13/11/2009

EVOLUÇÃO SOCIAL

CERTAS MODIFICAÇÕES SOCIAIS DÃO O QUE PENSAR



Estranhas as transformações por que passa o mundo e mais estranha ainda a forma de as pessoas encararem certos fatos hoje. E as formas de se ganhar dinheiro também se modificaram substancialmente.

A Cicarelli e o namorado foram filmados fazendo sexo numa praia. Ficou por isto mesmo. Estavam trepando, mas se diz que faziam amor (Ah, o amor! Está na hora de alguém ensinar a essa gente que amor se sente e se vive e não se fabrica mecanicamente como uma masturbação a dois). A liberalidade do brasileiro admite essas coisas como permitirá, em breve, macacos nas praias, como mostra o filme Turistas que estão querendo boicotar porque mostra um Brasil mais real que o real e isto revolta a nós, habitantes desta honrada e cristalina Nação.

Isto se os macacos concordarem e suportarem a sujeira que os humanos fazem nas praias, como os que entram na água só para dar uma mijadinha, sem contar os esgotos a céu aberto, sabugos de milho verde, latinhas de cerveja, cocô de cachorro (se estes são admitidos e exibidos por seus donos, por que não macacos?), etc.

Mas o caso da Cicarelli e do namorado é inusitado. Ou não? Acho que não. Mas eu, se sair pelado na rua aqui no recantozinho do meu bairro, serei processado no mínimo por ultraje público ao pudor. Por quê? Porque com 55 anos, gordo, meio careca e nu na via pública minha conduta só poderia mesmo ser considerada indecorosa. Já a Cicarelli e o namorado são aceitáveis porque são bonitos e podem praticar um falso naturismo numa praia pública.

Agora a Juliana Paes vai processar o fotógrafo Marcelo Pereira porque ele bateu uma foto dela sem calcinha. Ela usava uma saia curtinha e deve ter tomado a cautela necessária para mostrar exatamente aquilo que o fotógrafo fotografou. A coisa está ficando cabeluda para o lado dele que é acusado de montagem fotográfica. Montagem, nesse assunto, é bom.

Pode até ser e então o fato será efetivamente grave e autoriza à sem calcinha com calcinha processar aquele que viu o que estava sendo exposto por debaixo do pano porque os paparazzi existem mesmo para amolar as pessoas batendo fotos delas em situações quanto mais embaraçosas melhor.

Mas para a dona do Bar da Boa, que já exibiu a bunda em comerciais de cerveja – só faltou mostrar mesmo aquilo que o jornalista fotografou ou montou – andar sem calcinha parece natural. Bater a foto, que não é nada indecente, é antinatural. Uma tendência geral: o crime não é comprar o dossiê de Cuiabá, é mostrar o dinheiro apreendido... Uma coisa bem petista. E eu ainda me impressiono com essas mudanças... Sou muito ingênuo.

E se o baixinho da Kaiser resolver andar só de cuecas, daquelas abertas na frente (acho que combina com o tipo dele) e o pingolim saltar e alguém bater uma foto, quem vai ser processado? Ele ou o fotógrafo? É uma incógnita. Eu que lidei com o Direito a vida inteira, a estas alturas nem sei se valorizo mais Código de Ética do PT ou a Constituição Federal. Aquele, pelo menos, é estável.

Na verdade, tudo depende do dinheiro e cada um vai ganhando dinheiro como pode. As celebridades bonitas posam nuas para a Playboy em posições ginecológicas e isto é normal. Fotografar casais que buscam publicidade fazendo sexo na praia, não.

A Juliana Paes disse que, se ganhar a ação, vai doar o dinheiro para o Retiro dos Artistas. Uma boa ação. Mas um velhinho, lá, entrevistado pelo Jus, disse que preferia ver a foto mesmo. Até para tentar se lembrar para que serve a anatomia fotografada.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 05/12/2006.
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10/10/2009

MINHA VIDA DE PRESO, DIGO, DE APOSENTADO

Estou frustrado com a condição de aposentado. Minha cidadania foi atingida cruel e impiedosamente. Até um preso tem mais direitos do que eu. É só conferir os artigos 38 a 43 da Lei de Execuções Penais que tratam dos deveres e dos direitos do preso. Confiram, para ver se não estou falando a verdade. Os regulamentos dos presídios lhes dão ainda mais benefícios.

Agora eles estão exercendo um não previsto na lei: o de fazer greve, uma greve de fome porque, ao que parece, estão descontentes com o reforço na segurança penitenciária. Eles têm direito a três refeições por dia e outros benefícios que não tenho e se queixam da segurança.

Eu estou doido para que reforcem a segurança do meu bairro. Na madrugada de domingo larápios furtaram um segmento de fio-de-cobre que transmitia energia elétrica para minha casa e fiquei pendurado numa fase só e vândalos derrubaram uma placa de sinalização na esquina.

Mas se fizer greve de fome serei ridicularizado. Seria como a do senador Paulo Paim, há alguns anos, quando o salário-mínimo contrariou suas expectativas. Durou cerca de duas horas. E ainda mais ridícula que a do Garotinho, que no início do ano fez greve de fome para merecer melhor atenção da imprensa que, segundo ele, o tratava de forma injusta.

Não posso dizer que ele estava errado na causa. A imprensa às vezes é injusta, mas os donos de jornais e os jornalistas, numa greve de fome contra eles, torcem para que ela continue e se o grevista morrer terão assunto para abastecer seus veículos por um ou dois dias. Talvez três.

Quanto à greve dos presos fico ainda mais frustrado vendo que eles podem se alimentar de bolachas e açúcar sem ser acusados de furar a greve (
aqui). Eles foram flagrados nessa situação, inclusive o Marcola. É uma greve de fome branca – e o pão e o açúcar estão aí para reforçar a idéia.

Eu deveria tentar o mesmo. Comendo apenas o necessário para sobreviver, talvez emagrecesse. Mas então minha greve seria considerada uma simples dieta de emagrecimento e, por isto, improdutiva. Meu cardiologista ficaria satisfeito, principalmente agora que ele comprou uma balança nova, sofisticada, digital, que aguçou o meu espírito consumista.

(Sou assim: não fumo, mas vejo em bazares isqueiros tão bonitos, com design sofisticado e atraente, que tenho vontade de fumar só para me exibir com um deles. Também não me peso, mas a balança do meu médico é uma beleza. Vou comprar uma nem que seja para decorar a mesa de centro da sala de estar. Ela tem estilo e servirá de apoio para copos. Poderei controlar quantos quilos de bebida meus convidados ingerem).

Os aposentados vivem – digamos assim – em estado permanente de inércia compulsória, embora haja os que façam bicos aqui e ali por absoluta necessidade financeira. Mas cogitar de voltar a trabalhar como greve para melhorar vencimentos é um absoluto contra-senso.

Já uma greve de fome de aposentados seria tudo o que o Governo gostaria que ocorresse: a maioria é idosa e adoentada, não resistiria muito tempo e morreria, contribuindo para reduzir consideravelmente o déficit da Previdência Social.

Agora estão defendendo o direito de preso votar (
aqui), através de mais um remendo, digo, de mais uma emenda constitucional. Se aprovarem a medida, os aposentados estaremos em posição de definitiva genuflexão social. Porque, como os presos, não trabalhamos, vivemos trancados em casa (ao contrário deles, não temos segurança, nem simples nem reforçada), compramos nossa própria comida e nos é subtraído o direito de fazer greve (da branca ou da outra), entre outras diferenças e semelhanças, sempre favoráveis a eles.

Só falta nos proibirem de votar.


Publicado, originalmente, no blog
Jus Sperniandi,
em 14/11/2006.
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03/10/2009

MAIS UM CAPÍTULO DE MINHA BRIGA COM A BALANÇA

O hábito de comer mais frutas e vegetais e de fazer exercícios físicos pode aumentar a expectativa de vida de uma pessoa em até 12 anos, segundo um estudo feito pela Universidade de Cambridge (aqui).

Só? Estou decepcionado. Pensei que a observância dessas e de outras regras que todos os dias jogam – hoje não estou propenso à escatologia – na nossa cabeça, se não nos desse a vida quase eterna, pelo menos nos levasse a viver aproximadamente, na contagem moderna, o tempo que viveu Matusalém (a vida – ou não-vida – eterna já nos está naturalmente assegurada).

Claro. Não há hoje quem viva tanto quanto Matusalém viveu. Mas eu acreditava que isto se devia exatamente ao fato de a maioria das pessoas não observar bons hábitos alimentares. Ninguém é lúcido o suficiente para se alimentar somente de frutas e vegetais. É preciso uma adequada mistura de carboidratos e de suculências como, por exemplo, uma picanha mal passada.

