29/11/2008

DIA DO APOSENTADO

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Hoje eu teria outro texto para colocar aqui, sobre críticas que sofri do Proença: ele me critica, e a outros blogueiros, porque nós criticamos o Governo Federal. Vai ficar para amanhã porque soube, através do Bom Dia Brasil que hoje é o meu dia. A Ieda, que via o noticiário comigo, limitou-se a dizer “minhas condolências!” sem tirar os olhos da tela.

Parodiando Jorge Bornhausen, os aposentados puros (aqueles que cujo pecado maior é o de viver exclusivamente de sua aposentadoria) são uma raça em extinção. Só não a extinguiram porque há os que – me incluo – preservam custosamente essa classe que o FHC chamou de “vagabundos”. Atualmente, ele que é aposentado por vários títulos, anda vagabundeando em alto estilo por aí.

Não é possível ser apenas aposentado hoje, a não ser que você receba proventos integrais – isto é, compatíveis com o que você perceberia se estivesse na ativa – uma questão de justiça e justeza que a propaganda governamental, escancaradamente apoiada pela mídia, transformou em injustiça e injusteza. Ao mesmo tempo transformou, com rara habilidade, o justo em privilégio.

O empregado da iniciativa privada que há um ano se aposentou percebendo o equivalente a dez salários mínimos hoje recebe menos que isto. Os reajustes para os aposentados são diferenciados.

Isto, a médio prazo, vai gerar outra iniqüidade: o aposentado que sobreviver por muitos anos vai sentir seus proventos minguarem até se aproximarem ao valor de um salário-mínimo. Menos é impossível por ordem constitucional. Se fosse possível não tenho dúvidas: o Governo já teria dado um jeito de criar um salário-aposentadoria, menor que o salário-mínimo.

Talvez você, aposentado nestas condições, deva ter o bom senso de não viver muito.

Os que apoiaram a reforma da previdência são intimamente culpados por essa injustiça. Não devem esquecer que, se quiserem atingir a velhice, serão um dia aposentados e vítimas da previdência social e de sua imprevidência pessoal. Se não tiverem um plano extra terão de fazer bicos para complementar os vencimentos que através dos anos vai minguando enquanto algumas despesas – com remédios, por exemplo – vão subindo. A legislação previdenciária brasileira foi elaborada especialmente para desestimular a aposentadoria.

Agora, se você é um ex-funcionário público e percebe a aposentadoria-integral-transformada-em-privilégio, e é por isto olhado com desprezo, tenha certeza de que lhe foi feita justiça, ainda que você seja minoria.

Se você trabalhou e contribuiu pelo tempo necessário a adquirir aposentadoria integral nada mais justo do que a continuidade retributiva anterior, para você poder se aposentar, manter seu padrão de vida, dar lugar aos jovens – são tantos os desempregados – e não precisar fazer bicos. Felizmente, estou nesta condição.

Não me orgulho de minha aposentadoria porque ela veio por motivo de doença. Mas, como não voltei a advogar, como muitos juízes aposentados fazem, gozo ainda do privilégio de usar o elevador privativo dos magistrados quando vou ao Tribunal de Justiça.





Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 08/11/2005.
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22/11/2008

IMPUNIDADE TAMBÉM É CULTURA

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De vez em quando deparo com notícias que, de certa forma, explicam alguns detalhes do porquê da impunidade no Brasil. Embora eu ache que estamos nos tornando cada vez mais rancorosos (tenho um texto atrasado sobre isto) muitas vezes nos invade aquele sentimento nobre de comiseração pelo próximo que nos leva a aceitar afrontas que normalmente repeliríamos.

A pena de morte não combina com nossa índole. Pode ser que ela fosse até aprovada numa consulta popular. Mas quando o primeiro condenado estivesse à beira da execução haveria uma comoção nacional. Manifestações e protestos explodiriam Brasil afora tentando livrar da pena capital o infeliz e suas circunstâncias. A não ser, é claro, que a vítima fosse filho de alguma celebridade ou um própria celebridade, artística ou jornalística.

Os Maluf foram soltos. O voto que lhes concedeu habeas corpus é fundamentalmente humanitário. O Direito foi espancado de relho. Mas muita gente que viu o Maluf saindo da cadeia, barba mal feita, olhar perdido, deslocado de seu habitat, condoeu-se.

