21/08/2008

A INEXORABILIDADE DO TEMPO

Ilton Carlos Dellandréa




Há muitas situações em que você sente que alguma coisa ocorreu (ou correu?) no seu tempo, digamos, de vida. Ou seja, que você está ficando velho. Alguns exemplos – certamente há mais – muito particulares:

Quando percebe que apresentadores, artistas, repórteres, cantores, enfim, a maioria daqueles que freqüentam a telinha, são mais novos que você. Lembra que há uns 30 anos todos eram mais velhos? O mesmo ocorre em outros setores da atividade humana. Se seu chefe, por exemplo, for mais jovem é sinal que você já caminhou um bocado...

Quando você completa quarenta anos e constata que, daí por diante, cada ano vivido será em década com final enta: cinqüenta, sessenta, setenta e, com boa sorte, oitenta e noventa. Cem é miragem. Inte e inta, nunca mais!

Quando tem que convencer os mais jovens de que, quando criança, você ganhava revólveres de brinquedo com espoleta para brincar de caubói e isto era considerado normal. Mais: convencê-los de que nenhum de seus amiguinhos da época virou bandido ou assaltante. E que você, apesar disso, é juiz esperando promoção para desembargador.

Quando você percebe que já tinha nascido quando o Brasil conquistou a primeira Copa do Mundo, ficou ansioso para que quatro anos passassem rápidos para curtir a seguinte e desde então foram jogadas 17 e agora você não tem nenhuma pressa de que chegue a próxima.

Quando você tem que esclarecer aos mais jovens que o cantor sertanejo Sérgio Reis fez parte da Jovem Guarda, com Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Rosemary e outros de quem nunca ouviram falar nem você lembra mais, como Martinha e Os Vips.

Quando você se esmera preparando aquela viagem de férias e percebe que seus filhos não são mais crianças porque preferem ficar em casa e curtir a companhia dos amigos. Mas depois telefonam, às vezes de hora em hora, para saber como se cozinha um ovo ou como se acende o aquecedor a gás do banheiro que, aliás, é automático e não precisa ser ligado. O do ovo telefona depois reclamando que o mesmo está na água fervente há mais de meia hora e a casca ainda não amoleceu...

Quando você precisa convencer seus filhos de que na sua juventude havia domingueiras ou matinês dançantes, explicar que eram aos domingos à tarde, e eles acham um absurdo porque se dançava de dia. Pior: não consegue convencê-los porque está naquela idade em que os filhos não acreditam mais nos pais.

Quando você vê um Monza 2.0 parecido com o que teve há muito tempo e o acha feio, com linhas desgraciosas e retas, as lanterninhas traseiras quadradas e toscas, e lembra que quando adquiriu o seu ele era um carro lindíssimo e elegante, seu mais caro objeto de desejo.

Quando você participa de um encontro com antigos colegas de trabalho, como os do ex-CPD da Telesc, e observa que a maioria está grisalha e separada de seus cônjuges da época. Um deles, só porque você não embranqueceu, insiste em voz alta que você pinta os cabelos. Sem contar os que o chamam de tarado por viver ainda com a primeira mulher.

Quando você chega numa cidade pequena, como Taió, onde viveu trinta anos, percorre as ruas de carro e brinca de qual será o primeiro conhecido que vamos ver?, atravessa a cidade e não reconhece ninguém. Alguns rostos enrugados, velhos, com cabelos brancos, lhe parecem familiares mas você não lembra de quem são. Dá vontade de chorar!

Quando você repara, num aglomerado de pessoas, uma amiga que não via há mais ou menos vinte anos, vai cumprimentá-la, possivelmente abraçá-la, e descobre, surpreso e vexado, que, na verdade, se trata de uma filha dela.

Quando a casa em que mora, que você se queixava que sempre foi pequena demais, se torna imensa porque os filhos casaram, foram morar longe, deixando-a vazia, apenas com um casal de pais – sou bondoso comigo mesmo e não vou dizer de velhos – morando nela. Talvez esta seja a mais dolorosa de todas...
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2 comentários:

Thay disse...

Muito bom texto!
Tenha um bom dia

Gina disse...

E comigo foi assim que aconteceu com o passar do tempo: Eu nunca fui bonita e era invisível na maioria das vezes em público. Mas com a idade consegui ficar também INAUDÍVEL!! Exemplo: preciso de uma informação (eu,senhora de meia idade, gordinha, roupas conservadoras)chamo por um atendente em supermercado, escritório, guichê de rodoviária, no diabo que o parta e... nada. Ninguém ouve. Posso chamar:
-Moço!...nada.
-Meu filho! ... nada!!
- Senhor! e . . . nada.
Daí só engrenado uma voz bem grave (cultivada e guardada para emergências) daquelas que você só usa ao telefone com telemarketing abusivo ou para parecer advogada ameaçando empresa golpista, franzir a testa e fazer cara de dona do mundo muito ocupada, senão ... mofa-se. É, é um sinal do tempo que passou na minha vida. Virei uma senhorinha que mais incomoda do que compra.