26/07/2008

INCURSÃO NO FUTEBOL

MÉXICO X ARGENTINA: A PLATÉIA FOI INTERESSANTE

Não sou fanático por futebol e tenho meus próprios critérios de torcedor ocasional. Já me flagrei, certa ocasião, torcendo contra o Brasil tamanha a debilidade do time adversário, se não me engano um africano. Não gosto de quem tripudia sobre a fraqueza alheia. Tenho uma espécie de compulsão que me leva a torcer pelo mais fraco.

Também não assisto a jogos. No máximo ligo a tevê e fico navegando, vendo os lances mais importantes, principalmente os replays. Os locutores, com seus berros insanos, servem pelo menos para chamar a atenção para isto.

Mas ontem, de ressaca após uma crise de fibrilação, por isto um tanto fraco e indisposto, resolvi me acomodar e ver o jogo entre México e Argentina, pela BandSports, o canal esportivo da Bandeirantes na DirecTV.

Primeiro, a satisfação de fugir ao padrão Globo de qualidade: a histrionice do Galvão Bueno, a insegurança do Cleber Machado, os comentários chatos do Casagrande (que às vezes se esganiça e parece o Barney, dos Flintstones), os atropelos do Falcão que parece desconhecer que na linguagem falada também se usa vírgulas e pontos na forma de pausas mais ou menos longas, o Arnaldo César Coelho defendendo o juiz que assinalou um pênalti inexistente porque, antes, marcara um contra o outro time, o que qualifica de coerência...

O locutor Sílvio Luiz esteve melhor que outras vezes. Suas tiradas estão meio gastas e seu chavões já cansam, mas num jogo de poucos gols, em que não é preciso ouvir a cantoria que então ele faz, até que dá para suportar. O comentarista, cujo nome não gravei, discreto e sem criações mirabolantes, foi muito eficiente. Coloca no chinelo qualquer um desses grandes que enchem o saco nos programas esportivos dominicais.

Mas o jogo foi interessante por outro motivo. Pela Argentina jogou um tal de Coloccini, n.º 16, que distribuía coices e manotaços e parecia um cavalo redomão de crinas mal aparadas. A certa altura agrediu um mexicano acertando-lhe o rosto com os punhos fechados, abrindo-lhe um dos supercílios e forçando sua substituição.

O juiz, um italiano (Roberto Rosetti) deveria tê-lo expulsado imediatamente. Mas, meio banana, aplicou-lhe apenas um cartão amarelo. Uma punição extremamente branda.

Então o público chamou para si a função punitiva. Cada vez que o Coloccini tocava na bola, uma vaia estrepitosa. O jogador foi se encolhendo, fugiu de jogadas importantes, não cometeu mais faltas, se livrava da bola de primeira e literalmente se apagou em campo. Acabou contribuindo para o gol do México, desviando a bola para os fundos de seu próprio gol.

Os espectadores tiveram a atuação mais influente do jogo e aplicaram a pena que o juiz covarde não teve discernimento de aplicar. A vaia foi uma punição eficientíssima.

Sinto muito que no universo social não há como aplicar esse mecanismo. Há magistrados – felizmente não todos – que interpretam a lei com excesso de benevolência e os bandidos, por isto, se sentem encorajados a reiterar atos criminosos, em detrimento de todos nós. Reunir bandidos em praça pública e vaiá-los é impossível. Nem surtiria resultado.

Pena que o Conselho Nacional de Justiça não vai resolver esse problema, que é institucional e depende de leis mais rígidas para ser resolvido. O caminho que se aponta é exatamente o inverso: o ministro da Justiça defende o abrandamento de certas penas porque os presídios estão superlotados.

Já que não podemos vaiar os bandidos em praça pública talvez devêssemos vaiar as autoridades que defendem esse estado de coisas. É mais fácil e viável e talvez dê resultado.



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 27/06/2005.
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19/07/2008

POLTERGEIST - O FENÔMENO

O problema de você assistir a uma comédia é que perde a graça reassisti-la: as piadas e situações engraçadas já são conhecidas e tornam-se absolutamente comuns. É a melhor forma de se transformar uma comédia num drama.

Na minha adolescência, em Taió, eu ia ao cinema sempre que podia. Mas quando era comédia já saía rindo de casa porque sabia que o Lotário iria também. Ele gostava de comédias e quando achava alguma cena engraçada soltava sonoras gargalhadas que contagiavam todos os presentes. A gente achava graça de cenas que poderiam nem ser tão hilárias assim. Ele era mais engraçado que muitas cenas.

Tenho visto poucas comédias e nem que quisesse poderia contar com a participação estimulante do Lotário porque ele morreu, ainda jovem, se não me engano aqui no Rio Grande do Sul, quando trabalhava no Pólo Petroquímico.

Bem. Tudo isto para dizer que ontem revi Poltergeist, O Fenômeno, aquele aterrorizante filme, um dos primeiros do Spielberg, e tive a impressão de que assistia a uma comédia sem graça.