A pesquisa abrangeu cerca de 22 mil pessoas, entre 45 e 79 anos. Quer dizer: mesmo os mais idosos estão na casa de 79 anos. Eu, embora fibrilado, espero chegar um pouco além do que já cheguei. Mas se seguir essas prescrições corro o risco de comemorar(?) 130 anos: não sou hipertenso, não fumo, não bebo, sou apenas semi-sedentário (estou autorizado por meu cardiologista a correr religiosamente 200 m sem barreiras por dia, em uma hora), meu colesterol está controlado – ou estava, conforme veremos. Apenas – sempre tem um apenas – sou o que o meu médico chama bondosamente de gordinho...

Há algum tempo publicaram uma pesquisa dizendo que o chocolate, em pequena quantidade, reduz o colesterol (
aqui). Mas nesta pesquisa ele – assim como o refrigerante – é impiedosamente fulminado.

O colesterol é um capítulo à parte na vida de todo gordinho. Já narrei meus dissabores com ele
aqui, em 20/12/2005 (no meio da página): sempre que conseguia baixá-lo adequadamente uma nova resolução da CUUMI (Confederação Ultra-Universal de Medicina Iatrogênica) os reduzia. Daí a minha constante dessintonia com os níveis de colesterol: a má vontade dos indicadores.

Agora mais uma: a Veja de 01/11/2206 traz uma reportagem (Bom de Coração, página 122) em que informa que para o LDL (o mau colesterol) hoje o limite aceitável é de 160 (miligramas por decilitro de sangue, e que até há pouco era de 200) para quem não apresenta outros fatores de risco.

Pior: uma equipe de pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, questiona a recomendação de que o ideal seja um LDL menor do que 70... Pior ainda: para atingir um patamar tão baixo, além da dieta balanceada e dos exercícios físicos, só mesmo recorrendo ao uso de remédios, sobretudo as estatinas.

Dieta balanceada, exercícios, peso adequado, vida regrada, não bastam: temos que ingerir remédio para ser saudáveis mesmo que não sejamos doentes.

Na minha situação a ingesta de mais um remédio seria mais maléfica que benéfica: não pelos seus efeitos, mas porque me alimento de remédios. A comida normal é apenas um complemento alimentar.

Analisei a composição das drogas que uso. Todas trazem nos excipientes (a base que segura as substâncias ativas) altas doses de amido (principalmente de milho), lactose e até glicose.

Como é que vou emagrecer ingerindo substâncias tão terrivelmente calóricas?


Publicado, originalmente, no blog Jus Sperniandi,
em 10/11/2006.

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19/09/2009

HONNI SOIT QUI MAL Y PENSE!

Ainda bem que temos bem fiscalizados, aqui no Rio Grande do Sul, a Moral e os bons costumes. O que seria de nossa televisão, dos comerciais, das novelas, dos seriados não fosse essa atividade fiscalizadora? Pornografia pura.

Mas a Idade da Luz de Néon está aí para demonstrar que qualquer mínima possibilidade de atingir esses dois conceitos está fora de cogitação.

Na Comarca de Panambi a Promotora da Infância e da Juventude, Caroline Mottecy de Oliveira, obteve liminar da Justiça impedindo a venda da Baby Assadinha, fabricada pela Cotiplás, de Laranjal Paulista (SP), destinada a crianças de 3 a 5 anos de idade (fonte: ZH de 01/11/2006, pág. 50).

A Baby Assadinha – essa voluptuosa e sensual boneca aí em cima – apresenta manchas vermelhas na região genital e sensores (atenção revisão: é sensores mesmo e não censores): quando se molha as assaduras com água quente, ela chora; com água fria, ela ri. Atenção: não se trata de miniatura daquelas bonecas infláveis vendidas em lojas especializadas.

Mas a Promotora entende que a localização dos sensores atrai a atenção das crianças para a área genital que, por isto, se concentram nessa região, estimulando precocemente sua sexualidade, “mesmo sem elas saberem”...

Quer dizer: os órgãos genitais para uma criança de 3 a 5 anos devem ser considerados algo que elas carregam mais como um peso, algo sujo, um apêndice moralmente indesejável, do que como um órgão comum que, na sua idade, só serve para uma coisa: fazer xixi que, dependendo da idade e da higiene, vai provocar assaduras reais.

As mães que têm filhos pequenos, por isto, devem evitar de passar creme ou anti-sépticos nos órgãos genitais de seus bebês na frente de outras crianças. Isto poderia aguçar-lhes, mesmo sem que elas saibam, o senso erótico e produzir – imagino – alguma tara mais tarde.

Até acho que a boneca não é muito educativa. Banhar com água fria as assaduras de um bebê não é, realmente, um bom remédio. Tampouco com água quente. E esta poderia produzir ainda o indesejável efeito de provocar queimaduras em crianças. Mas daí a dizer que essa brincadeira tenha algum cunho erótico ou de erotização há uma distância muito longa.

A psicóloga Roberta Cavalheiro Haushahn, do Serviço Sentinela – que protege crianças e adolescentes vítimas de violências física, psicológica e sexual em Panambi –, entende diversamente:

– A criança pode pensar que se para uma boneca é interessante tocar na região genital, para ela ou o coleguinha também pode ser.

O “o” coleguinha aí é que me surpreende um pouco. Quer dizer que a boneca seria destinada também a meninos? Ou que meninas que brincassem com as bonecas tentariam, depois, fazer o mesmo com meninos? Ou tudo isto estaria açulando as crianças a “brincar de médico”, algo que a Psicologia já demonstrou ser inofensivo?

Acho que está sobrando imaginação e faltando bom senso nessas conclusões. A reportagem diz que “Ana Lucia Guimarães, 47 anos, mãe de uma menina de 10 anos, é contra a proibição. Ela acha que quanto mais as crianças conhecerem o próprio corpo, melhor”. Também acho.

E me veio a mente o lema da
Ordem da Jarreteira, criada em 1348 pelo Rei da Inglaterra, Eduardo III, após incidente quando ele dançava com a amante, a Condessa de Salisbury. Em dado momento caiu a liga (jarreteira) que lhe prendia as meias. O rei juntou-a e a devolveu à dona. Percebendo manifestações e risos maliciosos dos cortesãos reagiu com a frase: Honni soit qui mal y pense, ou: “maldito seja quem mal pensar”.

Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 01/11/2006.
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11/09/2009

LIVRAI-NOS DE TODO O MAL!


(O papa da época era Bento XVI)


Santo Padre:

Esses dias Vossa Santidade falou em abolir o Limbo mas parece que desistiu. Espero que não definitivamente. Assim, crianças não batizadas e infiéis honestos que morreram sem batismo migrariam para o Céu. Acho até que há o dedo de São Pedro nessa desistência.

Sei que no céu não há computadores (se houvesse o trabalho de sua manutenção seria dantesco – o adjetivo é proposital – diante da invasão de hackers que estão no Inferno e de vírus diabólicos criados pelo Demônio que, como a Santa Igreja propaga, é mais espertinho do que gostaria que fosse).

Creio que o livro em que São Pedro anota nossas falhas para, quando chegarmos lá, apontar-nos o destino, é também virtual e de uma virtualidade celestial. Ele deve ter um cérebro tão divinamente privilegiado que não necessita de anotações para consultar na hora: sabe quem merece o que e é isto que me inquieta.

Mas acho que ele ficou "p" da vida com Vossa Santidade e reclamou diretamente com Deus, pois ele teria um trabalho super-dantesco para consultar seus alfarrábios mentais e registrar os egressos do Limbo e destinar cada um ao seu lugar no Céu.

Talvez Vossa Santidade devesse trabalhar em conjunto com ele para que fossem fornecidos dados exatos ou, vá lá, aproximados, dessa migração com detalhamento de raça, religião, idade, etc. Acho que isso é mais fácil do que encontrar a origem do dinheiro do dossiê dos meninos aloprados do PT.

Tenho dúvidas sobre sua competência em extinguir uma instituição como o Limbo. Por interessar aos do lado de lá, aos mortos, a competência, salvo melhor juízo, seria exclusiva do Santo Pai. Mas me é vedado, por sua infalibilidade, discutir a respeito. O pior é que gosto de atacar dogmas de vez em quando, como, por exemplo, o da inexpugnabilidade da urna eletrônica que contém um limbo pelo qual transitam votos antes de ser divulgados e em cujo interior podem ser dar trocas e desvios. Mas esta é outra história.

Espero que leve a ideia adiante. Sempre tive pena das crianças pobrezinhas do interior de Taió que morreram sem batismo. Vossa Santidade as redimiria de culpas que elas não têm, coitadinhas. Não posso entender recém-nascidos condenados pelo pecado do primeiro casal, há milhões de anos, que comeu o fruto proibido cooptado pela Serpente (como se percebe, é antigo o hábito de trair conceitos superiores e transferir responsabilidades).


Fui batizado e, como católico, estou sujeito à ira divina. Não estou seguro de minha destinação. O não-cristão iria para o Céu, e não mais para o Limbo, por ignorância da nossa doutrina mesmo fazendo o que consideramos errado e ele tem fé de que é certo; o cristão precisa batalhar um bocado para merecer o Paraíso. E, pelo que sei, a condenação ao Inferno não contempla a possibilidade de regime semi-aberto ou aberto. Os políticos e juristas brasileiros que estão por lá – não devem ser poucos – ainda não convenceram o Capeta a instituir a progressão de regime.


