09/09/2007

Tatuagem de Presente

Como a SKY cortou, arbitrariamente, meu sinal de tevê a cabo e privou-me do Film&Arts e alguns outros assistíveis (ajuizei ação cominatória, quarta-feira, com pedido liminar, mas até ontem não sabia do despacho inicial), deixo a televisão ligada em qualquer canal apenas para ter algum barulho que impeça o silêncio de atrapalhar minha concentração.

Hoje, chamou-me a atenção, num programa de futilidades — não sei qual porque poucos há que escapam dessa qualificação — em que uma celebridade completamente desconhecida confessou que deu para a namorada um presente desses únicos que se pode dizer que perdurará até que a morte os separe: ele tatuou no próprio braço o nome dela. Para rimar, o nome termina com ela (é Manuela, Gabriela, algo assim). O nome é dela. O braço é dele. O presente é para ela. E a rima?

O namoro dura sete meses e ele a achou merecedora do mimo. O amor eterno das celebridades geralmente acaba em menos de dois anos, acho que por isto a pressa. Ela ainda não fez o mesmo, mas, segundo ele, está se preparando para fazê-lo.

Senti um grande remorso. Namoro com a Ieda desde 1969, casamos em 1971, e até hoje não tatuei o nome dela em nenhuma parte do meu corpo. E não é por falta de espaço.

Ela também não tatuou o meu e sou-lhe grato por esse presente que ela não me deu. Ela acha o mesmo. Agradeceu-me porque prefere meu couro íntegro, apesar da cicatriz de uma cirurgia de apendicite a que fui submetido em 1977 — no dia do meu aniversário — que não dedico a ninguém.

Uma tatuagem é uma marca indelével, difícil de retirar. O Ronalducho tatuou as iniciais de uma de suas namoradas e depois teve que mudá-la porque, parece, ela engordou muito e ficou ilegível. Acho que foi isto.

Aqui no Rio Grande do Sul, como ocorria no Velho Oeste americano, os pecuaristas tatuavam o gado com sua marca própria para não confundi-lo com o dos vizinhos e para identificá-lo mais facilmente em caso de abigeato. Essa palavra, abigeato, não se usa mais. Mas o que ela expressa — furto de gado — existe. Podem conferir no Aurélio e no Código Penal.

Nada tenho contra quem se tatua. Tenho um sobrinho que tatuou um dragão no braço. Acho que não foi presente para a namorada, porque faz tempo que vivem juntos e têm um filho de cinco anos. Se fosse, certamente ela, que é bonita, teria tatuado a foto dele, em represália.

Cada um faz o que quer com seu couro. Mas pretextar que uma tatuagem seja um presente a outrem e uma prova de amor é como comprar uma lingerie da última moda e usá-la dizendo que é um presente à amada. Com a vantagem de que a lingerie sai facilmente.

E, se por exemplo, a moça aí de cima resolver terminar o namoro? Poderá sofrer uma ação de reparação de danos e pagar uma nota ao ex porque foi culpada pela inscrição, em sentido lato? A interpretação sobre o alcance do dano moral é mais extensa do que sonham nossas cabecinhas de não juízes e de magistrados aposentados.

Depois de pensar só um pouquinho deixei de sentir remorso e estou satisfeito por nunca ter gravado o nome da Ieda em meu corpo. Quando começamos a namorar essa moda não existia. Mas se existisse, e eu o tivesse gravado no meu braço, ele estaria completamente ilegível. E mais gordo!

A transição juventude-velhice, ou meia idade, calcada pela lei da gravidade, faz coisas que os jovens de hoje não prevêem. Uma estrela numa barriguinha de tanquinho, próxima a um umbiguinho sensual, pode se transformar num buraco negro em ruínas, porque o tempo é cruel.

O nome da Ieda tatuou-se em um lugar do meu organismo e lá se encontra bem fixado. Mas podem me virar do avesso que não vão encontrá-lo. Nem percebi direito, porque, além de indolor, foi um processo gradativo e suave. Há outros nomes também, mas o dela sobressai.

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns à Dona Ieda, soube escolher o marido.

anja disse...

Que lindo!
Isso mesmo! Nada de tatuagens.
O bem querer fica gravado dentro do coração né.
:))