06/09/2008

TERROR UNIVERSITÁRIO

Deu no jornal Zero Hora de hoje (04/08/2005), página 3:

Ato de mau gosto. Cruzou a fronteira do grotesco – e da falta de educação – o que um trio de estudantes universitários fez durante a visita do reitor da Universidade Estadual Paulista à unidade da instituição em Franca, São Paulo. Durante o discurso, uma aluna colocou garrafas de urina na mesa do reitor, outro levou um balde e vomitou dentro. O terceiro... bem, colocou um jornal no chão, fez o que os leitores estão imaginando, embrulhou e colocou na mesa. O trio alegou que o ato era um “terrorismo poético”. Já a universidade registrou queixa e estuda qual a punição adequada.

Não contesto que tenha sido um ato de terrorismo. Cada um abraça a modalidade de terror que mais lhe agrada e convém. Tudo depende da crença e da coragem de cada um. Alguns, extremistas, atam explosivos ao corpo e se explodem matando inocentes em nome de uma causa que acreditam justa. Outros urinam, vomitam e defecam em público e muito provavelmente isso represente o limite de sua criatividade, de sua capacidade e de sua coragem.

Também não discuto o conteúdo artístico da manifestação. Depois de notícias de que uma
faxineira de museu jogou obra fora pensando ser lixo (era, na verdade, um saco de lixo implantado no museu Tate Britain, em Londres, pelo artista Gustav Metzger visando demonstrar a "existência finita" da arte); de que em 2001, uma faxineira na galeria londrina Eyestorm limpou a instalação do artista Damien Hirst achando que era uma pilha de lixo (garrafas de cerveja, copos de café e cinzeiros sujos representando o caos do estúdio de um artista); de que na década de 80, obra de Joseph Beuys, uma banheira suja, foi limpa por um funcionário de uma galeria na Alemanha; de que uma menina de oito anos foi louvada como escritora; de que o chimpanzé Congo teve três das telas abstratas que pintou arrematadas em Londres por US$ 26 mil, nada que provém do mundo da arte me surpreende.

Até porque, gosto não se discute, como dizia a velhinha solitária, de 90 anos, que vivia no meio do mato e se alimentava exatamente daquilo que o terceiro universitário embrulhou no jornal.

Também entendo perfeitamente, e com muito mais vigor, o conteúdo político do ato.

Universitários são seres sempre muito politizados (ou pelo menos acreditam que o são).

Então eles apenas exercitaram aquilo que farão mais tarde na vida, pois é possível visualizar em seu comportamento, com bastante nitidez, um teor em grande parte político-partidário.

Certamente eles serão candidatos a algum cargo, poderão incluir esse ato em seus currículos, e estarão preparados para dominar a cena política do futuro.

Igualzinho ao que muitos políticos estão fazendo hoje.




Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 04/08/2005.
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SAINT-EXUPÉRY E OS HOMENS

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Antoine de Saint-Exupéry




Mais coisas sobre nós mesmos nos ensina a terra que todos os livros. Porque nos oferece resistência. Ao se medir com um obstáculo o homem aprende a se co­nhecer; para superá-lo, entretanto, ele precisa de fer­ramenta. Uma plaina, uma charrua. O camponês, em sua labuta, vai arrancando lentamente alguns segredos à natureza; e a verdade que ele obtém é universal. As­sim o avião, ferramenta das linhas aéreas, envolve o homem em todos os velhos problemas.

Trago sempre nos olhos a imagem de minha pri­meira noite de vôo, na Argentina — uma noite escura onde apenas cintilavam, como estrelas, pequenas luzes perdidas na planície.

Cada uma dessas luzes marcava, no oceano da escuridão, o milagre de uma consciência. Sob aquele teto alguém lia, ou meditava, ou fazia confidências. Naquela outra casa alguém sondava o espaço ou se consumia em cálculos sobre a nebulosa de Andrômeda. Mais além seria, talvez, a hora do amor. De longe em longe bri­lhavam esses fogos no campo, como que pedindo sus­tento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, tantas janelas fechadas, tantas estrelas extintas, tantos homens adormecidos. . .

É preciso a gente tentar se reunir. É preciso a gente fazer um esforço para se comunicar com algu­mas dessas luzes que brilham, de longe em longe, ao longo da planura.




Antoine de Saint-Exupéry
(Do livro Terra dos Homens)
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02/09/2008

SONETO DE VÉSPERA

Vinicius de Moraes











Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrimas terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer por que chorei?

Como ocultar a sombra em mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou — fria de vida

Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apelo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida...

Oxford, 1939


Vinicius de Moraes
Poemas, Sonetos e Baladas
Companhia das Letras, 2008,
página 81.
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