Entendo um pouco de Justiça e tenho certeza de que Vossa Santidade estaria sendo absolutamente justo se abolisse o Limbo. Acho até que deveria ser mais ousado e implementar a idéia. Tomo a liberdade, com a devida vênia, de lhe fazer uma sugestão que recolocaria cristãos e pagãos em pé de igualdade e, para não pecar contra Deus, confesso que também advogo em causa própria. Vossa Santidade passaria para a História como o papa que mais bem fez pela humanidade, permitindo-nos entender definitivamente que Cristo desceu à Terra para nos redimir (=libertar) de todos os pecados


Permito-me, por tudo isto, humildemente sugerir que Vossa Santidade, atento ao dogma de sua infalibilidade (“tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu”), quando da retomada do processo de extinção do Limbo, aproveite e, de uma vez por todas, desligue o Inferno também.




Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 23/10/2006.

O papa da época era Bento XVI.
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05/09/2009

MAIS CONFUSÕES ALIMENTARES

Estive confabulando com o meu coração e ele está desconsolado. Chora aos soluços descompassados pois, como todos sabem, é fibrilado. Ele anda triste e confuso. Muito confuso. Não é sem razão que ele é completamente arrítmico.

Primeiro foi a crise da gordura saturada. Ele, que desde a infância estava acostumado a comidas gordurosas como nata, lingüiça frita na banha de porco ou no “azeite doce”, morcília (da branca e “da outra”) e principalmente ovos, teve que deixar de lado tudo isto e passar a ingerir algo como margarina – que no início era intragável – e alimentos leves, evitar lingüiça e principalmente a banha de porco, o azeite e as próprias frituras.

Surgiram óleos de soja, gordura vegetal, inicialmente saudados como a solução para a aterosclerose. Mas também se revelaram prejudiciais. Então o azeite Mazolla, de milho, sem colesterol, cuja marca transformou-se na própria substância. A gente, no mercado da esquina, pedia um Mazolla e já se sabia o que era. Recentemente surgiram óleos sem colesterol e se descobriu que o azeite de oliva, ao contrário dos outros, faz bem ao coração fulminando o colesterol ruim e ativando o bom (não sei até quando essa verdade vai prevalecer, mas ainda está na moda).

No tempo em que a gordura animal era um veneno admoestei meu pai, cardíaco desde os 36 anos, safenado, e já nos seus 60 anos de idade. Estava diante de um rico prato de comida e eu:

− Mas pai! Comendo isto tudo?

− Ah! − respondeu. Uma vez por dia não faz mal.

Depois do almoço, conversando a respeito ele confidenciou um tanto triste que se fosse atrás de tudo o que os médicos lhe diziam já teria morrido de fraqueza. Não levou muito tempo e ele faleceu, mas pelo menos não de fraqueza.

Agora nova mudança no mundo alimentar. Depois de expulsar de nossa dieta as gorduras animais combate-se as chamadas trans, ou vegetais transformadas, que seriam ainda piores: além de provocar a famosa “barriga de cerveja” (algo completamente despropositado, pois se come pão todos os dias e se culpa a cerveja do fim de semana) estimula a produção do colesterol ruim.

Mas nosso atento Governo tomou uma providência séria: de agora em diante todos os alimentos com gordura trans trarão no rótulo a quantidade dessa gordura, como acontece com outros itens calóricos.

Isto é bom. Faz bem. Você sabe quanta gordura trans está ingerindo na margarina, no pão, nos biscoitos, na massa, por aí afora. De agora em diante vai saber.

Não tomo Nescau, de nenhum tipo, mas apenas de curioso acessei o site da Nestlé para ver a diferença do
Nescau Prontinho comum e do Nescau Prontinho Light. Não consegui distinguir qual é o menos pior. No light foram retiradas várias vitaminas.

Por isto meu coração e eu estamos confusos, apesar da boa intenção do Governo em nos esclarecer. Estou pensando em, de agora em diante, deixar os alimentos nas gôndolas, trazer o rótulo e me alimentar deles.

Só vou aguardar que o Governo mande informar o grau de nocividade da tinta usada na impressão.





Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi
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em 22/08/2006.

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29/08/2009

JUIZ MALUCO OU INSPIRADO?

Há uma bem engendrada campanha contra o Poder Judiciário. Uma intolerância cósmica. Ele já foi amordaçado por um conselho externo que não faz mais do que não poderia ser feito sem ele e com menos exuberância. Mas como no Brasil a exuberância é superlativa e abundante (vejam as dançarinas do tcham) ele vale como intenção de provar que a Justiça se faz dentro da Justiça, o que não é um afirmativa pela qual eu colocaria a mão no fogo da lareira ali na frente. 
A Xuxa diz que já viu duendes. Se não me engano, no jardim da casa dela, há duendes. Ninguém a considera louca e mantém ainda hoje a coroa – coroa é bem adequado, não acham? – de “rainha dos baixinhos”. Não consta que tenha prejudicado alguém, embora, no meu sentir, seja a expressão máxima da dissimulação que a Globo consegue nos empurrar goela abaixo. 
Outro, o Peninha, também conhecido como Eduardo Bueno, se travestiu de historiador e lançou livros de História do Brasil em que não disse nada mais do que aprendêramos no Primário. É tido como grande historiador. Ele também confessou que viu duendes e afirmou que numa encarnação anterior foi vento... Acho que sobrou um pouquinho no interior do crânio. Não sei se alguma escola adotou seus livros. É provável que não. Mas fizeram sucesso, tanto sucesso que até eu comprei os três volumes da Terra Brasilis. Não sei se ele continua repetindo o que já disse em outros. 
A Mônica Bonfiglio, num dos Programas do Jô, via anjos por todos os lados. Apontava: “ó, ali tem um; lá tem outro!” Como ando mal das vistas e a tela da minha televisão tem apenas 42 polegadas (brincadeira, tem 28 ou 29) e porque provavelmente estava sem óculos, não vi nenhum. O Jô Soares, pela cara que fez, também não. Houve uns sorrisinhos imprudentes na plateia, mas ela não foi desmentida é uma horoscopista de escol. Já o juiz, quando julga, é um ser absolutamente solitário (não estou falando de desembargador, que sempre conta com outros dois, geralmente vaidosos conservadores que se acham liberais, para atrapalhar).
O Juiz da notícia aqui contava com o auxílio de três duendes – Armand, Luis e Angel – para ver o futuro e julgar. Prever o futuro foi coisa que nunca consegui na minha vida de juiz. Aliás, nem o passado posso prever, digo, rever com acuidade porque muita coisa se perdeu nos refolhos do meu cérebro cansado. Foi afastado de suas funções. É ou não é uma conspiração cósmica contra o Judiciário? 
Mas confesso – sou aposentado e agora posso me dar ao luxo de dizer disparates com proverbialidade – também usava entidades para me ajudar a julgar. Mas não tive a criatividade de nominá-las. Todas podem ser consideradas, em sua essência e origem, tão abstratas quanto os duendes do juiz filipino. Ou tão concretas quanto... São a Lei, a Prova do Processo e, principalmente, a minha Consciência. Claro, às vezes pedia auxílio aos meus botões, ou aos meus zíperes, ou aos meus velcros – conforme o traje –, o que é muito mais grave e denota mais demência do que conversar com duendes e anjos. 
Se a realidade judicial filipina for tão feia como a daqui, é possível que eles tenham afastado seu melhor magistrado. Porque, para ser juiz hoje, no Brasil, tem-se que ser minimamente louco. Para sobreviver mentalmente são, só se valendo do auxílio de duendes. Ou de Lexotan, ou Prozac, ou Lítio, outra santíssima trindade auxiliadora.


Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi, em 19/08/2006.
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22/08/2009

MAIS UMA FRUSTRAÇÃO CONSUMISTA

Mais uma vez saí às compras e mais uma vez voltei de mãos abanando (pelo menos, desta vez, de pés calçados).

Já narrei aqui minha frustrada investida no mundo do consumo
em 01/10/2004, no post Saí às Compras e não Pude Torrar a Grana, quando saí disposto a gastar uma grana preta para incrementar meu sistema de áudio e vídeo e acabei comprando apenas um gravadorzinho de R$ 100,00, em três vezes no cartão.

Ontem minhas pretensões eram mais modestas. Como há tempos não venho praticando exercícios, encontrei – foi o que pensei – a esteira dos meus sonhos. Fabricada pela Life Fitness, é um equipamento de ponta para quem acha que andar na esteira é muito monótono.

Até não acho. Antes de minha fibrilação cronificar eu andava regularmente uma hora por dia. Nessas andanças sem sair de lugar visitei inúmeros locais do Brasil e do mundo e muito do que publiquei no início do blog surgiram nessas caminhadas de cabeça fria e sem forçar pensamentos.