Eu visitei, uma vez, porque era minha obrigação de juiz, o presídio de Iraí. De surpresa. Havia no máximo cinco ou seis presidiários. Um deles se aligeirou e preparou um café num bule enegrecido pela fuligem, usando um fogareiro para esquentar a água, e me serviu na melhor xícara: amarelada, encardida e trincada.

Detesto café. Os que me conhecem sabem disso. Repugna-me o cheiro, o sabor e as conseqüências gástricas. Mas naquele dia esperei esfriar um pouco e tomei. Até sorri, agradecendo. Só não aceitei repetir.

Saí de lá sentindo um aperto no peito e por uns dois ou três meses não julguei processos crimes, só cíveis.

É degradante ver homens enjaulados! Nosso sistema carcerário é cruel e não oferece perspectivas. E lá eles eram bem tratados, viviam em condições excepcionais considerando o que se vê pela televisão na cobertura de motins e rebeliões.

Não sei porque comecei esse texto assim. Ele se desviou de sua finalidade antes mesmo de se dirigir a ela. Eu queria era referir o manifesto assinado por artistas e intelectuais pedindo que o deputado José Dirceu não seja cassado porque não há provas materiais contra ele.

Meu Deus! Um juiz fica, às vezes, horas ou dias debruçado sobre um processo, examinando indícios para construir um castelo de provas e 90 intelectuais, a maioria dos quais certamente nem leu os autos, decidem liminarmente que um réu deve ser absolvido porque não há provas contra ele.

Não sei se me faço entender. Os juízes são, a seu modo, intelectuais do Direito. São humanistas por formação. Aprendem desde cedo que é preferível mil criminosos soltos do que um inocente preso. Usam, na análise da prova, embora certamente com mais técnica e conhecimento de causa e, principalmente, estudando o processo, a mesma mecânica mental que levou esses intelectuais e pseudos a decidirem que José Dirceu é inocente.

Por isto não creio na pena de morte no Brasil. E as reclamações sobre a impunidade, também por isto, soam pífias e cabotinas como a do carrasco que não vai ter nada para fazer.



Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 28/10/2005.
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20/11/2008

NAU CATARINETA

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O querido amigo e poeta Alberto Cohen me enviou, esses dias, o soneto Nau Catarineta.

Perguntei-lhe se podia publicá-lo aqui e ele respondeu que o poema “foi feito para o seu blog (daí o título). Se achar que tem méritos, pode publicá-lo e lhe fico grato”.

Grato fico eu, Alberto.
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Alberto Cohen
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NAU CATARINETA
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O porto cada vez mais longe,

as velas do barco, estraçalhadas,

um grumete chorando no convés

desencantos de sereias inventadas.

Desde a partida, noite, sempre noite,

uma a uma as estrelas se apagaram

e o dragão devorou São Jorge e a lua.

Onde o cais, onde o vento caminheiro?

Em que ondas do mar sem fim nem fundo

afogou-se a esperança que tentava

salvar da morte ao menos um sorriso?

Não há nada a fazer, o horizonte

de uma Terra quadrada se aproxima.

Despenhar talvez seja a chegada.
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15/11/2008

BUSH, PADRES E JORNALISTAS

Dia 04/11/2004 o Jornal Nacional noticiou que o recém-reeleito presidente dos EUA, George Bush, cometera uma gafe. Para quem já caiu do cavalo, se engasgou com bolachas, fugiu da guerra do Vietnam, invadiu o Iraque atrás de uma anunciada quimera, nada demais.

Mesmo assim prestei atenção.

Ao iniciar sua primeira entrevista coletiva após a reeleição um jornalista o informou da morte do líder palestino Iasser Arafat. Ele, então, numa espécie de prece (é muito religioso) manifestou: “O que eu posso dizer é que Deus abençoe a alma dele”.

Isto foi considerado uma gafe porque, na verdade, Arafat estava vivo, embora em estado crítico.

Mas o que me surpreendeu foi que ele foi induzido em erro pela informação de um jornalista. Minha mente viciada em interpretação jurídica não pôde deixar de concluir: a gafe maior foi do jornalista que transmitiu a informação errada. O Bush, que por sua cândida religiosidade acredita até em determinados papais-noéis, por que não acreditaria em jornalistas?

Ou foi uma pegadinha? Não creio. Com assuntos desta gravidade nem o João Kleber faz pegadinhas. Acho! Em todos os casos, se fosse, seria ainda mais grave. Além de transmitir uma informação errada o jornalista pretendeu “pegar” o entrevistado perante colegas e humilhá-lo.

Mas o mal maior não está aí. O mal maior está em provocar o erro e depois se vangloriar com ele.

