06/11/2008

Soneto XVI - Quintana

. Mario Quintana








Soneto XVI

................(para Reynaldo Moura)
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Que bom ficar assim, horas inteiras,
Fumando... e olhando as lentas espirais...
Enquanto, fora, cantam os beirais
A baladilha ingênua das goteiras.


E vai a névoa, a bruxa silenciosa,
Transformando a Cidade, mais e mais,
Nessa Londres longínqua, misteriosa
Das poéticas novelas policiais...


Que bom, depois, sair por essas ruas,
Onde os lampiões, com sua luz febrenta,
São sóis enfermos a fingir de luas...


Sair assim (tudo esquecer talvez!)
E ir andando, pela névoa lenta,
Com a displicência de um fantasma inglês.



Mario Quintana
A Rua dos Cataventos
L&PM POCKET,
página 22.
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04/11/2008

POETAS

Florbela Espanca











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Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas.

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!



POESIA de
Florbela Espanca
Trocando Olhares
L&PM Pocket – Volume I
Abril de 2008

Página 23.
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01/11/2008

E O FUTURO DELES...

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ENFRENTANDO O FUTURO DE TRÁS PRÁ FRENTE


Moro num recanto de Porto Alegre desde 1989. A 18 km do Centro. Foi o que deu para comprar, pelo Sistema Financeiro da Habitação, quando cheguei aqui.

O bairro era aprazível e as noites só eram atrapalhadas de madrugada, quando o jornaleiro passava (ele era gordo e pisava tão forte que estremecia os alicerces das casas) ou quando os ônibus começavam a trafegar.

Mudou muito. A sexta-feira traz a insônia dos fins de semana. Uma insônia que não é de ordem médica. Jovens, de todas as idades, em bandos, promovem gritarias, se embebedam, se drogam, gritam impropérios, assobiam e discutem pelas ruas do bairro... Demonstram – e isto é deprimente – que se têm família certamente esta não os apóia. As algazarras atravessam a madrugada. Para essa insônia não há remédio.

Há, até. Mas a advertência que há na bula de alguns medicamentos se aplica aqui: a tolerância, ainda que em outro aspecto.

Não adianta reclamar. Acionar a Polícia significa desforra, mais cedo ou mais tarde. Reclamei, no início, e como resultado recebi prejuízos e pedras que esses pequenos marginais, “meninos e meninas”, como os qualificam a imprensa e os defensores dos direitos humanos, atiraram sobre o meu telhado. Atrapalhei seu direito de fazer bagunça noite adentro, num bairro residencial. Se ajuizarem alguma ação contra mim, por dano moral, é possível que eu seja condenado.

Em Londres, às 22,00 horas, os pubs fecham. Fecham mesmo. Aqui não. Aqui barzinhos e pontos de drogas funcionam 24 horas, a polícia os conhece, mas mesmo que queira não pode fazer algo mais eficaz: falta-lhe condições materiais (e muitas vezes psicológicas) de desenvolver um trabalho eficiente. Os jovens vão se acostumando a essa vida insana.

Qual o futuro deles? Alguns serão marginais: aqueles que, desabituados da forçosa “tolerância” social, que não se estende aos adultos, continuarão sua vidinha de tumultos e bebedeiras e descambarão depois para furtos, roubos e crimes mais graves.

Outros serão marginalizados: tentarão se adaptar às regras sociais, mas sofrerão e viverão frustrados. Colocarão a culpa nos outros – se tiverem capacidade de raciocinar –, principalmente nas elites, por sua vida sem perspectiva. Sem formação, serão subempregados ou jornaleiros (no sentido primeiro do vocábulo).

Pode ser até que algum, num golpe de sorte, faça um cursinho em entidade tipo SENAI, consiga depois um emprego, entre na militância sindical e política e venha a ser presidente da República. Mas esta é uma possibilidade rara. Ao que se sabe, em 502 anos de História do Brasil, aconteceu apenas uma vez. E, pelo jeito, não vai se repetir tão cedo.

Mas há jovens fora deste contexto. Eles, que dormem nas madrugadas sem dispensar o lazer sadio e necessário, é que dominarão os outros. Eles, que agora estudam, aprofundam seus conhecimentos, buscam seu próprio bem estar e se esmeram em se formar em alguma faculdade ou em algum curso técnico, estes conseguirão se impor socialmente e governar – em sentido amplo – o país.

Então serão chamados de elite e culpados pela degenerescência dos outros.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 24/09/2005.
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