Aliás, foi para isto que comprei o gravadorzinho. Eu andava e gravava as idéias que surgiam que depois eram transformadas em postes (não gosto do plural posts, como muitos usam, e sei que o meu esclarecido leitor não vai confundir postes com postes: o primeiro é plural de poste e o segundo de post, apenas para não deixar dúvidas).

Mas eu dizia que saí para comprar a esteira dos meus sonhos: a 95Te, uma esteira com monitor de LCD com ligação para TV a Cabo, conforme se pode vislumbrar da gravura muito mal escaneada acima extraída da coluna Cobiça (nome apropriado para o caso) de Carlos Sambrana, em IstoÉ Dinheiro de 05/07/2006.

Ela é tão moderna que nem consta do site da Life Fitness, embora eu não seja a pessoa mais indicada para pesquisas na Internet: geralmente não acho o que busco, a não ser numa segunda oportunidade quando procuro outra coisa.

Pensei até em fazer adaptações para tornar a minha caminhada ainda mais cômoda por causa da fibrilação: como os dois braços da esteira são bem compridos, ataria neles uma míni-rede para que pudesse sentar.

Para aumentar ainda mais minha comodidade pensei em comprar um par de skatênis, esses tênis novos, de rodinhas, para que eu não precisasse nem articular os joelhos: sentaria, após ligar o monitor, ligaria a esteira e pronto. Claro, é mais fácil sentar num sofá e ligar a tevê. Mas tenho sonhos homéricos de consumo e bem-estar e aprecio coisas modernas.

O preço é salgado mas, de novo, me baseio em filmes americanos e agora também na vida brasileira: os caras não trabalham e estão sempre cheios da nota. Fora os que não fazem nada, a não ser viajar, e ainda assim duplicam seu patrimônio em menos de quatro anos!

Mas a esteira tem um inconveniente grave. O monitor é fixo e eu, sentado, não veria a imagem com nitidez. A tela não pode ser visualizada com perfeição inclinada para trás. Até colocamos uma cadeira para fazer o teste. Inútil. Mais uma frustração consumista.

Conclusão: desisti da esteira, passei numa loja de calçados e comprei um par de tênis comuns por R$ 89,90, em três vezes sem juros no cartão, para não dizer que não fiz nada na tentativa de voltar a fazer exercícios físicos e melhorar minha fibrilação, digo, meu coração.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 07/07/2006
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15/08/2009

LIVRO DO PARREIRA? NEM DE BRINDE!

Fui, ontem, a uma livraria no Shopping em busca do livro “Incêndio”, de Jorg Friedrich.

Notei que estava acondicionado num pacote mais grosso, envolto em plástico, com uma faixa em diagonal: pague um, leve dois.

Gosto de promoções. Sempre procuro adquirir devedês dessa forma e já entrei pelo cano várias vezes. A última foi com um filme chamado “Lenda Urbana”, que consegue a façanha de ser bem pior do que “Pânico”.

O brinde estava embrulhado em papel opaco. Indaguei ao vendedor:

— O que é esse brinde?

— É um livro muito bom. A empresa comprou muitos e estamos dando de brinde.

— É mesmo? Que livro é?

Ele ficou meio cabisbaixo e respondeu:

— É o “Como formar equipes que vencem”, do Carlos Pereira.

Estranhei um pouco, pois já ouvira título e autor semelhantes.

— Posso abrir pra ver?

— Não, não. Se abrir perde a garantia.

— Que garantia? Livro não tem garantia. E se eu não tirar o invólucro, como é que vou ler?

— Não sei! As instruções que passaram é que não pode ser aberto na loja, só lá fora. E garantia vence no instante em que o senhor sair pela porta.

Fiquei intrigado, mas como se vê tanta coisa nesse Brasil (como alguém que não faz nada dobrar o patrimônio em menos de quatro anos) não estranhei muito. Como os brindes geralmente são pagos, quis declinar.

— Vem cá. Mas não quero brinde. Quero só o Incêndio. Quanto custa?

— Igual. É brinde mesmo. E não temos condições de vender apenas um porque o preço é o mesmo e não enganamos o consumidor. É um brinde, realmente, no verdadeiro sentido da palavra.

— Então vamos fazer assim: eu te dou o brinde de presente.

— O senhor tá louco? O que é que vou fazer com esta porcaria, quero dizer, eu não gosto de ler e nem tenho tempo para isto.

Rasguei o invólucro e verifiquei se tratar do “Formando Equipes Vencedoras”, do Carlos Alberto Parreira. O vendedor baixou a cabeça.

— Desculpe-me tentar enganar. Mas é brinde mesmo. O senhor leva de graça. Baixaram uma norma aqui: quem não conseguir empurrar esse livro de brinde com qualquer outro perde o direito à comissão. Me ajude, por favor.

— Tá. Eu levo. Mas vou jogar na primeira lixeira ali na saída.

— Ih! As lixeiras já estão cheias desse livro. É melhor o senhor levar pra casa. O senhor não tem lareira?

— Tenho.

— Pois é, com esse friozinho o senhor pode usar para começar o fogo. Não é uma boa idéia?

Fiquei condoído e trouxe o brinde para casa. À noite fui usá-lo para “prender” fogo na lareira, como diz o gaúcho. Depois que pegou comecei a pôr lenha por cima. Tinha queimado quase todo o vento lá fora deu uma rabanada jogando fumaça e cinzas para dentro, sujando o carpete...

Tive mais sorte que o senhor da ilustração aí em cima, que entupiu a rede de esgoto de sua casa. Gastou uma nota para desentupir!


Publicado originalmente no blogue Jus Sperniandi,
em 06/07/2006.
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08/08/2009

SINTO-ME INJUSTIÇADO!

Sinto-me profundamente injustiçado. Eu poderia ter sido o centro-avante do Brasil nesta Copa do Mundo, no lugar do Ronaldão e, se não fosse melhor do que ele, certamente não seria pior.

Até minha massa muscular é superior à dele. Peso 97 quilos harmoniosamente distribuídos ao redor do abdômen. Só sete quilinhos a mais.

Minha fibrilação não seria empecilho. Para andar em campo eu não precisaria fazer muito esforço. É claro que teria que tomar cuidado com os dois ou três piques, como ele fez, mas isto também não seria problema. Bastaria tomar alguma cautela, cair em seguida, e com isto até ganharia tempo em favor do Brasil.

Para fazer o que Ronaldão fez não precisa muito preparo físico. O nutrólogo Carlos Werutsky, “um dos profissionais mais conceituados do ramo e coordena o setor de esportes nas associações brasileiras de obesidade e nutrologia”, disse à repórter Veridiana Sedeh (Veja, 21/06/2006, pág. 40):

Durante uma partida, os jogadores percorrem, em média, 6 quilômetros. Contra a Croácia ele não correu nem 1. Ele é o Ronaldão.

Percorrer um quilômetro em 90 minutos até um fibrilado pode.

Os treinos, como todos sabem, foram apenas brincadeiras de joão-bobo. Também seria capaz de enfrentá-los sem problemas, pois neles nem é preciso correr nem percorrer. Bancar o DJ, então, é mel na chupeta.

Vi o Parreira defender que ele foi escalado pelo que representa para o Brasil. Sugeri, então, que se convocasse o Pelé, que representa muito mais e, como eu, certamente teria feito mais que o Fenômeno.

O Pelé está em forma graças a complexos vitamínicos que tomou – segundo ele mesmo anuncia de vez em quando em comerciais – e que lhe permitiram chegar aos 65 anos com a vitalidade que tem. É certo que muitos desses complexos milagrosos só foram descobertos após ele ter encerrado a carreira, mas isto é apenas um detalhe que não interessa discutir aqui.

Eu sou mais novo do que o Pelé e já tomei vários complexos vitamínicos, o que pesa a meu favor.

Devo ser mais baixo que Ronaldão. Mas como ele não é especialista em cabecear – embora fizesse um gol de cabeça nesta copa – isto também não seria problema. Aliás, com 7 quilos a mais eu poderia trombar com mais eficiência com os zagueiros adversários e talvez até cavar algum pênalti.

Eu, de início, até quis dar um carteiraço na Comissão Técnica exigindo minha convocação. E, depois, minha escalação a cada jogo.

Só desisti porque tenho uma unha encravada e dói pra caramba com chuteiras Nike. É muito pior do que bolhas!


Publicada originalmente no blogue Jus Sperniandi,
em 02/07/2006.
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01/08/2009

UM DIA A CADA DIA

Alberto Cohen


Hoje é o dia, o único hoje.
O ontem terminou sua missão
e o amanhã é sofisma até tornar-se hoje.
Sobrevivente da noite olha a vida
e abraça-te com ela.
É tua, inteira, como se agora nascesses
sem qualquer pecado original,
somente a esperança a te servir de pele
e os olhos deslumbrados pelo que há de vir.
Lá fora estão castelos e fadas
que podem ser reais,
risadas e soluços que ouvirás pela primeira vez
e o amor que te procura para também nascer.
És de hoje, nas entradas e bandeiras
em busca de sonhos possíveis,
ainda que improváveis.
És, enfim, o primeiro astronauta, no primeiro vôo,
a descobrir se a lua existe ou não.


