29/03/2009

PRESTANDO CONTAS

Alguém aí de Florianópolis, por favor, me avise quando houver algum retiro espiritual no convento do Morro das Pedras, aquele à direita de quem vai para a praia de Armação da Piedade.

Gosto muito desse nome, Armação da Piedade, mas ainda não descobri se é só armação, se é só piedade ou se é uma armação da piedade pra cima da gente. É! Não deu! Não foi falta de esforço.

Mas acabo de descobrir que após me livrar dessa declaração de imposto de renda vou precisar de algo como um retiro. Viver como estou, no meio de uma parafernália eletrônica que transforma o que resta de minha vida em artificialidade e artificialismo, definitivamente não vale à pena.

Há pouco me surpreendi com o mouse não funcionando. Daí me lembrei: estou trabalhando com dois micros ao mesmo tempo, o de mesa e o notebook, ambos ligados e abertos lado a lado e é claro que o mouse de um não funciona no outro.

A televisão, um pouco mais acima, fora do meu raio de visão, também está ligada na Globo desde o noticiário do meio-dia, mas pelo menos está falando sozinha.

Um monitor pequeno alterna as imagens de três câmeras apontadas para a rua, mas isto é importante para minha segurança. Vi que a Ieda entrou na garagem há pouco e não precisei me levantar, pegar a pistola e salvá-la das mãos de larápios. Nunca pude salvar a Ieda de nada. Sou um frustrado! Sempre fui mais um Sancho Pança do que um Dom Quixote!

Percebi, também, que está chovendo. Quem lê o blog sabe que gosto de dias chuvosos e pode até cair trovoada que não me incomodo. Estou curtindo adoidado esta chuva mansa e tranqüila, que não posso ouvir, através do monitor, minha janela para o que se passa ao redor de pontos estratégicos (portas e janelas não são mais apenas aberturas, são pontos estratégicos numa casa) numa ridicularização do sentido do ser. Ora já se viu apreciar a chuva que cai ali, a três metros, através da televisão... Mas é o que estou cofazendo.

Além de tudo isto estou com fones de ouvido escutando música clássica e isto é, seguramente, o que estou fazendo de melhor.

Talvez eu devesse gravar a batida da chuva no telhado num cedê e ficar ouvindo a chuva que vejo pelo monitor. Para tornar esta vida mais realística vale até transformar o artificial em natural.

Estou às voltas com minha declaração do IRPF e faz três dias que não sei onde enfiar, digo, onde lançar valores como “Juros s/capital próprio” no total de R$ 0,72 de fevereiro de 2005. Ou “juros sobre o capital próprio declarados no ano calendário 2005 a serem pagos em exercícios subseqüentes”, estes mais substanciais, de R$ 126,58. Temo enriquecer muito.

Há uma orientação aqui: “A pessoa física deverá lançar o total do valor líquido dos rendimentos não pagos, na declaração de bens, como créditos devidos pela Pessoa Jurídica”. Parece que, contra todas as regras do Direito que sempre prezei, preciso lançar como bens créditos futuros e incertos sobre os quais já retiveram imposto de renda. Não sei.

Acho que preciso de mais um computador. Depois, de um retiro espiritual de trinta anos. Talvez menos. Obrigatoriamente só até abril do ano que vem, quando deverei prestar contas novamente ao rei das selvas.

Estou falando do Leão, ou melhor, do burro vestido de Leão, aquele da fábula, lembram? O nosso não passa disso.


Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 25/04/2006.
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22/03/2009

QUASE FUI UM ESCRITOR DE VANGUARDA

A Lêda, num comentário ao post Use Camisinha, mas não Sempre, me deu um puxão de orelhas. Por favor, não confundam com a Ieda, minha querida esposa. Desta eu levo puxões de orelhas todos os dias.

Mas a Lêda perguntou porque todo gaúcho é machão. Não gostou de dois vocábulos – acho que foi isto – que usei no texto.

Quem lê o meu blog há mais tempo sabe que normalmente não uso palavras chulas, não porque tenha alguma coisa contra quem o faz, mas porque simplesmente não gosto de fazê-lo sempre que for possível substituí-las por outras, mais sociais. Mas no caso da piada, a substituição a tornaria artificial e pedante. Também sabe que não sou gaúcho, embora resida no Rio Grande do Sul desde 1982. Sou catarinense, de Taió!

Claro que a Lêda, em me visitando pela primeira vez, não poderia saber disto. Mas esclareci na resposta ao comentário, em que não fui lá muito delicado. Através de e-mails a gente – como ela diz – selou o compromisso da paz.

Mas, coincidentemente, a Veja de 1.º/03/2006, pág. 94 traz uma reportagem de Jerônimo Teixeira que declina os requisitos para um escritor ser bem sucedido no Brasil hoje. Não sei se ser bem sucedido é vender bem – como o Paulo Coelho, que não aprecio como escritor – ou fazer sucesso com a crítica dita especializada.

