29/10/2008

Poema 20 - NERUDA

Pablo Neruda









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Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En las noches como esta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Como no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocio.

Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como esta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque este sea el último dolor que ella me causa,
y estos sean los últimos versos que yo le escribo.



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TRADUÇÃO:

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Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".

O vento desta noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis e por vezes ela também me quis.

Em noites como esta a tive entre meus braços.
Beijei-a tantas vezes debaixo do céu infinito.

Ela me quis e às vezes eu também a queria.
Como não haver amado seus grandes olhos fixos?

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a hei perdido.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Que importa que o meu amor não pôde guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se conforma por havê-la perdido.

Como para acercá-la meu olhar a procura.
Meu coração a busca, e ela não está comigo.

A mesma noite faz branquear as mesmas árvores.
Nós outros, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a quero, é certo, porém quanto a quis!
Minha voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido

De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não a quero, é certo, porém talvez a queira.
É tão breve o amor, e é tão longo o olvido.

Porque em noites como esta a tive nos meus braços
minha alma não se conforma com havê-la perdido.

Ainda que esta seja a última dor que ela me causa
e estes sejam os últimos versos que eu lhe escrevo.





Pablo Neruda
Vinte Poemas de Amor
e uma Canção Desesperada
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José Olympio Editora
26ª edição – páginas 64/67.
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25/10/2008

PROGRAMA DE ÍNDIO

Há algum tempo postei uma matéria visando cooptar investidores para uma fábrica de arcos e flechas em Iraí, já que vão acabar proibindo armas de fogo para todos os brasileiros, exceto para os facínoras (Vou Enriquecer com o Desarmamento). Assim, para nos defender, vamos ter que, num processo concomitantemente liberal e regressivo, voltar à era das armas primitivas.

Alguém deve ter lido o meu post e, muito espertamente, lançou a semente da minha fábrica explorando um segmento social muito mais rentável: o infantil, cujo poder de chantagem amplamente divulgado e sugerido pela mídia como forma de convencer os pais é seguramente um dos mais lucrativos do mercado.

Quem não lembra da propaganda em que o pai, além de agüentar o filho na garupa num shopping, suportava uma bronca estrepitosa porque o garoto queria um brinquedo? O pai era dupla e amestradamente montado. Essas propagandas são muito educativas.

Pois a IstoÉ Dinheiro de 28/09/2005, página 18, na coluna de Rosenildo G. Ferreira, sugestivamente chamada de “Empresas do Bem”, informa que a fábrica Rosita está lançando uma série de brinquedos inspirados na cultura indígena: “Zarabatana, machadinha e arco e flecha são alguns itens da linha Wakay”.

Nada mais adequado. Afinal, já que no futuro não vamos ter armas de fogo para defesa é bom que as crianças se familiarizem desde cedo com essas que serão o supra-sumo da modernidade. Depois, evidentemente, que eu abrir a minha fábrica para municiar os adultos. Preciso me aligeirar.

Defendo a tese – e já disse isto aqui – que se brincar com armas de brinquedo, na infância, tornasse um adulto bandido eu seria um dos mais perigosos, pelo muito que brinquei de caubói. O Guédi e eu, sozinhos, nos domingos à tarde, matávamos mais índios do que poderiam existir na face da terra no tempo das diligências. O Guédi formou-se em Teologia e é hoje um piedoso pastor da Igreja Evangélica de Confissão Lutherana... O que acabou convivendo mais com a bandidagem fui eu, mas em razão de minhas funções de Juiz. E da nossa turma toda apenas um, depois de adulto, esfaqueou um terceiro numa cancha de bocha, em Taió. Pelas costas, mas insisto: em legítima defesa.

Brincar de arco e flecha, zarabatana e machadinha – talvez até de tacape, lança e borduna – não incita à violência, mas à vida pacífica e tranqüila dos nossos índios que usavam essas armas para brincar de guerra.

Como eu disse em outro post (
Sonhos de um Megalômano...), complementar ao primeiro, talvez algum dia conquistaremos o mundo por dominar a arte de fabricar arcos e flechas de extrema precisão.

Ou, talvez, acabemos vivendo em ocas sob o comando do cacique Lula-Nove-Dedos. O pajé Zé-Cada-Vez-Mais-Convencido-de-Inocência será o chefe do Conselho dos Anciãos.




