01/02/2009

MEDICINA OU BRUXARIA?

Eu quero ter saúde, claro, quem não quer. Esforço-me para isto na medida do possível. Mas a Medicina não me ajuda. Ela tem uma espetacular má vontade contra mim e é uma desinibida praticante de bruxaria.

Uma vez meu colesterol estava elevado, ao redor de 300 mg/dL. O médico disse que deveria baixá-lo para 250, o máximo admissível. Fiz uma dieta séria, cheguei ao extremo de ingerir verduras e legumes, deixei de comer pão com banha e açúcar, e consegui baixá-lo para 248 mg/dL.

Orgulhoso, levei o resultado. Decepção: a CUUMI (Confederação Ultra-Universal de Medicina Iatrogênica), num congresso intergalático, decidiu baixar o limite tolerável máximo para 200 mg/dL...

Continuei a luta. Baixei-o ainda mais. Mas só agora consegui colocá-lo em 195 mg/dL.

Então inventaram uma tal de relação entre o Colesterol total e o HDL-Colesterol (o colesterol ruim e o colesterol bom). Meu cardiologista de Taquara dizia que essa relação deveria aproximar-se o mais possível de 5,00. Consegui-o, por algum tempo, mas um novo passe de bruxaria alterou os valores de referência: risco baixo, menor de 3,78; risco moderado, entre 3,78 e 5,01; acima disto, risco elevado. A relação dos meus está em 5,42.

Quer dizer: os dois aí não se entendem e quem paga o pato sou eu. Que culpa tenho se eles, embora parentes, são inimigos? Se um é “do bem” e outro “do mal” têm mais é que brigar mesmo. Mas me deixem fora desta. Não sou mais juiz e, de luta de box ou de briga de galos, nunca fui mesmo. Nem me posiciono do lado do bom. E se o mau vencer?

E a pressão arterial? Uma vez eu ia ao médico e ela estava sempre em 13,0 x 9,0 milímetros de mercúrio (é assim que se diz), no máximo 14,0 por 9,0. Ele e eu ficávamos satisfeitos. Está boa. Quando acontecia de estar em 12,0 por 8,0 vinha o elogio: “Isto é pressão de criança!”.

Minha pressão nunca incomodou, salvo raríssimas exceções. Mas acabou essa alegria também. Agora 14,0 por 9,00 ou 13,0 por 9,00 são consideradas altas. Resolveram que 12,0 por 8,0 já representa uma situação de risco... As crianças que se cuidem. Eu me transformei num hipertenso da noite para o dia sem ter sofrido qualquer alteração de pressão!

Mais uma. Nunca tive diabetes. Minha glicose estava sempre no limite, mas nunca superior aos 110 mg/dL. Da última vez, há um ano, estava em 104.

Agora consegui baixá-la mais ainda, para 98 mg/dL, e fiquei contente com isto. Surpresa: o valor de referência máximo baixou de 110 para 99 mg/dL.

Quer dizer: a gente se esforça, quase morre para poder melhorar o organismo e viver, mas a Medicina não colabora. Parece o King Kong, que de vez em quando aparece cada vez mais feio, pior, e com intenções mais maléficas. Não dá para fugir da idéia de que a Medicina está me deixando doente! Vai acabar me matando.

Mas desta vez a enganei, ao menos em parte. Minha glicose ainda está no limite, é claro, mas abaixo dos 99 recém-estabelecidos.

Há um ano, pelos padrões de hoje, eu era diabético. Agora não sou mais! E nem fiz tratamento. Enganei a bruxa!



Publicada originalmente no Jus Sperniandi,
em 20/12/2005.
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