Em todos os casos, ai vão os requisitos que a Veja informa, embora em tom acerbamente crítico, como escrever um livro “transgressor”, isto é, para chocar os leitores e, por isto mesmo, ter seu lugar na mídia e vender: escrever com desleixo, ser nojento (flatulências, ejaculações, excreções – todos os fluidos e gases corporais merecem descrições detalhadas), falar de sexo selvagem (tudo deve ser descrito com abundantes palavrões), criar personagens malditos e ser narcisista.

Penso nisto. Tenho três livros prontinhos, dois quase e uma centena – até a última vez que falei nisto eram 19 – na cabeça, todos eles que farão grande sucesso (não sei se de crítica ou de público), sem contar no risco de, pela primeira vez, um brasileiro ganhar o Nobel de Literatura.

Mas como estou meio passado na idade precisaria viver mais uns 50 para ser reconhecido e então seria premiado no pleno vigor dos meus 104 anos. Acho que a Academia não correria o risco de premiar um autor moderno e já ultrapassado.

Mas o risco maior, mesmo, seria freqüentar a Academia Brasileira de Letras ao lado de escritores como... José Sarney, por exemplo. Sua obra maior, Marimbondos de Fogo, é mais importante pelo título do que pelo contexto. Guarda, o título, uma profecia ligada ao PT e à sua tomada de poder. Entenderam? Dão ferroadas, deixam o rabo preso e tomam umas e outras. Acho que ele deveria lançar uma edição só com a capa e as páginas em branco, pautadas, para ser distribuída entre alunos carentes.

Mas o que me desanima muito são os apelos (ou apelações) referidas pela reportagem de Veja, além da minha preguiça fundamental (já pensei em escrever um livro de auto-ajuda para quem tem preguiça de escrever livros, mas a preguiça não deixa). E não gosto de usar palavrões. Não gosto de descrever cenas de sexo ginecológico e com isto, adeus sucesso.

Viu, Lêda. No fundo não sou o que você pensa. Mas quando escrevi o texto do qual você não gostou eu fui um vanguardista, mesmo que não soubesse.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 03/03/2006.
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06/03/2009

PARABÉNS, MULHERES!



Hoje é o dia delas, assim como foi ontem e como será amanhã. Mas hoje é diferente: hoje se comemora o dia delas.
Bem feito! Quem precisa de um dia para comemorar é porque nos outros dias é esquecido.
Não. Não é bem assim, é assim só um pouco. Como o dia das Mães. Como o Natal. Como a Páscoa. Como o dia dos pobres, isto é, dos aposentados.
O dia dos aposentados existe. Aliás, por algum engano sócio-legislativo creio que até dois. Há algum tempo, homenageei a mim mesmo pelo dia dos aposentados. Uns dois meses depois a tevê anunciou um novo dia dos aposentados. Nem falei nada porque fiquei confuso. Mas, para o ano, vou conferir. Não acredito que os aposentados tenham dois dias.
A sogra pode ter. Aliás, falando em sogra, a minha – que evidentemente é uma mulher – está aqui, veio nos visitar e passar uns dias com a filha predileta e o genro idem. Esta conclusão emergiu após muita discussão familiar em que por pouco não entramos em vias de fato, que é como os juristas chamam a briga de mão mesmo. Após eu ter puxado o revólver, todos os demais amigavelmente concordaram, pois são muito pacíficos os meus cunhados. Menos um, mas este não estava presente. Certamente estava a bordo de um óvni, pois já foi abduzido e escolhido entre os bilhões de seres humanos como um reprodutor intergaláctico. Mas esta é outra história.
Não se criou até hoje o dia dos pobres, especialmente dedicado aos miseráveis (o dos aposentados não supre a omissão), por falta de perspectiva de retorno financeiro. Qual é o rico que vai comprar presentes para dar aos pobres? Rico não paga nem salário decente às empregadas domésticas ou aos empregados de suas empresas, quando mais dar um extra no dia dos pobres.
Dia dos ricos também não existe. Como um rico iria comemorar um dia só seu? Trocar presentes, fazer demonstrações explícitas de riso à toa? Eles não precisam disto. Já têm tudo o que nós, mortais comuns, julgamos necessidades básicas e não básicas, e riem à toa, vivem de férias, e se incomodam, é claro. Mas eu trocaria a metade dos incômodos de um Antonio Ermírio, por exemplo, pelo dobro de sua fortuna. Sem pensar duas vezes.
Os ricos, principalmente os da área da indústria e comércio, precisam de datas comemorativas de todo mundo para faturar ainda mais, menos deles mesmos. E dos pobres, naturalmente.
Mas como sou muito comum e sem criatividade vou embarcar nessa onda comercialista e deixar aqui um beijo homenageando todas as mulheres do mundo, mesmo aquelas que não tem nada com isto.
Peço que cada uma, no seu íntimo, receba este cumprimento de acordo com suas crenças, seus sentimentos e o que pensa disto tudo, especialmente desta data.
Eu estou fazendo de conta que todas aniversariam hoje. E o aniversário é uma data legítima para parabenizar alguém.
Então, além do beijo, meus parabéns pelo Dia Internacional da Mulher. Que ele se repita todos os dias!
Tenham certeza de que vocês merecem muito mais do que isto.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 08/03/2006, no Dia Internacional da Mulher.