução é para os jovens que depois podem colher o fruto de sua semeadura e têm uma capacidade superior de se adaptar a novos tempos e às próprias mudanças. O exemplo vivo do que estou dizendo é Fidel Castro que, jovem, fez uma revolução contra um déspota, venceu-a, instalou-se no poder e se adaptou perfeitamente à nova realidade, tanto que sua revolução permanece e ele se mantém no poder. E se transformou noutro déspota, com ideologia diversa, mas com idêntica tendência ditatorial, repressora e sangüinária.

Ele se tornou um velho e um dia vai sucumbir porque não descobriu a fonte da eterna juventude nem a imortalidade e em Cuba deve haver jovens revoltados também. Então vão mudar o que ele mudou e o mundo caminha assim porque assim sempre caminhou.

Teilhard de Chardin, filósofo cristão hoje praticamente esquecido, retratou bem a questão: “O progresso da Humanidade não é retilíneo. Ele se assemelha antes a uma rosca de parafuso, a uma espiral”. Estamos agora numa parte da espiral bem próxima à linha inferior anterior, tentando retroceder e pular etapas para trás. Nem que seja para tomar impulso para, depois, ir para frente.

Não penso em construir um mundo melhor nem em ser paladino de uma verdade para meus filhos e netos. Eles que destruam o mundo nosso com as mesmas guerras, a mesma desonestidade, a mesma cabotinice com que estamos destruindo o dos nossos pais e avós. A humanidade sempre foi e sempre será assim.

Não se busca a convivência ideal, mas a supremacia. Não há um período da história universal que possa servir de exemplo. Nem nunca haverá. Só existimos como seres humanos por teimosia.

Nos sonhos dos nossos pais e avós éramos a esperança de continuidade e a somos. Somos, por dentro, como eles eram. Talvez mais artificialmente sofisticados, mais inseguros, mais intranqüilos, mais requintadamente desonestos. Na verdade, mais desesperadamente visionários.

As nossas crenças são mais vazias, o nosso comportamento é menos autêntico e os nossos atos são mais artificiais. Virtuais seria o termo mais adequado.

Não cremos no que eles criam nem ele mais crêem em nós, como criam. Não somos o que queriam que fôssemos, nem somos: vamos. Mas nem sempre vamos por querer: é porque os fatos sociais nos levam de roldão que vamos, mais nada.

Destruímos o mundo que eles fizeram, anulamos a revolução deles, e construímos um mundo novo. Não necessariamente melhor nem pior nem igual. Novo, apenas. Para que os nossos filhos e netos tenham o que destruir mais tarde, (in)conseqüentes e (ir)responsáveis.

E eles serão como nós. Mais que nós, um pouco, talvez, tudo isto...



Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 15/03/2005.
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