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13/06/2009

CAUSOS NA VIDA DE UM JUIZ

Quando assumi minhas funções em Iraí, em 1982, o clima na cidade estava conturbado. O prefeito anterior renunciara e o substituía o Presidente da Câmara de Vereadores, um forasteiro, de partido diverso, dotado daquele dúbio dom especial, hoje comum na maioria dos homens públicos: atrair a simpatia dos correligionários e o ódio da oposição com o mesmo grau de sentimento inversamente apaixonado.

Era, além disto, tempo de Ditadura Militar, embora nos seus estertores. Mas muito temor ainda se camuflava nos recônditos dos lares e nas atitudes propositalmente contidas dos cidadãos honestos e sofridos desta pátria.

Convidaram-me para discursar no dia 7 de Setembro. Mas, como era comum naquele tempo, o tema (no caso, temas) veio previamente fixado pelo Cerimonial da Prefeitura: “Liberdade, Independência, Ordem e Progresso”. Isto para limitar o conteúdo da fala e não ensejar margem a pregação ideológica contrária ao regime.

No começo não gostei muito da idéia e pensei em declinar, penhoradamente, de tão honrosa missão. Depois, olhando enviesado, acabei achando bom. Aliás, não podia ser melhor. Erguia-se ali uma ótima oportunidade para eu dar o meu recado.

Fiz a minha oração para centenas de alunos perfilados naquela manhã ensolarada. Em termos não agressivos, mas suficientemente claros, construí uma linha de pensamento que projetava a conclusão de que no Brasil da época não havia nem liberdade nem independência nem ordem nem progresso. Detive-me em cada um dos temas e, obviamente, explicitei razões objetivas. Procurei não me estender muito porque discursos e reuniões são coisas que até admito existir, desde que eu não seja participante. Mas às vezes não há como escapar.

Notei alguns sorrisos amarelos das demais autoridades e recebi uns cumprimento frouxos, depois, mas nada que me inquietasse ou surpreendesse.

Ao chegar em casa encontrei a Ieda com ar preocupado. A solenidade fora transmitida pela Rádio Marabá e ela ouvira:

– Acho que vão te prender por causa desse discurso!

Obviamente não me prenderam nem repreenderam e as repercussões foram mínimas. Quem iria se preocupar com o que dizia um juiz de Iraí? Mas, também, nunca mais me convidaram para discursar em qualquer solenidade na Comarca.

Um ano e pouco depois, no jantar de minha despedida, fui impedido de falar. Mas então por um persistente edema de cordas vocais.

Dizem que foi praga!



Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 19/07/2004.

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26/04/2009

MINHAS PANTUFAS NOVAS

Hoje é domingo, dia de amenidades ou de silêncio no blog, como domingo passado, que foi o Dia das Mães.

Não escrevi nada naquele dia. Emoção de pai ao rever a filha que mora longe e veio trazer um abraço para a mãe sobrando uma generosa rebarba para o papai. O marido ficou choroso em casa e já estava com saudades antes de ela sair. Telefona de três em três horas.

Mas para escrever sobre o tema de hoje, as minhas pantufas, preciso antes digressionar um pouco e dar explicações à guisa de introdução, como gostam de dizer os juristas:

Primeira introdução: gosto do frio muito mais do que do calor. Mas não gosto de sentir frio, o que é bem diferente. Experimento uma bela sensação de bem-estar quando há frio lá fora mas estou bem agasalhado e quentinho aqui dentro. Já escrevi sobre isto no blog.

Segunda introdução: por isto, há anos, gosto de usar pantufas e podem ter certeza que elas não são um adereço apenas pós-aposentadoria.

Mas minhas pantufas velhas, que devem ter mais de dez anos, estão, como se diz em Taió e em outros lugares do Brasil, em “petição de miséria”. Embora a lã de ovelha ao redor permaneça em bom estado, o seu interior está desgastado e até um ou outro furo apareceram nas laterais, o que percebo quando ando pelos pisos frios da casa. Pés quentes é indispensável!

Terceira introdução: há tempos venho procurando um par de pantufas novas, sem êxito. Nem a Ieda nem eu encontramos iguais ou semelhantes. Devo ser uma das únicas pessoas do mundo que gosta de sentir os pés quentes abrigados por pantufas grandes como quem agasalha os pés com um casaco de peles. No caso, de ovelha, para não melindrar ecologistas. Só isto pode explicar a sua ausência nas boas e nas ruins casas do ramo.

Quarta e última, e muito importante, introdução: temos um costume que começou assim que casamos do qual me orgulho de ser o mentor. Cada vez que há alguma festividade, como aniversário ou outra data em que só um membro da família é festejado, todos ganham presentes. O homenageado recebe presentes de todos os outros. Em compensação presenteia os demais com alguma lembrancinha. Nada muito caro, pois senão ele não se sentirá devidamente compensado pelo seu dia. Geralmente isto ocorre de manhã bem cedo e o homenageado é acordado com um desafinado “Parabéns a Você”, este ano bem mais afinado porque a Michele, namorada do Francisco, que é cantora lírica, também participou.

Conclusão: no Dia das Mães a única mãe da casa ganhou seus presentes e deu presentinhos aos demais. A mim me coube um par de pantufas. Essas aí em cima. Fizeram eu calçá-las, bateram fotos, festejaram e riram ainda ao redor da cama onde a festa começou. Parecia que a mãe era eu e isto não deixa ter um pouco de verdade: sou um pai que é uma mãe, embora meus filhos não concordem.

Fomos almoçar fora e ao voltarmos, pelas 15,00 horas, eu, que sempre fui cincunspecto e comedido, me flagrei aflito atrás das minhas pantufas novas...

Elas são aquecedoras, aconchegantes e... espalhafatosas. A Clarissa e a Ieda, que as compraram, disseram havia outras, inclusive com motivos da Copa do Mundo e cores berrantes do Brasil. Havia de vários personagens de desenhos animados, como do Ursinho Puff, do Tigrão, do Pluto, da Hello Kitty... Algumas imitando patas de animais. Estas eram largas e tiveram medo que eu tivesse de andar de pernas abertas e caísse. E não estou tão velho a ponto de andar arrastando os pés. Acho, nunca prestei atenção.

Finalmente, sexta-feira, a Ieda, por acaso, achou numa loja pantufas iguais às antigas. Recusei educada, mas solenemente. Ainda que com sérias dúvidas, que me fazem coçar a cabeça, de vez em quando, sobre os motivos ocultos da escolha do personagem, prefiro as do Pateta.

Elas me assentam perfeitamente!

Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em
21/05/2006.
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03/04/2009

UM DOMINGO DIFERENTE

Domingo resolvi fazer um programa diferente: ver um jogo de futebol ao vivo. Não pela tevê, ao vivo mesmo. Não fui ao Olímpico nem ao Beira-Rio, mas a um campinho aqui no bairro, aberto ao público, sem alambrado e, pelo que pude observar, nem é bem retangular nem muito plano.

Fui para matar a saudade de minha infância em Taió, quando o União e o Cacique eram os dois times mais fortes, embora em certa época o Fortaleza, do Ribeirão da Vargem, tenha dominado o cenário regional por algum tempo.

Lembro de jogadores como o seu Dodô que era avô, mas ainda jogava de centro-avante do União. O Facão, alto e forte, nariz adunco e cego de um olho era o center-half. Depois o União andou importando jogadores de Florianópolis e com isto perdeu-se a identidade futebolística taioense. Mais tarde, depois de voltar do colégio, por ter ido morar na parte de cima da cidade passei a torcer pelo Cacique.

Eu também joguei futebol em Taió. Minha carreira foi meteórica. Saí do juvenil diretamente para os veteranos do Cacique. Devo ter jogado umas duas partidas em cada categoria. Bati um recorde que, acho, vou pedir para inscrever no Guiness: sem dúvida sou o jogador mais novo a jogar nos veteranos. Apenas 25 anos... O Ronaldinho Gaúcho tem 26 e não chegou lá ainda.

Mas no jogo que fui ver domingo jogavam um time chamado Estrela, aqui do bairro, contra um da Restinga. Quando cheguei estava 2 a 0 para os visitantes, mas o jogo acabou 3 a 3. Sorte do juiz! O nível das equipes se compara com o dos grandes times do Brasil, pelo menos num aspecto: a manha dos jogadores. Qualquer encostada provocava uma queda cinematográfica e a impressão de fraturas generalizadas que dois minutos depois estavam perfeitamente consolidadas...

Mas não há mais aquele fair-play da minha infância. A torcida, embora pouco numerosa, é agressiva e o juiz é a principal vítima. Ele marcou um pênalti contra o time da casa e cinco ou seis torcedores – quase a totalidade – invadiram o campo e um deles chutou a bola para longe. Nada comparável à torcida de Taió comandada pelo seu Maneca Negreiros, que ficava gritando chistes não ofensivos aos jogadores adversários. Já assistir a jogos perto do seu Vital era um perigo: quando, no campo, um jogador estava com a bola nos pés e demorava para chutar ele chutava e não poucas vezes acertava alguém próximo.

