06/09/2008

SAINT-EXUPÉRY E OS HOMENS

.
Antoine de Saint-Exupéry




Mais coisas sobre nós mesmos nos ensina a terra que todos os livros. Porque nos oferece resistência. Ao se medir com um obstáculo o homem aprende a se co­nhecer; para superá-lo, entretanto, ele precisa de fer­ramenta. Uma plaina, uma charrua. O camponês, em sua labuta, vai arrancando lentamente alguns segredos à natureza; e a verdade que ele obtém é universal. As­sim o avião, ferramenta das linhas aéreas, envolve o homem em todos os velhos problemas.

Trago sempre nos olhos a imagem de minha pri­meira noite de vôo, na Argentina — uma noite escura onde apenas cintilavam, como estrelas, pequenas luzes perdidas na planície.

Cada uma dessas luzes marcava, no oceano da escuridão, o milagre de uma consciência. Sob aquele teto alguém lia, ou meditava, ou fazia confidências. Naquela outra casa alguém sondava o espaço ou se consumia em cálculos sobre a nebulosa de Andrômeda. Mais além seria, talvez, a hora do amor. De longe em longe bri­lhavam esses fogos no campo, como que pedindo sus­tento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, tantas janelas fechadas, tantas estrelas extintas, tantos homens adormecidos. . .

É preciso a gente tentar se reunir. É preciso a gente fazer um esforço para se comunicar com algu­mas dessas luzes que brilham, de longe em longe, ao longo da planura.




Antoine de Saint-Exupéry
(Do livro Terra dos Homens)
.

Nenhum comentário: