21/02/2009

CUIDADO NO USO DA CAMISINHA

O sistema de codificação-decodificação da linguagem pode criar confusão e afastar pessoas mesmo quando seu objetivo é exatamente o contrário. Como pode, também, dar margem a interpretações dúbias e induzir em erros.

Já escrevi aqui sobre o anúncio de uma cerveja que, no final, recomenda: aprecie com moderação. Tentei demonstrar que a mensagem não orienta a que se deva beber com moderação, mas a apreciar com moderação, o que é muito diferente. Você pode beber até cair mas ter apreciado apenas moderadamente a bebida.

Ontem à noite estava esperando o jogo do Corinthians contra o Sorocaba... Fazer o quê? Cada um acompanha o time pelo qual torce nas grandes e nas pequenas campanhas. Pelo menos nas pequenas a gente pode ter a sorte de pegar uma vitória, o que está difícil com o Corinthians.

A outra opção, bem menos alienada – se quiserem assim –, era o show de abertura do Fórum Social Mundial. Mas a TVE, que o transmitia, ainda não aprendeu a calibrar um som audível nas transmissões ao vivo. Estava horrível, com uma interferência indesculpável. De vez em quando uma interrupção com a mensagem “no signal received” na tela. Sem contar que entre rock indiano e jogo do Corinthians, mesmo que seja contra o Cacique ou o União (dois times de Taió), prefiro a segunda opção.

Mas como dizia, esperava o jogo do Corinthians contra o Sorocaba, com o teclado no colo e navegando, e me chamou atenção uma publicidade oficial para o Carnaval que vem aí. Várias celebridades, capitaneadas pela Daniela Mercury, aconselham os homens a usar camisinha sempre. Sem qualquer ressalva.

Ora, sempre, não! A mensagem deveria ser mais clara ou, pelo menos, não tão obscura. Imagine o garotão, ainda adolescente, saindo para o carnaval e reclamando:

– Ô manhê! Vem aqui. Ajuda arrumar essa camisinha. Ela está apertando no colarinho. Esta não, esta já usei ontem.

Esse use sempre lembrou-me de uma piada que, se não me engano, andou correndo pela Internet. Se não, que comece agora.

O estancieiro não agüentava mais as queixas da mulher: era todo ano um filho e o casal já tinha uns quinze. Ele foi ao boticário, expôs a situação. Naquele tempo, anticoncepcionais só mediante prescrição médica. O farmacêutico receitou camisinha. Explicou como se usava e foi incisivo: use sempre! O gauchão se interessou e, abonado dos trocos, comprou logo todo o estoque, para se garantir.

Dois meses depois retornou à farmácia, revoltado e mais brabo que mamangaba amarela. Jogou um resto de camisinhas no chão, quebrou o chapéu na testa e desafiou:

– A mulher velha tá prenhe de novo. E agora, o que é que tu me dizes, índio velho atochador?

O boticário, amedrontado mas experiente, foi levando na maciota, acalmou o gaúcho e, então, perguntou:

– Mas o senhor fez certinho como eu mandei?

– Mas claro, tchê. Tá duvidando da minha pessoa?

– Não, não. Só estou estranhando. Tem certeza de que usou sempre?

– Sempre sempre! Só tirava prá mijar e prá comer a patroa.

Então, você que vai cair na farra neste Carnaval, não precisa levar a orientação governamental ao pé da letra. Não é necessário usar a camisinha sempre. Aliás, é mais importante que você só a use quando for fazer sexo.



Publicada no blog Jus Sperniandi,
em 25/02/2006.
.

14/02/2009

I AM LOST

.

Estou ficando com medo de viajar de avião. Não que eu receie acidentes, sempre viajei tranqüilo, mesmo fibrilado, sentindo apenas um pouco de mal-estar na decolagem.

Mas, numa capitulação que nem eu mesmo consigo entender bem, estou assistindo a série Lost, exibida pela TV Globo por volta da meia-noite.

Creio que você pelo menos já ouviu falar dela, que em um desses canais pagos está na segunda temporada.

Resumindo: a história trata de sobreviventes a um acidente aéreo em que o avião se rompeu pela metade (não sei como não foram todos lançados para fora porque não vi os primeiros capítulos). Mas não é não em razão do acidente o meu temor. Sempre procuro viajar na metade do avião e, num acidente como o da série, teria chances de ser um dos sobreviventes.

A ilha situa-se na linha do equador, é quente e nela ocorrem fatos estranhos, como, por exemplo, a aparição de um urso polar – pelo menos assim identificado ou chamado – que devora pessoas. Ele deu uma trégua nos últimos capítulos. Mas ainda não é a incrível possibilidade da existência de um urso polar numa ilha equatorial que me assusta. A política brasileira abriga rinocerontes e elefantes brancos e essas coisas não me impressionam mais.

Os personagens principais que estavam no avião são um cirurgião atormentado por ter delatado o próprio pai, também cirurgião, por erro médico; um casal de chineses que não se entende (ele é violento e perigoso, segundo ela); um ex-soldado iraquiano torturador; a moça mais bonita participou, antes, de um assalto a banco e matou os próprios companheiros para se apoderar de algo ainda não revelado; um roqueiro frustrado que na ilha conseguiu livrar-se do vício das drogas e se envolveu platonicamente com uma garota grávida que foge de seu passado, foi seqüestrada e está desaparecida; há um cara fortão, de meia idade, esquisito, que viajava em cadeira-de-rodas, mas recuperou, inexplicavelmente (até agora), a saúde e saiu andando sem precisar de fisioterapia; há uma garota loira, muito bonita, complexada porque se sente inútil; um negro, pedreiro, separado da mulher e complexado, que viaja com o filho mal educado de 12 que de vez em quando o desqualifica, comparando-o com os demais.

Não há um único personagem normal. Todos têm um passado recente de problemas sérios e se reuniram numa coincidência filmográfica para uma mesma viagem para a Austrália e agora são obrigados a conviver.

Isto é que me atemoriza. Não a convivência na ilha. Mas já pensou você embarcar num avião com tantos tresloucados reunidos, como se tivessem combinado para, naquele exato dia, viajarem no mesmo vôo? Todos bandidos, nenhum mocinho? Não há um desembargador aposentado, um executivo, um cantor sertanejo, um empresário honesto, uma só alma bondosa ou sem remorsos entre os personagens. Você não acha que viajar com uma turma de esquizofrênicos como esta não é atemorizador? Aí a verdadeira razão da minha paranóia.

Uma coisa já conclui. O título da série, Lost (Perdidos), não é justificado pelo fato de estarem todos à própria sorte numa ilha deserta (ou aparentemente deserta). Afinal, por suas personalidades psicopatas, ou fronteiriças, eles já estavam perdidos antes mesmo de embarcar.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 18/02/2006.

.

12/02/2009

UM ABRAÇO, ALBERTO COHEN


Meu amigo e poeta Alberto Cohen está de aniversário hoje.
Abaixo, como homenagem, um poema que está à pagina 69 (ops!) de seu livro Poemas sem Dono, da editora Scortecci, e que obteve o 1.º lugar no II Prêmio Literário Livraria Asabeça.

Um abraço, Cohen.

Alberto Cohen

SESSENTA

Sessenta passos andados,
sempre no mesmo lugar,
sessenta sonhos sonhados,
quase nenhum por sonhar.
Sessenta vezes sessenta
cansaços de ainda estar,
sessenta menos sessenta
chances de poder voar.
Sessenta medos do escuro,
sessenta mil pesadelos,
sessenta milhões de muros,
sessenta bilhões de apelos.
Sessenta abraços de amigos,
sessenta beijos de Judas,
sessenta prêmios – castigos,
sessenta Deus nos acuda.
Sessenta bater de portas,
sessenta olhares matreiros,
quantas naturezas mortas
em sessenta fevereiros.

.

08/02/2009

BRIGA COM A BALANÇA

.
Chega o verão, em que aos gordinhos – assim meu cardiologista benevolentemente me chama – é teoricamente mais fácil fazer regime.

Eu já me dediquei a vários. Emagreci, mas logo recuperei por culpa dos músicos, aqueles que inventaram a sanfona. Além disto, os italianos e seus descendentes não gostamos de desperdiçar nada, nem peso extra. Numa churrascaria de rodízio comemos um naco considerável de cada espeto que passa. Afinal, estamos pagando e nosso dinheiro deve ser bem aproveitado. Sem falar no lícito prejuízo que estaremos repassando ao proprietário. Ah, ah, ah!

Tive uma incompatibilidade lúdica com o regime da lua. Chegavam aqueles dias, eu relacionava o nome do regime com uma brilhante lua cheia e me lembrava das tortas de maçã da minha infância. Só a lembrança já me engordava, embora da lembrança à ida a uma confeitaria era um passo só.

O regime dos sucos durou pouco, muito menos do que eu pensava. Fui almoçar na casa de um amigo e ele assava uma suculenta picanha. Entre o suco e a picanha escolhi a picanha.

A dieta do Dr. Atkins, com seu recente aprimoramento, é usada com sucesso por um amigo meu. Não consegui o mesmo resultado. É uma heresia comer um churrasco sem maionese. Ou sem, pelo menos, um pãozinho. Ou (vamos fazer uma concessão) sem farofa. Acabei misturando carboidratos e isto anula a ação exclusivamente protéica da proposta do Dr. Atkins.

Como sou partidário de que se deve ser eclético, mesmo nas dietas, procurei um centro de reabilitação e reeducação alimentar que me permitia comer tudo o que eu quisesse, desde que não ultrapassasse a 1500 calorias diárias. Além disso, eu era obrigado a fazer cinco refeições diárias. Gostei.

Gostei principalmente porque havia o chamado “prato permitido”. Uma vez por semana você poderia sair da rotina diária e comer alguma coisinha a mais. Eu comia o prato permitido, logicamente, aos domingos.

Depois de algum tempo achei que não faria mal introduzir um prato permitido também às quartas-feiras. Afinal, eu tive um tio-avô, que morava no interior do interior de Taió, cuja mulher o gabava por sua limpeza porque ele tomava banho até no meio da semana. A relação não é lá muito inteligente, mas serve para quem quer se livrar de uma dieta. Logo eu estava ingerindo um prato permitido por dia. Eu tomo mais de um banho por dia!

