31/10/2007

SONHOS, de Akira Kurosawa

Há filmes mais ou menos marcantes e isto depende muito da personalidade e do sentimento de cada um.

Quando vi SONHOS, de Akira Kurosawa, meus conceitos sobre a sétima arte se alteraram profundamente e percebi, com muita clareza, que Hollywood é principalmente uma fábrica de filmes e não de cinema.

Dividido em oito episódios, nem todos guardam a mesma qualidade e um ou dois, mesmo, chegam às raias da pieguice (como Monte Fuji em Vermelho, sobre explosões nucleares tendo como fundo o Monte Fuji). Mas não deixa de ser um alerta sobre uma possibilidade chocante e, esta sim, nada piegas.

O Pomar de Pêssegos é uma instigante incursão nos mistérios da mente infantil: um menino febril segue uma menina que não existe, mas que viu na companhia de suas irmãs, e chega aos fundos da residência onde outrora existia uma plantação de pêssegos, derrubada pela família, e é julgado pelos espíritos das árvores...

É um verdadeiro achado, no capítulo Corvos, sobre Van Gogh, a justificativa do pintor sobre a extirpação da própria orelha, e que demonstra, na visão do diretor, que todo o sacrifício é válido por amor à arte.

A poesia de O Povoado dos Moinhos é comovedora e a fotografia e a própria música sobressaem — principalmente uma, singela e percussiva, que abrilhanta um funeral sereno e festivo, incompreensível para os ocidentais —, talvez superiores mesmo aos diálogos, nem por isto menos importantes. Cinema é uma arte visual e as tomadas dessa seqüência são magníficas.

Mas o episódio mais inquietante e profundo é, a meu ver, O Túnel, sobre o soldado que, a caminho do lar de seus pais, precisa ser convencido de que, com seus companheiros, foi morto numa batalha em que o único sobrevivente foi seu comandante.

Poderá haver algo mais aterrador do que alguém precisar ser convencido de que está morto?




Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 19/06/2004.

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