07/06/2008

ELES, OS JUÍZES,

VISTOS POR UM DESEMBARGADOR APOSENTADO

Já citei aqui a obra de Calamandrei, “Eles, os Juízes, Vistos por Nós, os Advogados”, uma pequena obra-prima conhecida de todos os que lidam com o direito. Hoje, sem a pretensão e erudição do grande mestre, vou dar também o meu pitaco e falar sobre juízes. Até o título é uma paródia.

A maioria dos juízes é pedante. O conceito de a autoridade subiu-lhe à cabeça aplica-se a quase todos. Gostam de desferir carteiraços, principalmente em público, quando há bastante testemunhas de sua demonstração de autoridade altaneira.

A maioria é empertigada. Os juízes geralmente gostam de chamar à atenção. Não estou referindo o chamar a atenção com modos e gestos, embora alguns cultuem exatamente essa especialidade. Mas a maioria chama à atenção verbalmente daqueles que, em determinadas circunstâncias, estão sob sua autoridade no desenvolvimento de um processo que em princípio vai acabar com a vitória de uma das partes. Então repreendem, até com deselegância e má educação, quem eles pensam apenas que estejam tomando alguma atitude que possa comprometer sua autoridade.

O pior, entretanto, é a crença de que são oniscientes. Eles estão sempre certos. Seus julgamentos estão sempre corretos. Sempre têm razão. Ninguém que cruze no caminho deles pode contestar, ao menos em sua presença e no momento em que acontece, admoestação ou penalização que aplicam.

Muitos fazem questão de alardear essa onisciência. Apreciam explicar, esmiuçadamente, tudo aquilo que se refere ao seu trabalho. Gostam de fazer prolegômenos, de advertir de que se acontecer isto eu farei aquilo e se acontecer aquilo eu farei isto. Muitos metem o dedo na cara do freguês e o advertem preventivamente como se ele estivesse pronto a praticar um crime que até então não passou de mera conjectura.

Os juizes são, na maioria das vezes, muito explicativos. Truncam os atos, paralisam-nos para dar esclarecimentos, para cobrar atitudes, para tentar ensinar aos outros como é que se trabalha, esquecendo-se de que cada um tem seu próprio modo de trabalhar.

A maioria, também, vamos reconhecer, conhece claramente as regras do ofício. Mas até por isto, e em função disto, eles pecam: se preocupam com detalhes insignificantes e os elevam à categoria de fatos principais, tomando atitudes punitivas quando não precisariam tomá-las e admoestando quando desnecessário.

Esse excesso de conhecimento, aliado ao excesso de confiança, às vezes faz com que errem e transmitam a impressão de que o erro foi proposital. Mas na maioria das vezes, vamos reconhecer novamente, trata-se apenas de equívoco. Só que o equívoco de um juiz é difícil de reparar. Aquilo que um juiz decide está decidido. Aquilo que ele fala está falado. Aquilo que escreve, está escrito. Ninguém pode, no momento em que ele profere sua decisão, modificá-la. Um juiz não volta atrás mesmo que alguém o convença de que outra solução é mais adequada e, mais do que isto, a correta para aquela situação.

Eles não admitem críticas, não reconhecem quando a água é vinho e quando o vinho é água. Simplesmente decidem, sobem em suas tamancas e ai do mortal que reclamar. Não calçam as sandálias da humildade; pairam acima dessas coisas mundanas. Eles são superiores e por isto muito vezes são injustos e odiados.

Se não fosse essa imponência toda, se não fosse esse empertigamento, essa soberba, essa mania de truncar, de parar, de advertir, de ver infração onde infração não há, de não observar o tempo regulamentar, de a toda estar paralisando o jogo para advertir os jogadores, o Corinthians não teria sido eliminado da Copa do Brasil pelo Figueirense e muito menos o Internacional, com um gol de pênalti que não foi considerado gol, pelo Paulista de Jundiaí.

Depois ainda reclamam quando a gente xinga a mãe deles.




Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi, em 09/05/2005.
.