Há algum
tempo vi um filme em preto e branco em que os personagens acabam no México, em
pleno carnaval. Bem, carnaval era o que eu pensava. Havia música, desfile,
fantasias (que achei um tanto macabras), mas o desenrolar me esclareceu que se
comemorava el dia de los muertos.
Os
mexicanos, principalmente os nativos, entre o fim de outubro e início de
novembro recebem seus parentes e amigos falecidos que voltam à terra para
confraternizar. Não sei como se dá, exatamente, esse encontro mas, em todos os
casos, revela uma faceta peculiar de se encarar a Velha-da-Foice que está numa
das esquinas, aí pela frente, esperando cada um de nós para o seu rebanho.
O escritor
mexicano, Nobel de Literatura, Octavio Paz disse: A morte não nos assusta porque a vida já nos curou dos medos. E: A confusão incongruente de atos, arrependimentos e esperanças, que é a
vida de cada um de nós, encontra na morte não sentido ou explicação, mas um fim.
Essa
tradição pré-hispânica não tem origens claras e perdeu genuinidade com a
intervenção da Igreja Católica, sempre pronta a impor sua crença a ferro e fogo
e muita morte, não tão bem humorada. Houve necessárias adaptações.
Simone
Andréa Carvalho da Silva, coletando dados para sua tese de doutorado, escreveu
interessante artigo numa revista Planeta:
A familiaridade com que o mexicano trata a morte não o isenta de
temê-la, mas o ajuda a conviver e sobreviver a esse medo. Desde cedo as
crianças devoram avidamente as caveirinhas feitas de açúcar, bala de goma,
chocolate ou amaranto, pães dos mortos e todo tipo de guloseimas servido a um
fausto banquete de vivos e mortos. Assim, acostumam-se ao contato com uma morte
brincalhona e companheira, personificada em bonecos-caveiras de papel machê.
A vinda dos
mortos é disciplinada. No dia 30/10 voltam os suicidas, no dia 31, os
acidentados, em 1.º de novembro as crianças e dia 2 os adultos. Coloca-se uma
jarra de água e uma tolha na entrada da casa para o morto se refrescar de sua
longa viagem ao mundo dos vivos. Nos banquetes, os falecidos têm preferência e
se servem primeiro.
Há dança,
música, representações teatrais, concursos de altares, comilança e beberagem. E
um costume que acho que seria aplicável com muita propriedade no Brasil: as calaveras políticas, tradição que consiste
em escrever epitáfios humorísticos de políticos e pessoas públicas.
Não me
contive e escrevi alguns. Lula: Foi
presidente do Brasil e nunca soube. Zé Dirceu: Morreu antes de ter morrido. Olívio Dutra: Aqui se espraiam os restos da minha cidadania. Teria outros, mas o
espaço é curto.
No final do
fandango os mortos voltam a seus lugares. Os vivos os acompanham para evitar
que fiquem vagando para sempre neste mundo cruel ao qual, certamente, não mais
se adaptariam. Pois, como dizem lá: ao
vivo, tudo lhe falta; ao morto, tudo lhe sobra.
Publicado no blog antigo em 02/11/2005
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