14/02/2009

I AM LOST

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Estou ficando com medo de viajar de avião. Não que eu receie acidentes, sempre viajei tranqüilo, mesmo fibrilado, sentindo apenas um pouco de mal-estar na decolagem.

Mas, numa capitulação que nem eu mesmo consigo entender bem, estou assistindo a série Lost, exibida pela TV Globo por volta da meia-noite.

Creio que você pelo menos já ouviu falar dela, que em um desses canais pagos está na segunda temporada.

Resumindo: a história trata de sobreviventes a um acidente aéreo em que o avião se rompeu pela metade (não sei como não foram todos lançados para fora porque não vi os primeiros capítulos). Mas não é não em razão do acidente o meu temor. Sempre procuro viajar na metade do avião e, num acidente como o da série, teria chances de ser um dos sobreviventes.

A ilha situa-se na linha do equador, é quente e nela ocorrem fatos estranhos, como, por exemplo, a aparição de um urso polar – pelo menos assim identificado ou chamado – que devora pessoas. Ele deu uma trégua nos últimos capítulos. Mas ainda não é a incrível possibilidade da existência de um urso polar numa ilha equatorial que me assusta. A política brasileira abriga rinocerontes e elefantes brancos e essas coisas não me impressionam mais.

Os personagens principais que estavam no avião são um cirurgião atormentado por ter delatado o próprio pai, também cirurgião, por erro médico; um casal de chineses que não se entende (ele é violento e perigoso, segundo ela); um ex-soldado iraquiano torturador; a moça mais bonita participou, antes, de um assalto a banco e matou os próprios companheiros para se apoderar de algo ainda não revelado; um roqueiro frustrado que na ilha conseguiu livrar-se do vício das drogas e se envolveu platonicamente com uma garota grávida que foge de seu passado, foi seqüestrada e está desaparecida; há um cara fortão, de meia idade, esquisito, que viajava em cadeira-de-rodas, mas recuperou, inexplicavelmente (até agora), a saúde e saiu andando sem precisar de fisioterapia; há uma garota loira, muito bonita, complexada porque se sente inútil; um negro, pedreiro, separado da mulher e complexado, que viaja com o filho mal educado de 12 que de vez em quando o desqualifica, comparando-o com os demais.

Não há um único personagem normal. Todos têm um passado recente de problemas sérios e se reuniram numa coincidência filmográfica para uma mesma viagem para a Austrália e agora são obrigados a conviver.

Isto é que me atemoriza. Não a convivência na ilha. Mas já pensou você embarcar num avião com tantos tresloucados reunidos, como se tivessem combinado para, naquele exato dia, viajarem no mesmo vôo? Todos bandidos, nenhum mocinho? Não há um desembargador aposentado, um executivo, um cantor sertanejo, um empresário honesto, uma só alma bondosa ou sem remorsos entre os personagens. Você não acha que viajar com uma turma de esquizofrênicos como esta não é atemorizador? Aí a verdadeira razão da minha paranóia.

Uma coisa já conclui. O título da série, Lost (Perdidos), não é justificado pelo fato de estarem todos à própria sorte numa ilha deserta (ou aparentemente deserta). Afinal, por suas personalidades psicopatas, ou fronteiriças, eles já estavam perdidos antes mesmo de embarcar.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 18/02/2006.

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