Já a dona Santa, da antiga Rua do Inhame, torcedora fanática do União, levava os filhos juntos, Uma vez, na arquibancada, um deles mijou nas costas do Eládio, sentado mais abaixo com a namorada...

Todas essas coisas até poéticas foram substituídas por palavrões, agressões físicas e ameaças.

Mas quando voltei e sintonizei o jogo Corinthians contra Ponte Preta, aqui transmitido pela Record, senti uma das vantagens do campinho do bairro: lá não havia um locutor esportivo chato berrando e se esganiçando descrevendo aquilo que a gente vê e muitas vezes aquilo que nem acontece, nos desmentindo assim na cara.

Mas há desvantagens também. Você não pode se distrair num jogo visto no campo. Eu tive a capacidade de perder um gol. Meio distraído só olhei quando a torcida comemorava, o goleiro estava caído e a rede balançando.

No momento não me preocupei. Fique olhando e esperando o... replay. Isto mesmo. Acostumado a ver jogos pela televisão digitando ou navegando na Internet ao mesmo tempo, meu inconsciente mal acostumado me fez aguardar a repetição do lance... É uma sensação estranha, essa de esperar o que está para vir mas nunca virá.

Já tenho a solução para a próxima vez: vou levar uma câmera de vídeo e um aparelho de tevê para servir de monitor e gravarei a partida. Terei replay e poderei ver o jogo pela tevê sem a inconveniência de ouvir um narrador chato.


Publicada, originalmente, no blog Jus Sperniandi,
em 02/05/2006.
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29/03/2009

PRESTANDO CONTAS

Alguém aí de Florianópolis, por favor, me avise quando houver algum retiro espiritual no convento do Morro das Pedras, aquele à direita de quem vai para a praia de Armação da Piedade.

Gosto muito desse nome, Armação da Piedade, mas ainda não descobri se é só armação, se é só piedade ou se é uma armação da piedade pra cima da gente. É! Não deu! Não foi falta de esforço.

Mas acabo de descobrir que após me livrar dessa declaração de imposto de renda vou precisar de algo como um retiro. Viver como estou, no meio de uma parafernália eletrônica que transforma o que resta de minha vida em artificialidade e artificialismo, definitivamente não vale à pena.

Há pouco me surpreendi com o mouse não funcionando. Daí me lembrei: estou trabalhando com dois micros ao mesmo tempo, o de mesa e o notebook, ambos ligados e abertos lado a lado e é claro que o mouse de um não funciona no outro.

A televisão, um pouco mais acima, fora do meu raio de visão, também está ligada na Globo desde o noticiário do meio-dia, mas pelo menos está falando sozinha.

Um monitor pequeno alterna as imagens de três câmeras apontadas para a rua, mas isto é importante para minha segurança. Vi que a Ieda entrou na garagem há pouco e não precisei me levantar, pegar a pistola e salvá-la das mãos de larápios. Nunca pude salvar a Ieda de nada. Sou um frustrado! Sempre fui mais um Sancho Pança do que um Dom Quixote!

Percebi, também, que está chovendo. Quem lê o blog sabe que gosto de dias chuvosos e pode até cair trovoada que não me incomodo. Estou curtindo adoidado esta chuva mansa e tranqüila, que não posso ouvir, através do monitor, minha janela para o que se passa ao redor de pontos estratégicos (portas e janelas não são mais apenas aberturas, são pontos estratégicos numa casa) numa ridicularização do sentido do ser. Ora já se viu apreciar a chuva que cai ali, a três metros, através da televisão... Mas é o que estou cofazendo.

Além de tudo isto estou com fones de ouvido escutando música clássica e isto é, seguramente, o que estou fazendo de melhor.

Talvez eu devesse gravar a batida da chuva no telhado num cedê e ficar ouvindo a chuva que vejo pelo monitor. Para tornar esta vida mais realística vale até transformar o artificial em natural.

Estou às voltas com minha declaração do IRPF e faz três dias que não sei onde enfiar, digo, onde lançar valores como “Juros s/capital próprio” no total de R$ 0,72 de fevereiro de 2005. Ou “juros sobre o capital próprio declarados no ano calendário 2005 a serem pagos em exercícios subseqüentes”, estes mais substanciais, de R$ 126,58. Temo enriquecer muito.

Há uma orientação aqui: “A pessoa física deverá lançar o total do valor líquido dos rendimentos não pagos, na declaração de bens, como créditos devidos pela Pessoa Jurídica”. Parece que, contra todas as regras do Direito que sempre prezei, preciso lançar como bens créditos futuros e incertos sobre os quais já retiveram imposto de renda. Não sei.

Acho que preciso de mais um computador. Depois, de um retiro espiritual de trinta anos. Talvez menos. Obrigatoriamente só até abril do ano que vem, quando deverei prestar contas novamente ao rei das selvas.

Estou falando do Leão, ou melhor, do burro vestido de Leão, aquele da fábula, lembram? O nosso não passa disso.


Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 25/04/2006.
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22/03/2009

QUASE FUI UM ESCRITOR DE VANGUARDA

A Lêda, num comentário ao post Use Camisinha, mas não Sempre, me deu um puxão de orelhas. Por favor, não confundam com a Ieda, minha querida esposa. Desta eu levo puxões de orelhas todos os dias.

Mas a Lêda perguntou porque todo gaúcho é machão. Não gostou de dois vocábulos – acho que foi isto – que usei no texto.

Quem lê o meu blog há mais tempo sabe que normalmente não uso palavras chulas, não porque tenha alguma coisa contra quem o faz, mas porque simplesmente não gosto de fazê-lo sempre que for possível substituí-las por outras, mais sociais. Mas no caso da piada, a substituição a tornaria artificial e pedante. Também sabe que não sou gaúcho, embora resida no Rio Grande do Sul desde 1982. Sou catarinense, de Taió!

Claro que a Lêda, em me visitando pela primeira vez, não poderia saber disto. Mas esclareci na resposta ao comentário, em que não fui lá muito delicado. Através de e-mails a gente – como ela diz – selou o compromisso da paz.

Mas, coincidentemente, a Veja de 1.º/03/2006, pág. 94 traz uma reportagem de Jerônimo Teixeira que declina os requisitos para um escritor ser bem sucedido no Brasil hoje. Não sei se ser bem sucedido é vender bem – como o Paulo Coelho, que não aprecio como escritor – ou fazer sucesso com a crítica dita especializada.

Em todos os casos, ai vão os requisitos que a Veja informa, embora em tom acerbamente crítico, como escrever um livro “transgressor”, isto é, para chocar os leitores e, por isto mesmo, ter seu lugar na mídia e vender: escrever com desleixo, ser nojento (flatulências, ejaculações, excreções – todos os fluidos e gases corporais merecem descrições detalhadas), falar de sexo selvagem (tudo deve ser descrito com abundantes palavrões), criar personagens malditos e ser narcisista.

Penso nisto. Tenho três livros prontinhos, dois quase e uma centena – até a última vez que falei nisto eram 19 – na cabeça, todos eles que farão grande sucesso (não sei se de crítica ou de público), sem contar no risco de, pela primeira vez, um brasileiro ganhar o Nobel de Literatura.

Mas como estou meio passado na idade precisaria viver mais uns 50 para ser reconhecido e então seria premiado no pleno vigor dos meus 104 anos. Acho que a Academia não correria o risco de premiar um autor moderno e já ultrapassado.

Mas o risco maior, mesmo, seria freqüentar a Academia Brasileira de Letras ao lado de escritores como... José Sarney, por exemplo. Sua obra maior, Marimbondos de Fogo, é mais importante pelo título do que pelo contexto. Guarda, o título, uma profecia ligada ao PT e à sua tomada de poder. Entenderam? Dão ferroadas, deixam o rabo preso e tomam umas e outras. Acho que ele deveria lançar uma edição só com a capa e as páginas em branco, pautadas, para ser distribuída entre alunos carentes.

Mas o que me desanima muito são os apelos (ou apelações) referidas pela reportagem de Veja, além da minha preguiça fundamental (já pensei em escrever um livro de auto-ajuda para quem tem preguiça de escrever livros, mas a preguiça não deixa). E não gosto de usar palavrões. Não gosto de descrever cenas de sexo ginecológico e com isto, adeus sucesso.

Viu, Lêda. No fundo não sou o que você pensa. Mas quando escrevi o texto do qual você não gostou eu fui um vanguardista, mesmo que não soubesse.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 03/03/2006.
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06/03/2009

PARABÉNS, MULHERES!



