02/03/2008

VÍDEO CACETADAS

Critico tanto os programas de televisão que devem achar que tenho no máximo um aparelho. O pior é que tenho sete... E somos apenas três pessoas(*) em casa... Bem feito!

Nós, brasileiros, não rejeitamos nada, de novelas a comerciais, de enlatados a domingões fastidiosos ou sabadões apelativos.

Há incongruências surpreendentes na crítica especializada, que de especializada não tem nada: é tão ou mais amadora que nossas produções. Por exemplo: os nossos artistas são excelentes. Nossas novelas, idem. Quando há crítica são meramente abonatórias.

Há algum tempo alguém se referiu a Marlon Brando, em seu papel em Apocalipse Now, como uma “figura paquidérmica”.

Nunca vi alguém pegar no pé (ou na barriga) de artista brasileiro por motivo semelhante, com esse tipo de crítica infame e personalíssima, afastada do valor artístico e da qualidade interpretativa do ator. O talento de Marlon Brando sempre independeu de sua obesidade. Os nossos elefantes brancos seguem galantemente intocáveis.

Filmes estrangeiros são criticados e ridicularizados mesmo quando assistíveis. Os nossos são louvados mesmo sendo de terceira categoria. Há dois tipos de critério: um, generoso, para o produto nacional, e outro, bem mais rigoroso, para o estrangeiro. Tanto para os filmes como para os artistas. Têm alguma dúvida? Peguem qualquer jornal de hoje e constatem com seus próprios olhos.

As novelas caricaturizam a maioria dos personagens. Se espelharem aquilo que realmente somos então somos todos idiotas mesmo: da cama à mesa, que são os locais onde a maioria dos problemas é discutido e, obviamente, resolvido. Se na vida real alguém mantivesse com algum interlocutor qualquer dos diálogos elaborados em nossas novelas – quer na entonação, quer no conteúdo – será considerado um exemplo acabado de imbecilidade. Nas novelas, são normais, espertos, aceitos e, às vezes, até louvados.

Houve uma novela de época que narrava a vida da família real portuguesa no Brasil. Os gemidos e manifestações orais das personagens femininas eram tão afetados que, quem só ouvia, imaginava tratar-se de um filme pornográfico [aliás, não sei se repararam, mas isto ocorre também em desenhos, principalmente quando há bruxas e fadas (eu disse fadas) como personagens].

Programas esportivos não vejo, só ouço, com o notebook no colo. Os locutores berram nos lances mais perigosos e então desvio os olhos para a tevê. Os gols são repetidos. Idem com as corridas de Fórmula-1. As transmissões são enfadonhas e o Galvão Bueno torce até nos replays.

Os repórteres só fazem perguntas do tipo “Como é que você se sente...” ou “Foi uma emoção muito grande...(?)” quando não partem já de uma conclusão própria para elaborar uma indagação apenas visando uma confirmação de sua sabedoria, num dirigismo inquiritório que às vezes dói de tanto que sobressai. Nas desgraças e fiascos da vida pessoal a câmera fica estática e o microfone grudado na cara de algum entrevistado aguardando lágrimas. Se não houvesse edição ficaríamos alguns minutos esperando.

Eu pretendia fazer um post sobre o BBB5, mas não vale à pena. Seria obrigado a assisti-lo mais vezes e isto é demais para mim. O que vi na terça-feira já me deixou desconcertado. Há quem discuta a “virada” do professor gay contra a guriazinha eliminada, que seria matematicamente impossível. Veja
aqui.

Fiquei desconcertado por isto: o carinha é eliminado, perde a chance de concorrer a um milhão de reais e sai da casa com a obrigação de ser feliz. É recebido com festa pelos familiares e pela produção. Os que permanecem fingem uma desconstrangida tristeza. Se eu tivesse uma chance em dez de ganhar essa grana e fosse eliminado ficaria puteando todo mundo, bateria porta na cara deles, chutaria os lixeiros que encontrasse, mandaria o Bial prá pqp e repudiaria os familiares que comemorassem minha saída. Deserdaria os filhos, se estivessem lá!

Triste a vida de telespectadores cuja sensibilidade é agredida por esse tipo de mídia e, o que é pior, que não têm como escapar de sua invasão domiciliar através da “janela do mundo”. Somos obrigados a engolir certas babaquices que apenas reafirmam, cada vez com mais vigor, que o melhor invento do mundo, em termos de comunicação de massas, não foi a televisão, mas sim o controle remoto.

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(*) Hoje somos apenas a Ieda e eu, pois o Francisco, que aqui morava na época, está na Alemanha.




Publicada originalmente no Jus Sperniandi,
em 21/01/2005.
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