Nas minhas caminhadas sou muito atento. Ando, quando as condições me permitem, exatos 60 minutos por dia. Devo percorrer, folgadamente, uns 400 metros. Minha personal trainer me elogiou muito. Ela disse que na ginástica aeróbica é mais importante caminhar devagar, mas bastante tempo, do que, por exemplo, fazer 15 km em 11 minutos. Ontem me distraí e andei 61 minutos. Hoje, para compensar, andei apenas 59.

Mas só caminhar não emagrece, principalmente se você compensar depois com alguma coisa, mesmo que seja água. Meu pai tinha esse problema e dizia que até a água o engordava. Foi um dos maiores ensinamentos que deixou aos filhos, como um adendo à sua carga genética. Eu, por isto, já que ela engorda mesmo, aproveito e tomo água-de-coco após as caminhadas, pois é um excelente energizante, além de mais saborosa, lógico.

Enfim nunca consegui resultados muito positivos nessa minha luta comigo mesmo. Esses dias lembrei de seguir a dieta curta e grossa que li no Pasquim, no tempo de estudante: se você quer emagrecer fique seis meses sem comer absolutamente nada e ainda vomite duas vezes por dia.

Meu cardiologista a descartou. Definitivamente. Por isto, parei de brigar com a balança.




Publicado originalmente no Jus Sperniandi,
em 25/01/2006.
.

01/02/2009

MEDICINA OU BRUXARIA?

Eu quero ter saúde, claro, quem não quer. Esforço-me para isto na medida do possível. Mas a Medicina não me ajuda. Ela tem uma espetacular má vontade contra mim e é uma desinibida praticante de bruxaria.

Uma vez meu colesterol estava elevado, ao redor de 300 mg/dL. O médico disse que deveria baixá-lo para 250, o máximo admissível. Fiz uma dieta séria, cheguei ao extremo de ingerir verduras e legumes, deixei de comer pão com banha e açúcar, e consegui baixá-lo para 248 mg/dL.

Orgulhoso, levei o resultado. Decepção: a CUUMI (Confederação Ultra-Universal de Medicina Iatrogênica), num congresso intergalático, decidiu baixar o limite tolerável máximo para 200 mg/dL...

Continuei a luta. Baixei-o ainda mais. Mas só agora consegui colocá-lo em 195 mg/dL.

Então inventaram uma tal de relação entre o Colesterol total e o HDL-Colesterol (o colesterol ruim e o colesterol bom). Meu cardiologista de Taquara dizia que essa relação deveria aproximar-se o mais possível de 5,00. Consegui-o, por algum tempo, mas um novo passe de bruxaria alterou os valores de referência: risco baixo, menor de 3,78; risco moderado, entre 3,78 e 5,01; acima disto, risco elevado. A relação dos meus está em 5,42.

Quer dizer: os dois aí não se entendem e quem paga o pato sou eu. Que culpa tenho se eles, embora parentes, são inimigos? Se um é “do bem” e outro “do mal” têm mais é que brigar mesmo. Mas me deixem fora desta. Não sou mais juiz e, de luta de box ou de briga de galos, nunca fui mesmo. Nem me posiciono do lado do bom. E se o mau vencer?

E a pressão arterial? Uma vez eu ia ao médico e ela estava sempre em 13,0 x 9,0 milímetros de mercúrio (é assim que se diz), no máximo 14,0 por 9,0. Ele e eu ficávamos satisfeitos. Está boa. Quando acontecia de estar em 12,0 por 8,0 vinha o elogio: “Isto é pressão de criança!”.

Minha pressão nunca incomodou, salvo raríssimas exceções. Mas acabou essa alegria também. Agora 14,0 por 9,00 ou 13,0 por 9,00 são consideradas altas. Resolveram que 12,0 por 8,0 já representa uma situação de risco... As crianças que se cuidem. Eu me transformei num hipertenso da noite para o dia sem ter sofrido qualquer alteração de pressão!

Mais uma. Nunca tive diabetes. Minha glicose estava sempre no limite, mas nunca superior aos 110 mg/dL. Da última vez, há um ano, estava em 104.

Agora consegui baixá-la mais ainda, para 98 mg/dL, e fiquei contente com isto. Surpresa: o valor de referência máximo baixou de 110 para 99 mg/dL.

Quer dizer: a gente se esforça, quase morre para poder melhorar o organismo e viver, mas a Medicina não colabora. Parece o King Kong, que de vez em quando aparece cada vez mais feio, pior, e com intenções mais maléficas. Não dá para fugir da idéia de que a Medicina está me deixando doente! Vai acabar me matando.

Mas desta vez a enganei, ao menos em parte. Minha glicose ainda está no limite, é claro, mas abaixo dos 99 recém-estabelecidos.

Há um ano, pelos padrões de hoje, eu era diabético. Agora não sou mais! E nem fiz tratamento. Enganei a bruxa!



Publicada originalmente no Jus Sperniandi,
em 20/12/2005.
.