Hoje é o dia delas, assim como foi ontem e como será amanhã. Mas hoje é diferente: hoje se comemora o dia delas.
Bem feito! Quem precisa de um dia para comemorar é porque nos outros dias é esquecido.
Não. Não é bem assim, é assim só um pouco. Como o dia das Mães. Como o Natal. Como a Páscoa. Como o dia dos pobres, isto é, dos aposentados.
O dia dos aposentados existe. Aliás, por algum engano sócio-legislativo creio que até dois. Há algum tempo, homenageei a mim mesmo pelo dia dos aposentados. Uns dois meses depois a tevê anunciou um novo dia dos aposentados. Nem falei nada porque fiquei confuso. Mas, para o ano, vou conferir. Não acredito que os aposentados tenham dois dias.
A sogra pode ter. Aliás, falando em sogra, a minha – que evidentemente é uma mulher – está aqui, veio nos visitar e passar uns dias com a filha predileta e o genro idem. Esta conclusão emergiu após muita discussão familiar em que por pouco não entramos em vias de fato, que é como os juristas chamam a briga de mão mesmo. Após eu ter puxado o revólver, todos os demais amigavelmente concordaram, pois são muito pacíficos os meus cunhados. Menos um, mas este não estava presente. Certamente estava a bordo de um óvni, pois já foi abduzido e escolhido entre os bilhões de seres humanos como um reprodutor intergaláctico. Mas esta é outra história.
Não se criou até hoje o dia dos pobres, especialmente dedicado aos miseráveis (o dos aposentados não supre a omissão), por falta de perspectiva de retorno financeiro. Qual é o rico que vai comprar presentes para dar aos pobres? Rico não paga nem salário decente às empregadas domésticas ou aos empregados de suas empresas, quando mais dar um extra no dia dos pobres.
Dia dos ricos também não existe. Como um rico iria comemorar um dia só seu? Trocar presentes, fazer demonstrações explícitas de riso à toa? Eles não precisam disto. Já têm tudo o que nós, mortais comuns, julgamos necessidades básicas e não básicas, e riem à toa, vivem de férias, e se incomodam, é claro. Mas eu trocaria a metade dos incômodos de um Antonio Ermírio, por exemplo, pelo dobro de sua fortuna. Sem pensar duas vezes.
Os ricos, principalmente os da área da indústria e comércio, precisam de datas comemorativas de todo mundo para faturar ainda mais, menos deles mesmos. E dos pobres, naturalmente.
Mas como sou muito comum e sem criatividade vou embarcar nessa onda comercialista e deixar aqui um beijo homenageando todas as mulheres do mundo, mesmo aquelas que não tem nada com isto.
Peço que cada uma, no seu íntimo, receba este cumprimento de acordo com suas crenças, seus sentimentos e o que pensa disto tudo, especialmente desta data.
Eu estou fazendo de conta que todas aniversariam hoje. E o aniversário é uma data legítima para parabenizar alguém.
Então, além do beijo, meus parabéns pelo Dia Internacional da Mulher. Que ele se repita todos os dias!
Tenham certeza de que vocês merecem muito mais do que isto.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 08/03/2006, no Dia Internacional da Mulher.

21/02/2009

CUIDADO NO USO DA CAMISINHA

O sistema de codificação-decodificação da linguagem pode criar confusão e afastar pessoas mesmo quando seu objetivo é exatamente o contrário. Como pode, também, dar margem a interpretações dúbias e induzir em erros.

Já escrevi aqui sobre o anúncio de uma cerveja que, no final, recomenda: aprecie com moderação. Tentei demonstrar que a mensagem não orienta a que se deva beber com moderação, mas a apreciar com moderação, o que é muito diferente. Você pode beber até cair mas ter apreciado apenas moderadamente a bebida.

Ontem à noite estava esperando o jogo do Corinthians contra o Sorocaba... Fazer o quê? Cada um acompanha o time pelo qual torce nas grandes e nas pequenas campanhas. Pelo menos nas pequenas a gente pode ter a sorte de pegar uma vitória, o que está difícil com o Corinthians.

A outra opção, bem menos alienada – se quiserem assim –, era o show de abertura do Fórum Social Mundial. Mas a TVE, que o transmitia, ainda não aprendeu a calibrar um som audível nas transmissões ao vivo. Estava horrível, com uma interferência indesculpável. De vez em quando uma interrupção com a mensagem “no signal received” na tela. Sem contar que entre rock indiano e jogo do Corinthians, mesmo que seja contra o Cacique ou o União (dois times de Taió), prefiro a segunda opção.

Mas como dizia, esperava o jogo do Corinthians contra o Sorocaba, com o teclado no colo e navegando, e me chamou atenção uma publicidade oficial para o Carnaval que vem aí. Várias celebridades, capitaneadas pela Daniela Mercury, aconselham os homens a usar camisinha sempre. Sem qualquer ressalva.

Ora, sempre, não! A mensagem deveria ser mais clara ou, pelo menos, não tão obscura. Imagine o garotão, ainda adolescente, saindo para o carnaval e reclamando:

– Ô manhê! Vem aqui. Ajuda arrumar essa camisinha. Ela está apertando no colarinho. Esta não, esta já usei ontem.

Esse use sempre lembrou-me de uma piada que, se não me engano, andou correndo pela Internet. Se não, que comece agora.

O estancieiro não agüentava mais as queixas da mulher: era todo ano um filho e o casal já tinha uns quinze. Ele foi ao boticário, expôs a situação. Naquele tempo, anticoncepcionais só mediante prescrição médica. O farmacêutico receitou camisinha. Explicou como se usava e foi incisivo: use sempre! O gauchão se interessou e, abonado dos trocos, comprou logo todo o estoque, para se garantir.

Dois meses depois retornou à farmácia, revoltado e mais brabo que mamangaba amarela. Jogou um resto de camisinhas no chão, quebrou o chapéu na testa e desafiou:

– A mulher velha tá prenhe de novo. E agora, o que é que tu me dizes, índio velho atochador?

O boticário, amedrontado mas experiente, foi levando na maciota, acalmou o gaúcho e, então, perguntou:

– Mas o senhor fez certinho como eu mandei?

– Mas claro, tchê. Tá duvidando da minha pessoa?

– Não, não. Só estou estranhando. Tem certeza de que usou sempre?

– Sempre sempre! Só tirava prá mijar e prá comer a patroa.

Então, você que vai cair na farra neste Carnaval, não precisa levar a orientação governamental ao pé da letra. Não é necessário usar a camisinha sempre. Aliás, é mais importante que você só a use quando for fazer sexo.



Publicada no blog Jus Sperniandi,
em 25/02/2006.
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14/02/2009

I AM LOST

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Estou ficando com medo de viajar de avião. Não que eu receie acidentes, sempre viajei tranqüilo, mesmo fibrilado, sentindo apenas um pouco de mal-estar na decolagem.

Mas, numa capitulação que nem eu mesmo consigo entender bem, estou assistindo a série Lost, exibida pela TV Globo por volta da meia-noite.

Creio que você pelo menos já ouviu falar dela, que em um desses canais pagos está na segunda temporada.

Resumindo: a história trata de sobreviventes a um acidente aéreo em que o avião se rompeu pela metade (não sei como não foram todos lançados para fora porque não vi os primeiros capítulos). Mas não é não em razão do acidente o meu temor. Sempre procuro viajar na metade do avião e, num acidente como o da série, teria chances de ser um dos sobreviventes.

A ilha situa-se na linha do equador, é quente e nela ocorrem fatos estranhos, como, por exemplo, a aparição de um urso polar – pelo menos assim identificado ou chamado – que devora pessoas. Ele deu uma trégua nos últimos capítulos. Mas ainda não é a incrível possibilidade da existência de um urso polar numa ilha equatorial que me assusta. A política brasileira abriga rinocerontes e elefantes brancos e essas coisas não me impressionam mais.

Os personagens principais que estavam no avião são um cirurgião atormentado por ter delatado o próprio pai, também cirurgião, por erro médico; um casal de chineses que não se entende (ele é violento e perigoso, segundo ela); um ex-soldado iraquiano torturador; a moça mais bonita participou, antes, de um assalto a banco e matou os próprios companheiros para se apoderar de algo ainda não revelado; um roqueiro frustrado que na ilha conseguiu livrar-se do vício das drogas e se envolveu platonicamente com uma garota grávida que foge de seu passado, foi seqüestrada e está desaparecida; há um cara fortão, de meia idade, esquisito, que viajava em cadeira-de-rodas, mas recuperou, inexplicavelmente (até agora), a saúde e saiu andando sem precisar de fisioterapia; há uma garota loira, muito bonita, complexada porque se sente inútil; um negro, pedreiro, separado da mulher e complexado, que viaja com o filho mal educado de 12 que de vez em quando o desqualifica, comparando-o com os demais.

Não há um único personagem normal. Todos têm um passado recente de problemas sérios e se reuniram numa coincidência filmográfica para uma mesma viagem para a Austrália e agora são obrigados a conviver.

Isto é que me atemoriza. Não a convivência na ilha. Mas já pensou você embarcar num avião com tantos tresloucados reunidos, como se tivessem combinado para, naquele exato dia, viajarem no mesmo vôo? Todos bandidos, nenhum mocinho? Não há um desembargador aposentado, um executivo, um cantor sertanejo, um empresário honesto, uma só alma bondosa ou sem remorsos entre os personagens. Você não acha que viajar com uma turma de esquizofrênicos como esta não é atemorizador? Aí a verdadeira razão da minha paranóia.

