11/09/2009

LIVRAI-NOS DE TODO O MAL!


(O papa da época era Bento XVI)


Santo Padre:

Esses dias Vossa Santidade falou em abolir o Limbo mas parece que desistiu. Espero que não definitivamente. Assim, crianças não batizadas e infiéis honestos que morreram sem batismo migrariam para o Céu. Acho até que há o dedo de São Pedro nessa desistência.

Sei que no céu não há computadores (se houvesse o trabalho de sua manutenção seria dantesco – o adjetivo é proposital – diante da invasão de hackers que estão no Inferno e de vírus diabólicos criados pelo Demônio que, como a Santa Igreja propaga, é mais espertinho do que gostaria que fosse).

Creio que o livro em que São Pedro anota nossas falhas para, quando chegarmos lá, apontar-nos o destino, é também virtual e de uma virtualidade celestial. Ele deve ter um cérebro tão divinamente privilegiado que não necessita de anotações para consultar na hora: sabe quem merece o que e é isto que me inquieta.

Mas acho que ele ficou "p" da vida com Vossa Santidade e reclamou diretamente com Deus, pois ele teria um trabalho super-dantesco para consultar seus alfarrábios mentais e registrar os egressos do Limbo e destinar cada um ao seu lugar no Céu.

Talvez Vossa Santidade devesse trabalhar em conjunto com ele para que fossem fornecidos dados exatos ou, vá lá, aproximados, dessa migração com detalhamento de raça, religião, idade, etc. Acho que isso é mais fácil do que encontrar a origem do dinheiro do dossiê dos meninos aloprados do PT.

Tenho dúvidas sobre sua competência em extinguir uma instituição como o Limbo. Por interessar aos do lado de lá, aos mortos, a competência, salvo melhor juízo, seria exclusiva do Santo Pai. Mas me é vedado, por sua infalibilidade, discutir a respeito. O pior é que gosto de atacar dogmas de vez em quando, como, por exemplo, o da inexpugnabilidade da urna eletrônica que contém um limbo pelo qual transitam votos antes de ser divulgados e em cujo interior podem ser dar trocas e desvios. Mas esta é outra história.

Espero que leve a ideia adiante. Sempre tive pena das crianças pobrezinhas do interior de Taió que morreram sem batismo. Vossa Santidade as redimiria de culpas que elas não têm, coitadinhas. Não posso entender recém-nascidos condenados pelo pecado do primeiro casal, há milhões de anos, que comeu o fruto proibido cooptado pela Serpente (como se percebe, é antigo o hábito de trair conceitos superiores e transferir responsabilidades).


Fui batizado e, como católico, estou sujeito à ira divina. Não estou seguro de minha destinação. O não-cristão iria para o Céu, e não mais para o Limbo, por ignorância da nossa doutrina mesmo fazendo o que consideramos errado e ele tem fé de que é certo; o cristão precisa batalhar um bocado para merecer o Paraíso. E, pelo que sei, a condenação ao Inferno não contempla a possibilidade de regime semi-aberto ou aberto. Os políticos e juristas brasileiros que estão por lá – não devem ser poucos – ainda não convenceram o Capeta a instituir a progressão de regime.


Entendo um pouco de Justiça e tenho certeza de que Vossa Santidade estaria sendo absolutamente justo se abolisse o Limbo. Acho até que deveria ser mais ousado e implementar a idéia. Tomo a liberdade, com a devida vênia, de lhe fazer uma sugestão que recolocaria cristãos e pagãos em pé de igualdade e, para não pecar contra Deus, confesso que também advogo em causa própria. Vossa Santidade passaria para a História como o papa que mais bem fez pela humanidade, permitindo-nos entender definitivamente que Cristo desceu à Terra para nos redimir (=libertar) de todos os pecados


Permito-me, por tudo isto, humildemente sugerir que Vossa Santidade, atento ao dogma de sua infalibilidade (“tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu”), quando da retomada do processo de extinção do Limbo, aproveite e, de uma vez por todas, desligue o Inferno também.




Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 23/10/2006.

O papa da época era Bento XVI.
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