Quando estudei no Colégio Diocesano, em Lages, em regime de internato, era obrigado a assistir à missa diariamente. Numa determinada manhã o frei Antônio anunciou que quem quisesse estudar estava liberado naquele dia.

Estávamos quase no fim do ano, época de provas, e uns cinco ou seis aproveitamos a rara liberalidade capuchinha e fomos para o estudo.

Logo depois o mesmíssimo frei adentrou na sala de estudos e anunciou solenemente, perante os mais de cem colegas, que estava nos cortando a folga dominical como castigo por termos faltado à missa...

Não sei porque me lembrei desse episódio ocorrido comigo no já longínquo 1965 ao ouvir a notícia dessa pretensa gafe.

Não sou fã do Bush e publiquei aqui, em 03 de setembro, a minha candidata a frase do século, dita por ele: “
Vamos construir um mundo seguro!”.

Também não acredito muito em determinados padres, porta-vozes das coisas divinas, embora já tenha vencido a fase de total descrença e conheça alguns nos quais confio plenamente.

Mas não gostaria de ter que desconfiar ainda mais de jornalistas. Afinal, tudo o que ocorre no Mundo profano sabemos através deles.




(Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 10/11/2004).
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14/11/2008

TENHO TANTO SENTIMENTO

Fernando Pessoa




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[165] – [18/9/1933]


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TENHO tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.



Fernando Pessoa
Cancioneiro
in Fernando Pessoa,
Obra Poética,
página 172,
Companhia José Aguilar Editora (1974).
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08/11/2008

SAUDOSIMO? NEM!

UM SAUDOSISMO APENAS OCASIONAL
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Não sou saudosista! Não desejo que certos costumes dos tempos antigos (ou como dizem alguns descendentes de alemães em Taió, de antes tempo) voltem. Não renego a excepcionalidade sonora da gravação digital em favor dos discos de vinil por questões poéticas ou nostálgicas. Agrada-me muito mais o som perfeito, sem ruídos que não a música, dos cedês e devedês.

Talvez eu preferisse ser alguns anos mais novo – sem dispensar a experiência de agora – mas isto é querer demais. Temos o nosso próprio ciclo, as nossas próprias ultrapassagens, e ser mais novo e concomitantemente mais experiente, me transformaria numa excrescência, num monstro social inaceitável e dotado de um complexo de superioridade que me tornaria um déspota odiável. Eu seria infeliz porque não encontraria par nem entre os da minha idade cronológica nem entre os da minha idade mental, por motivos óbvios!

Já me acostumei a certas facilidades modernas e não sei como viveria sem elas. O controle remoto, por exemplo, é um invento superior à própria televisão porque permite que você não tenha que aturar o mesmo programa ou o mesmo comercial por mais de 30 segundos. Estou aguardando a invenção de um controle remoto automático movido a pensamento.

Há coisas de que não se pode desistir sem retroceder. Como dispensar carro com ar condicionado, vidros acionados eletricamente, aparelho de som, troca de marcha automática? Estou exagerando um pouco.

E o computador? Não imagino como alguém possa viver sem um, embora neste país isto seja um privilégio. O programa “computador para o povo”, do presidente Lula, acho que se esboroou. Esse Governo é maravilhoso para planificar, mas pára por aí. Ele não tem tempo de implementar seus planos porque tem muitas reuniões a fazer para inventar outros planos...

Comecei com um MSX da Gradiente e sofri gravando sentenças em fita cassete. A gravação e a recuperação eram lentas e a mínima oscilação de energia elétrica poderia arruinar o trabalho de um dia. O drive dos discos de 5.1/4, com a imensa capacidade de 500 kb, foi um progresso considerável.

Hoje de manhã, fibrilado e exausto, desci ao escritório e liguei o micro. A primeira coisa que faço é abrir e-mails. Deu erro! De novo sem banda larga! Tentei a página de notícias e não entrou. Então lembrei que não ligara o modem, que faz as vezes de roteador, pois quando meus filhos moravam aqui montei uma pequena rede doméstica para os nosso micros.

Isto me obrigou a subir 467 degraus de escada, fibrilentamente, e ligá-lo. Pela primeira vez, e ainda assim por esse motivo especial, senti saudades de um retorno ao passado, ao tempo em que um micro era apenas um micro no qual você trabalhava, escrevia, jogava e até programava.

Hoje ele é apenas um apêndice de uma grande rede chamada Internet sem a qual, definitivamente, não dá para viver. Não dá!





Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 07/10/2005.
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06/11/2008

Soneto XVI - Quintana

. Mario Quintana








Soneto XVI

................(para Reynaldo Moura)
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Que bom ficar assim, horas inteiras,
Fumando... e olhando as lentas espirais...
Enquanto, fora, cantam os beirais
A baladilha ingênua das goteiras.


E vai a névoa, a bruxa silenciosa,
Transformando a Cidade, mais e mais,
Nessa Londres longínqua, misteriosa
Das poéticas novelas policiais...


Que bom, depois, sair por essas ruas,
Onde os lampiões, com sua luz febrenta,
São sóis enfermos a fingir de luas...


Sair assim (tudo esquecer talvez!)
E ir andando, pela névoa lenta,
Com a displicência de um fantasma inglês.



Mario Quintana
A Rua dos Cataventos
L&PM POCKET,
página 22.
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04/11/2008

POETAS

Florbela Espanca











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Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas.

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!



POESIA de
Florbela Espanca
Trocando Olhares
L&PM Pocket – Volume I
Abril de 2008

Página 23.
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01/11/2008

E O FUTURO DELES...

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ENFRENTANDO O FUTURO DE TRÁS PRÁ FRENTE


Moro num recanto de Porto Alegre desde 1989. A 18 km do Centro. Foi o que deu para comprar, pelo Sistema Financeiro da Habitação, quando cheguei aqui.

O bairro era aprazível e as noites só eram atrapalhadas de madrugada, quando o jornaleiro passava (ele era gordo e pisava tão forte que estremecia os alicerces das casas) ou quando os ônibus começavam a trafegar.

Mudou muito. A sexta-feira traz a insônia dos fins de semana. Uma insônia que não é de ordem médica. Jovens, de todas as idades, em bandos, promovem gritarias, se embebedam, se drogam, gritam impropérios, assobiam e discutem pelas ruas do bairro... Demonstram – e isto é deprimente – que se têm família certamente esta não os apóia. As algazarras atravessam a madrugada. Para essa insônia não há remédio.

Há, até. Mas a advertência que há na bula de alguns medicamentos se aplica aqui: a tolerância, ainda que em outro aspecto.

Não adianta reclamar. Acionar a Polícia significa desforra, mais cedo ou mais tarde. Reclamei, no início, e como resultado recebi prejuízos e pedras que esses pequenos marginais, “meninos e meninas”, como os qualificam a imprensa e os defensores dos direitos humanos, atiraram sobre o meu telhado. Atrapalhei seu direito de fazer bagunça noite adentro, num bairro residencial. Se ajuizarem alguma ação contra mim, por dano moral, é possível que eu seja condenado.

Em Londres, às 22,00 horas, os pubs fecham. Fecham mesmo. Aqui não. Aqui barzinhos e pontos de drogas funcionam 24 horas, a polícia os conhece, mas mesmo que queira não pode fazer algo mais eficaz: falta-lhe condições materiais (e muitas vezes psicológicas) de desenvolver um trabalho eficiente. Os jovens vão se acostumando a essa vida insana.

Qual o futuro deles? Alguns serão marginais: aqueles que, desabituados da forçosa “tolerância” social, que não se estende aos adultos, continuarão sua vidinha de tumultos e bebedeiras e descambarão depois para furtos, roubos e crimes mais graves.

Outros serão marginalizados: tentarão se adaptar às regras sociais, mas sofrerão e viverão frustrados. Colocarão a culpa nos outros – se tiverem capacidade de raciocinar –, principalmente nas elites, por sua vida sem perspectiva. Sem formação, serão subempregados ou jornaleiros (no sentido primeiro do vocábulo).

Pode ser até que algum, num golpe de sorte, faça um cursinho em entidade tipo SENAI, consiga depois um emprego, entre na militância sindical e política e venha a ser presidente da República. Mas esta é uma possibilidade rara. Ao que se sabe, em 502 anos de História do Brasil, aconteceu apenas uma vez. E, pelo jeito, não vai se repetir tão cedo.

Mas há jovens fora deste contexto. Eles, que dormem nas madrugadas sem dispensar o lazer sadio e necessário, é que dominarão os outros. Eles, que agora estudam, aprofundam seus conhecimentos, buscam seu próprio bem estar e se esmeram em se formar em alguma faculdade ou em algum curso técnico, estes conseguirão se impor socialmente e governar – em sentido amplo – o país.

Então serão chamados de elite e culpados pela degenerescência dos outros.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 24/09/2005.
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