Esse é um dos males de se viver no Brasil. Nossa situação social e política é tão terrificante e sobrenatural que um filme de terror não assusta mais ninguém.

Não lembrava de detalhes porque o vi há muitos anos. Mas sabia que a casa da família assediada fisicamente por espíritos do além fora construída sobre um cemitério.

Não sei porque, mas só depois da casa construída e de a família nela residir há algum tempo é que os mortos se revoltaram. O Spielberg também não explica como é que os fundamentos da casa puderam ser lançados sobre um cemitério com mortos enterrados a sete palmos quando se sabe que micro-estacas ou pilares geralmente exigem acomodação bem mais profunda. Mas isto deixa prá lá.

O filme começa com o The Star Spangled Banner, hino dos Estados Unidos, com toda força, no encerramento da programação da tevê. Uma das vantagens do sistema Dolby Surround é que você ouve o som com uma plenitude até irreal. Logo a menininha, Carol Anne, invoca espíritos que aparecem invisivelmente na telinha. Mais tarde acaba sendo tragada por eles e a tevê passa a ser o meio de comunicação entre a menina e seus desesperados pais, que se valem de uma parapsicóloga e seus assistentes e depois de uma clarividente para puxá-la de volta com uma prosaica corda.

Lamento, mas enquanto assistia, comecei a cochilar e acabei dormindo. Não vi o filme inteiro e não tive ânimo, depois, de voltar o devedê para revê-lo.

Quando acordei a família inteira estava no interior do carro, tentando fugir, a casa desmoronando e desaparecendo sob uma tempestade e efeitos especiais. A fuga foi exitosa e a família se acomodou num motel.

Numa das últimas cenas o pai coloca a televisão na rua. Pudera! Depois de todos os infortúnios era a melhor coisa que poderia fazer.

Talvez seja essa mesmo a mensagem do filme. A televisão não presta nem para crianças nem para adultos. É algo terrível e, a seu modo, aterrorizante. Transmite horrores como Pânico, Gugu, Fausto Silva, Hebe, por aí afora. Stanislaw Ponte Preta dizia que é uma máquina de fazer doidos.

No caso do filme, uma máquina de transmitir mensagens de espíritos loucos do lado de lá para o lado de cá. O que, no fim das contas, é a mesma coisa.


Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi, em 29/06/2005.

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12/07/2008

TAMBÉM QUERO MENSALÃO

Ouvi, hoje, que no Rio de Janeiro, uma universitária recebeu indenização por dano moral por ter sido chamada de “gorda” por um professor de Direito.

Ela saiu da sala, deixou o gravador ligado, e ao voltar percebeu que riam dela. Depois ouviu na gravação que o professor comentou que o gravador representava a inteligência artificial usada para o estudo, enquanto a dona saia da sala para ir à cantina comer alguma coisa e engordar.

Não achei tão ofensivo assim. Foi um comentário infeliz, talvez. Mas atualmente tudo é motivo para exigir reparação a esse título. A cartilha do Nilmário Miranda sobre o politicamente correto foi adotada oficiosamente. Li, até, que os deputados do PL vão entrar com uma ação de indenização por danos imorais, digo, morais, contra o deputado Roberto Jefferson, que os acusou de participar do esquema mensalão.

Aliás, Roberto Jefferson já foi gordo, lembram? Fez uma cirurgia de redução do estômago e emagreceu 60 quilos. Foi seu maior erro. Os gordos são geralmente confiáveis e até por injunção física não podem se dedicar a certas atividades facinorosas com a mesma desenvoltura de um magro.

Nunca julguei um ladrão gordo que tivesse praticado um furto mediante escalada – por exemplo – e os batedores de carteira geralmente também são magros: precisam de preparo físico para correr caso sejam flagrados.

Aliás, condenei um gordinho, certa vez. Ele tentou arrancar a bolsa de uma mulher, que reagiu com a eficiência de toda mulher, isto é, aos gritos, assustando-o. Ele correu e ao atravessar a rua foi pego por um veículo que por acaso era de um Delegado da Polícia Federal... Além de gordo, azarado. O dano maior foi no capô do carro.

Eu sempre fui gordo, desde a infância, e além de gordo, ruivo e sardento. Em resumo, feio! Essas características motivavam gozações de colegas, algumas humilhantes. Se fosse cobrar pelos constrangimentos sofridos estaria riquíssimo.

Certa ocasião voltava da aula, assobiando, e na minha frente iam dois empregados da oficina mecânica de meu pai. Ouvi um dizer alto, após me ver:

– Hoje vai chover. Tem bugio assobiando. E quando bugio assobia na serra é sinal de chuva. Se o bugio é gordo, é trovoada na certa!

Para quem não sabe, bugio é um símio de pêlo avermelhado e aquela observação doeu fundo.

Noutra, ainda, eu tinha vestido calção para jogar futebol e o tio de um colega observou:

– Puta que o pariu! Olha só as pernas desse animal!