Uma coisa já conclui. O título da série, Lost (Perdidos), não é justificado pelo fato de estarem todos à própria sorte numa ilha deserta (ou aparentemente deserta). Afinal, por suas personalidades psicopatas, ou fronteiriças, eles já estavam perdidos antes mesmo de embarcar.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 18/02/2006.

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12/02/2009

UM ABRAÇO, ALBERTO COHEN


Meu amigo e poeta Alberto Cohen está de aniversário hoje.
Abaixo, como homenagem, um poema que está à pagina 69 (ops!) de seu livro Poemas sem Dono, da editora Scortecci, e que obteve o 1.º lugar no II Prêmio Literário Livraria Asabeça.

Um abraço, Cohen.

Alberto Cohen

SESSENTA

Sessenta passos andados,
sempre no mesmo lugar,
sessenta sonhos sonhados,
quase nenhum por sonhar.
Sessenta vezes sessenta
cansaços de ainda estar,
sessenta menos sessenta
chances de poder voar.
Sessenta medos do escuro,
sessenta mil pesadelos,
sessenta milhões de muros,
sessenta bilhões de apelos.
Sessenta abraços de amigos,
sessenta beijos de Judas,
sessenta prêmios – castigos,
sessenta Deus nos acuda.
Sessenta bater de portas,
sessenta olhares matreiros,
quantas naturezas mortas
em sessenta fevereiros.

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08/02/2009

BRIGA COM A BALANÇA

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Chega o verão, em que aos gordinhos – assim meu cardiologista benevolentemente me chama – é teoricamente mais fácil fazer regime.

Eu já me dediquei a vários. Emagreci, mas logo recuperei por culpa dos músicos, aqueles que inventaram a sanfona. Além disto, os italianos e seus descendentes não gostamos de desperdiçar nada, nem peso extra. Numa churrascaria de rodízio comemos um naco considerável de cada espeto que passa. Afinal, estamos pagando e nosso dinheiro deve ser bem aproveitado. Sem falar no lícito prejuízo que estaremos repassando ao proprietário. Ah, ah, ah!

Tive uma incompatibilidade lúdica com o regime da lua. Chegavam aqueles dias, eu relacionava o nome do regime com uma brilhante lua cheia e me lembrava das tortas de maçã da minha infância. Só a lembrança já me engordava, embora da lembrança à ida a uma confeitaria era um passo só.

O regime dos sucos durou pouco, muito menos do que eu pensava. Fui almoçar na casa de um amigo e ele assava uma suculenta picanha. Entre o suco e a picanha escolhi a picanha.

A dieta do Dr. Atkins, com seu recente aprimoramento, é usada com sucesso por um amigo meu. Não consegui o mesmo resultado. É uma heresia comer um churrasco sem maionese. Ou sem, pelo menos, um pãozinho. Ou (vamos fazer uma concessão) sem farofa. Acabei misturando carboidratos e isto anula a ação exclusivamente protéica da proposta do Dr. Atkins.

Como sou partidário de que se deve ser eclético, mesmo nas dietas, procurei um centro de reabilitação e reeducação alimentar que me permitia comer tudo o que eu quisesse, desde que não ultrapassasse a 1500 calorias diárias. Além disso, eu era obrigado a fazer cinco refeições diárias. Gostei.

Gostei principalmente porque havia o chamado “prato permitido”. Uma vez por semana você poderia sair da rotina diária e comer alguma coisinha a mais. Eu comia o prato permitido, logicamente, aos domingos.

Depois de algum tempo achei que não faria mal introduzir um prato permitido também às quartas-feiras. Afinal, eu tive um tio-avô, que morava no interior do interior de Taió, cuja mulher o gabava por sua limpeza porque ele tomava banho até no meio da semana. A relação não é lá muito inteligente, mas serve para quem quer se livrar de uma dieta. Logo eu estava ingerindo um prato permitido por dia. Eu tomo mais de um banho por dia!

Nas minhas caminhadas sou muito atento. Ando, quando as condições me permitem, exatos 60 minutos por dia. Devo percorrer, folgadamente, uns 400 metros. Minha personal trainer me elogiou muito. Ela disse que na ginástica aeróbica é mais importante caminhar devagar, mas bastante tempo, do que, por exemplo, fazer 15 km em 11 minutos. Ontem me distraí e andei 61 minutos. Hoje, para compensar, andei apenas 59.

Mas só caminhar não emagrece, principalmente se você compensar depois com alguma coisa, mesmo que seja água. Meu pai tinha esse problema e dizia que até a água o engordava. Foi um dos maiores ensinamentos que deixou aos filhos, como um adendo à sua carga genética. Eu, por isto, já que ela engorda mesmo, aproveito e tomo água-de-coco após as caminhadas, pois é um excelente energizante, além de mais saborosa, lógico.

Enfim nunca consegui resultados muito positivos nessa minha luta comigo mesmo. Esses dias lembrei de seguir a dieta curta e grossa que li no Pasquim, no tempo de estudante: se você quer emagrecer fique seis meses sem comer absolutamente nada e ainda vomite duas vezes por dia.

Meu cardiologista a descartou. Definitivamente. Por isto, parei de brigar com a balança.




Publicado originalmente no Jus Sperniandi,
em 25/01/2006.
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01/02/2009

MEDICINA OU BRUXARIA?

Eu quero ter saúde, claro, quem não quer. Esforço-me para isto na medida do possível. Mas a Medicina não me ajuda. Ela tem uma espetacular má vontade contra mim e é uma desinibida praticante de bruxaria.

Uma vez meu colesterol estava elevado, ao redor de 300 mg/dL. O médico disse que deveria baixá-lo para 250, o máximo admissível. Fiz uma dieta séria, cheguei ao extremo de ingerir verduras e legumes, deixei de comer pão com banha e açúcar, e consegui baixá-lo para 248 mg/dL.

Orgulhoso, levei o resultado. Decepção: a CUUMI (Confederação Ultra-Universal de Medicina Iatrogênica), num congresso intergalático, decidiu baixar o limite tolerável máximo para 200 mg/dL...

Continuei a luta. Baixei-o ainda mais. Mas só agora consegui colocá-lo em 195 mg/dL.

Então inventaram uma tal de relação entre o Colesterol total e o HDL-Colesterol (o colesterol ruim e o colesterol bom). Meu cardiologista de Taquara dizia que essa relação deveria aproximar-se o mais possível de 5,00. Consegui-o, por algum tempo, mas um novo passe de bruxaria alterou os valores de referência: risco baixo, menor de 3,78; risco moderado, entre 3,78 e 5,01; acima disto, risco elevado. A relação dos meus está em 5,42.

Quer dizer: os dois aí não se entendem e quem paga o pato sou eu. Que culpa tenho se eles, embora parentes, são inimigos? Se um é “do bem” e outro “do mal” têm mais é que brigar mesmo. Mas me deixem fora desta. Não sou mais juiz e, de luta de box ou de briga de galos, nunca fui mesmo. Nem me posiciono do lado do bom. E se o mau vencer?

E a pressão arterial? Uma vez eu ia ao médico e ela estava sempre em 13,0 x 9,0 milímetros de mercúrio (é assim que se diz), no máximo 14,0 por 9,0. Ele e eu ficávamos satisfeitos. Está boa. Quando acontecia de estar em 12,0 por 8,0 vinha o elogio: “Isto é pressão de criança!”.

Minha pressão nunca incomodou, salvo raríssimas exceções. Mas acabou essa alegria também. Agora 14,0 por 9,00 ou 13,0 por 9,00 são consideradas altas. Resolveram que 12,0 por 8,0 já representa uma situação de risco... As crianças que se cuidem. Eu me transformei num hipertenso da noite para o dia sem ter sofrido qualquer alteração de pressão!

Mais uma. Nunca tive diabetes. Minha glicose estava sempre no limite, mas nunca superior aos 110 mg/dL. Da última vez, há um ano, estava em 104.

Agora consegui baixá-la mais ainda, para 98 mg/dL, e fiquei contente com isto. Surpresa: o valor de referência máximo baixou de 110 para 99 mg/dL.

Quer dizer: a gente se esforça, quase morre para poder melhorar o organismo e viver, mas a Medicina não colabora. Parece o King Kong, que de vez em quando aparece cada vez mais feio, pior, e com intenções mais maléficas. Não dá para fugir da idéia de que a Medicina está me deixando doente! Vai acabar me matando.

Mas desta vez a enganei, ao menos em parte. Minha glicose ainda está no limite, é claro, mas abaixo dos 99 recém-estabelecidos.

Há um ano, pelos padrões de hoje, eu era diabético. Agora não sou mais! E nem fiz tratamento. Enganei a bruxa!



Publicada originalmente no Jus Sperniandi,
em 20/12/2005.
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