02/10/2008

E V O C A Ç Ã O

Jaime Caetano Braun
(foto: cedê Jaime Caetano Braun,
Acit Com. e Fonográfica Ltda.)

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Ouço a cambona que chia,
Golpeio mais um amargo
E volto pro sonho largo
Do campo e da fantasia.
E o meu verso se extravia,
Depois eu fico pensando
Que a guitarra bordoneando
Aqui junto do fogão
É o bater do coração
Do Tempo que vai rodando.

La maula! Que fica lindo
O murmúrio do arvoredo
E aquele meio segredo
Da estrela d’alva saindo,
Igual a uma flor se abrindo
Pro dia que vai nascer.
O índio pega a percorrer
De novo a estrada perdida
E as cousas boas da vida
Que quis e não pôde ser.

Eu não sou muito de igreja,
Vou nelas de longe em longe,
Muito embora seja um monge
Dessa liturgia andeja.
Deixo que Deus me proteja,
Ele é gaúcho, por certo,
Sempre o sinto muito perto
No bater das pulsações.
Quanto às minhas orações
As faço no campo aberto.

Prefiro a paz dos escampos,
Respingados de sereno,
Onde sou grande e pequeno
Na majestade dos campos,
Contemplando pirilampos
Que da grama se desprendem.
Quando as estrelas se acendem
Eu converso com as estrelas
Porque aprendi a compreendê-las
E elas também me compreendem.

Quanta emoção me domina
Ouvindo os sons matinais,
Ruídos que não ouço mais
Da minha terra divina.
Ora o berro da brasina
Velha, chamando o terneiro,
O rincho de um parelheiro,
Um quero-quero gritando,
Ora a sanga murmurando
Lá no fundo do potreiro.

Eu sigo olhando o brasedo,
Golpeando um amargo bueno,
E olhando longe o sereno
Se levantar do varzedo,
E a bulha do chinaredo
Com vaca mansa e tambeira,
O barulho da mangueira,
Grito, risada, rezinga,
E o tempo que choraminga
No santa-fé da cumeeira.

Diz bem o argentino Luna,
Guitarreiro e pajador
Que o patrão, Nosso Senhor,
Não nos deu maior fortuna
Do que esta hora turuna
Num galpão enfumaçado.
Ouvindo o berro do gado
Ronco de mate, relincho,
E o guitarrear de um pelincho
De bico recém pintado.

Dentro desse quadro imenso,
De tanto olhar o varzedo,
Tenho medo de ter medo
De pensar, e quando penso,
Imagino que o incenso
Que pelas várzeas flutua
Não é na neblina charrua
De um ritual inacabado:
É o hálito perfumado
De algum bocejo da lua.


Extraído do cedê
Troncos Missioneiros
USA Discos Produções Fonográficas Ltda.
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