Eu era gordo do tipo pícnico e minhas pernas eram muito grossas. Envergonhado, corri para casa e nunca mais usei calção. Desisti do futebol, eu que tinha planos de me profissionalizar. Poderia ter jogado tranqüilamente até à Copa de 1982 e não deixaria o Paulo Rossi fazer o que fez com nossa seleção. O Brasil perdeu um grande jogador. Bem feito!

A obesidade é um problema mais de ordem psicológica do que física na infância e na adolescência. Na universidade eu havia superado esses traumas. Mas nem todos conseguem. Ontem, ainda, o presidente Lula, ao receber o Ronaldinho, usando da sensibilidade paquidérmica que lhe é peculiar, comentou que o atleta está mais gordo que ele... Mais tarde, pronunciando-se a respeito da corrupção galopante no governo, que eclodiu com as denúncias do ex-gordo Roberto Jefferson, disse que, se for preciso, na apuração das irregularidades, “cortará na própria carne”.

Não é preciso, presidente! Um bom programa de reeducação é suficiente para enxugar adiposidades maléficas. Estou falando de reeducação alimentar para emagrecer. Eu emagreci 21 quilos!



Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 08/06/2005.
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05/07/2008

MENSAGEM AO TÚLIO

Há muito tempo prometi uma mensagem para o Túlio, que era freqüentador mais ou menos assíduo do blog. Deixou comentários. Nunca mais se manifestou. Em todos os casos, aqui vai:

Caro Túlio. Meus dois filhos são mais velhos que você. Por isto vou apenas lhe repassar algumas das orientações que passei a eles. É claro que eles fizeram exatamente o contrário daquilo que ensinei. Mesmo assim, talvez até por isto, estão se dando bem, estão bem encaminhados dentro daquilo a que se propuseram e ressalvadas as fases de vida de cada um.

Não acredite naqueles que, com ar professoral, lhe ensinam verdades padrões e definitivas. Por qualquer meio: acadêmico, livros e até por blogues. Procure a sua própria verdade e siga a vida desconfiando de dogmas. Desde o início da vida do homem estamos vindo aos trancos e barrancos e ao sabor do acaso, por mais planejado que seja. Apenas o aperfeiçoamento das coisas é mais ou menos consciente.

Desconfie de quem propaga a própria humildade. Quando alguém inicia um discurso dizendo É com humildade que reconheço... a humildade já foi estropiada. Dizer-se humilde é a mais evidente prova de soberba.

Não creia quando alguém diz: “Fulano é muito inteligente”. Primeiro, porque ainda não se encontrou um meio eficaz de medir a inteligência. Aliás, há dúvidas sérias inclusive quanto àquilo que poderia integrar seu conceito. Depois, é prepotência alguém ser capaz de julgar alguém muito inteligente. Importaria que o julgador fosse mais inteligente do aquele a quem está julgando: só quem é mais inteligente pode julgar a inteligência dos outros.

Nunca busque a felicidade. Primeiro, porque aquele que busca a felicidade é confessadamente infeliz. Ninguém busca o que já tem. A felicidade que os infelizes procuram é utopia. Nossa vida é feita de acontecimentos alegres e de momentos tristes e nem sempre somos capazes de lembrar apenas as coisas boas e esquecer as ruins, como deveria ser, para nosso próprio bem. Aproveite com intensidade os momentos de paz e serenidade que se intercalam entre os momentos tristes de nossa vida, mas que, no final de tudo, é o que conta se não nos esquecemos deles.

Nada na vida é sério. Leve-a com bom humor e sem inquietações. Namorar, casar, ter filhos, tudo isto no início fazia parte da vida como fatos normais e lúdicos. Os homens é que vestiram essas coisas com muita seriedade. Às vezes acho que o amor, nos termos em que existe hoje, foi uma invenção de laboratório. Amor é uma coisa bem menos complicada.

Não espere respostas padronizadas da vida. Não há um código que possamos seguir para viver porque ela é essencialmente dinâmica e ninguém é igual ou semelhante a ninguém. Não é possível codificar a diversidade comportamental. Cada pessoa é uma individualidade própria e auto-suficiente.

Lembre sempre que não existe um período só da História que sirva de exemplo. Toda ela é recheada de horrores e perseguições, de lições nada edificantes de como viver e sobreviver explorando e subjugando o próximo. Talvez, embora longe do ideal, este seja o melhor momento da História da humanidade. Mesmo que não seja, é bom, para nosso bem, que acreditemos que seja. Afinal, precisamos cultivar com serenidade essa bendita teimosia que faz que com que a raça humana sobreviva e não esteja em extinção. Ainda.

Finalmente, leia poesia. Ela agrada ao espírito e os poetas quase sempre dizem coisas mais importantes que os cientistas. Guilherme de Almeida, o príncipe dos poetas brasileiros, terminou um poema dizendo: Caminha e esquece.

Faça isto. Inclusive – e principalmente – em relação ao que foi escrito aqui.

Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi, em 27/05/1005.

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