Publicado originalmente no blogue JUS SPERNIANDI,
em 29/09/2005.
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15/10/2008

SONETO

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Miguel de Cervantes Saavedra
(Estampa copiada do livro abaixo)



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Dai-me um roteiro que eu, senhora, siga,
A vosso bel-prazer feito e cortado,
Que por mim há de ser tão respeitado,
Que nem num ponto só dele desdiga.

Se vos apraz que eu morra, e que a fadiga
Que me punge, a não conte, eis-me finado!
Se preferis que em modo desusado
Vo-la narre, eu farei que Amor a diga.

De substâncias contrárias eu sou feito,
De mole cera e diamante duro;
Às leis do amor curvar esta alma posso.

Brando ou rijo, aqui tendes o meu peito,
Engastai, imprimi a sabor vosso!
Tudo guardar eternamente eu juro.



Miguel de Cervantes Saavedra,
in Dom Quixote de La Mancha,
Editora Civilização Brasileira, página 512.


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08/10/2008

SIGNO

Kátia Bento
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outubro ou nada —
a vida vale o dobro
das grades que não quebro

outubro ou tudo —
a vida vale o dobro
das portas que não abro

a vida com seu milagre e
assombro

vale o dobro do fardo
sobre o ombro

o dobro do tempo
sob o escombro.




Encontros com a Civilização Brasileira,
Volume 8 – Fevereiro de 1979,
Página 179
Editora Civilização Brasileira
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02/10/2008

E V O C A Ç Ã O

Jaime Caetano Braun
(foto: cedê Jaime Caetano Braun,
Acit Com. e Fonográfica Ltda.)

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Ouço a cambona que chia,
Golpeio mais um amargo
E volto pro sonho largo
Do campo e da fantasia.
E o meu verso se extravia,
Depois eu fico pensando
Que a guitarra bordoneando
Aqui junto do fogão
É o bater do coração
Do Tempo que vai rodando.

La maula! Que fica lindo
O murmúrio do arvoredo
E aquele meio segredo
Da estrela d’alva saindo,
Igual a uma flor se abrindo
Pro dia que vai nascer.
O índio pega a percorrer
De novo a estrada perdida
E as cousas boas da vida
Que quis e não pôde ser.

Eu não sou muito de igreja,
Vou nelas de longe em longe,
Muito embora seja um monge
Dessa liturgia andeja.
Deixo que Deus me proteja,
Ele é gaúcho, por certo,
Sempre o sinto muito perto
No bater das pulsações.
Quanto às minhas orações
As faço no campo aberto.

Prefiro a paz dos escampos,
Respingados de sereno,
Onde sou grande e pequeno
Na majestade dos campos,
Contemplando pirilampos
Que da grama se desprendem.
Quando as estrelas se acendem
Eu converso com as estrelas
Porque aprendi a compreendê-las
E elas também me compreendem.

Quanta emoção me domina
Ouvindo os sons matinais,
Ruídos que não ouço mais
Da minha terra divina.
Ora o berro da brasina
Velha, chamando o terneiro,
O rincho de um parelheiro,
Um quero-quero gritando,
Ora a sanga murmurando
Lá no fundo do potreiro.

Eu sigo olhando o brasedo,
Golpeando um amargo bueno,
E olhando longe o sereno
Se levantar do varzedo,
E a bulha do chinaredo
Com vaca mansa e tambeira,
O barulho da mangueira,
Grito, risada, rezinga,
E o tempo que choraminga
No santa-fé da cumeeira.

Diz bem o argentino Luna,
Guitarreiro e pajador
Que o patrão, Nosso Senhor,
Não nos deu maior fortuna
Do que esta hora turuna
Num galpão enfumaçado.
Ouvindo o berro do gado
Ronco de mate, relincho,
E o guitarrear de um pelincho
De bico recém pintado.

Dentro desse quadro imenso,
De tanto olhar o varzedo,
Tenho medo de ter medo
De pensar, e quando penso,
Imagino que o incenso
Que pelas várzeas flutua
Não é na neblina charrua
De um ritual inacabado:
É o hálito perfumado
De algum bocejo da lua.


Extraído do cedê
Troncos Missioneiros
USA Discos Produções Fonográficas Ltda.
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