03/02/2008

SÁBADO NA EMERGÊNCIA

A sesta do sábado foi interrompida por dores lancinantes na parte baixa das costas, onde elas começam a perder o nome, lado direito. Urrava de dor. Nunca sentira dor tão forte.

– Ainda não, ainda não! – sussurrou a Ieda, meio dormindo, mas logo acordou de vez e acendeu a luz, assustada.

Consegui sentar e me vi no espelho, branco e suado, com náuseas. Direto para a Emergência. Cheguei às 16,30 horas, fiz o registro, a triagem... A enfermeira:

– Senta na cadeirinha e vamos tirar a sua pressãozinha.

Detesto esta prática que está se disseminando com rapidez em qualquer lugar em que a gente vai para ser atendido: o uso piedoso de diminutivos. Só porque estou dodói e choramingas não significa que voltei a ser criança. Olhei-a com olhos bovinos e inexpressivos mas ela não entendeu.

– Quanto vai demorar o atendimento?

De 40 a 50 minutinhos. A Ieda foi à cabeleireira, pedicure e manicure, voltou e eu ainda não fora atendido. Só às 17,45 fui chamado... Isto num dos mais conceituados hospitais de Porto Alegre, das irmãs de caridade que não fazem caridade nem aceitam pobres, só quem paga.

Enquanto esperava chegou um senhor de sapatos e cinto brancos com uma moça jovem demais para ser sua mulher e velha demais para ser sua filha. A moça fez a ficha, ele foi para os fundos, voltou, levou a moça e foram atendidos. Sapatos e cinto brancos influenciam positivamente o atendimento de urgência dos hospitais. Vou comprar um jogo para mim.

A médica me examinou e adiantou que poderia ser coluna ou cólica renal. Determinou exames para “cercar de todos os lados”. Pensei se não deveria ter levado uma galinha preta. Receitou um analgésico, pediu exame de urina e uma ecografia das vias urinárias. A enfermeira:

– Vamos tomar o comprimidinho.

Quando o vi, fiquei contente por não ser um supositório.

Coleta de urina: peguei o potinho no laboratório. O banheiro é na entrada da emergência. É preciso atravessar duas alas: a dos que esperam atendimento médico – todos meio caidões – e a dos que esperam os que esperam atendimento – mais caidões ainda.

A boca do potinho não era das maiores. Ainda vou inventar e patentear uma mira peniana e enriquecer. Mas as mulheres devem sofrer mais.

Então a volta triunfal. Se na ida dera para disfarçar o potinho, agora era impossível. Ele estava cheio e ficaria feio sair urinando, ainda que por vias não ortodoxas, pelo caminho.

Resolvi pregar uma peça na atendente do laboratório. Coletei “o material” lavei as mãos mas não as sequei. Com as mãos molhadas estendi-lhe o invólucro:

– A médica disse que era para entregar nas suas mãos.

Era uma negra gorda, simpática, que me olhou e sorriu entendendo tudo. Pediu-me que aguardasse, vestiu luvas cirúrgicas e pegou o pote. Eu que fiquei sem jeito.

A ecografia era para as 18,40. Surpreendentemente, às 18,39 fui chamado para o exame. Depois voltei à sala de espera. A médica descartou qualquer problema renal. Ainda bem.

Suspeita de hérnia de cd. É muito atualizada, esta médica. Agora, nesta semana, devo procurar meu ortopedista. Espero que ele faça algum milagre. Afinal, se chama Messias.

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Publicada originalmente no blogue Jus Sperniandi, no sábado 05/12/2004.

02/02/2008

ESTRAVAGARIO - Neruda

Pablo Neruda





Estación inmóvil

Quiero no saber ni soñar.
Quién puede enseñarme a no ser,
a vivir sin seguir viviendo?

Como continúa el agua?
Cuál es el cielo de las piedras?

Inmóvil, hasta que detengan
las migraciones su apogeo
y luego vuelen con sus flechas
hacia el archipiélago frio.

Inmóvil, con secreta vida
como una ciudad subterránea
para que resbalen los días
como gotas inabarcables:
nada se gasta ni se muere
hasta nuestra resurrección,
hasta regresar con los pasos
de la primavera enterrada,
de lo que yacía perdido,
inacabablemente inmóvil
y que ahora sube desde no ser
a ser una rama florida.
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Revista ARGUMENTO n.º 2, novembro/1973, página 125.
Ilustração: Elifas Andreato-73.
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