26/01/2008

LIÇÃO DE AUTO-AJUDA

Há algum tempo me telefonou um amigo mais velho. Dois de seus velhos companheiros haviam morrido em pouco tempo.

— Estou preocupado — me disse.

Solícito, tentei confortá-lo dizendo que não se preocupasse, que apesar de ele ter tido apenas três enfartes, estava forte, seguindo mais ou menos o tratamento médico e que iria viver muito ainda. Os três maços de cigarro e o litro de uísque que devorava por dia, na idade dele, já não fariam muita diferença. Retrucou-me:

— Não! Estou preocupado é contigo. São os meus amigos que estão se indo, está pipocando ao meu redor.

A conversa acabou numa boa gargalhada. O meu amigo é muito espirituoso.

A Fibrilini está aqui. Ontem já havia sentido no ar o seu perfume, Digoxina n.º 5 — se não me engano a Marilyn Monroe dormia com algo parecido.

Aos meus amigos: não há motivos para muita preocupação, embora ninguém possa me dar a certeza, por exemplo, de que terei tempo de terminar e postar este texto. Meu caso não é dos mais graves e sei de gente que há muito tempo sofre da mesma coisa. O Sérgio Reis, ao que parece, e um jornalista do Roda Viva, da TV Cultura, Paulo Markun. Aos meus inimigos: lamento!

Ultimamente a Fibrilini me visita mais amiúde. Isto significa, pelo que entendo, a proximidade da cronificação. Um dia ela virá e não mais sairá. Ter uma amante crônica deve ser muito estranho.

No início até livros de auto-ajuda eu li. Fiz cursos de controle mental. Sempre se relacionou o meu problema à tensão emocional. Na verdade é um foco elétrico ectópico que insiste em se sobrepor ao nódulo sinusal, que comanda o ritmo cardíaco. Exemplificando: é um Zé Dirceu se impondo ao Lula na condução deste pais.

Por isto o Brasil está arrítmico. Aliás, o Leonardo Boff disse que a
Terra está arrítmica. Então desculpem a falta de modéstia: vocês, que têm seus corações batendo normalmente, estão doentes. Eu sou saudável, pois acompanho o ritmo da Terra e deveria ser feliz por isto. Mas, às vezes, umas lágrimas teimosas insistem em rolar, caio em depressão, principalmente quando me pergunto: por que eu?

Acabei detestando (não o Lula, ou melhor, não estou me referindo ao Lula ou ao Leonardo Boff, mas aos livros de auto-ajuda). Mas, vamos convir que eles dizem alguma coisa certa também. Por exemplo: não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje.

Mas isto a avó do Arnaldo Jabor já dizia. As minhas também. Minha mãe e dezenas de professores. Mas os livros de auto-ajuda fazem a exortação com uma solenidade tão primorosa que a gente acaba acreditando mais nos próprios familiares mesmo.

Mas é um sábio ensinamento. Por exemplo: sempre gostei de uísque com água de coco. Mas amigos entendedores diziam que isto era um sacrilégio. Sempre o tomei puro, sacrificando meu gosto pela pureza do uísque. Deveria ter misturado. Agora, com a influência que o álcool tem sobre minha fibrilação, já não posso beber. Deixei de libar uma das coisas que gostava. Uísque puro é muito forte.

Não sou nenhum Paulo Coelho, graças a Deus, mas se você tiver vontade de fazer algo que outros considerem um sacrilégio, um crime de lesa-majestade, faça. Se você gosta de cachaça com alho, por exemplo, tome. Além de tudo é um santo remédio contra a gripe.

Mas não exagere no alho. Uma vez exagerei: ingeri dois litros de água de coco com 50 ml de uísque. Como a água de coco tem muito potássio, fez mais mal que o uísque. Minha pressão subiu. Oi foi o gelo.

Pela minha experiência de vida anterior, embora tenha sido sempre um bebericador doméstico e de fim-de-semana, nada palaciano, posso assegurar que, por exemplo, numa caipirinha, o gelo faz muito mais mal do que a cachaça, o limão e o açúcar.


Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 15/12/2004.
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19/01/2008

AS APARÊNCIAS ENGANAM

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O sistema registral brasileiro privilegia o ramo familiar do homem e prejudica o da mulher, que aos poucos vai perdendo seu senso de origem. Mantém-se o patronímico do marido, que passa a ser o familiar, e as raízes maternas vão se perdendo no tempo.

Se fosse o contrário, como nos países de língua espanhola, aconteceria o inverso. As raízes masculinas é que se perderiam.

Não se trata de definir quem tem mais ou menos importância nem existe uma solução para o problema. Se fossem mantidos todos os sobrenomes, masculinos e femininos, um livro acabaria sendo pequeno apenas para a grafia de um nome mais os patronímicos originais.

Há algumas desvantagens. Os homens conservarão o nome do pai e o transmitirão aos filhos e filhas. Os filhos carregarão sempre o mesmo sobrenome e estigmas que ele atrair. Assim, se algum deles fizer alguma besteira maior seus descendentes serão marcados para sempre:

– Olha lá! Aquele é um daqueles Dellandréa que votou no Lula em 2002, lembra?

Com as mulheres isto não necessariamente acontece, pois podem adotar os apelidos do marido ou permanecer com os seus, originais, mesmo casando.

Mas o sistema pode gerar distorções graves. Examine, por favor, seus quatro costados, isto é, a origem de seus avós paternos e maternos. Por detrás de um blasfemo e sangüíneo italiano pode se esconder um teimoso e beligerante alemão. E ainda, infiltrado, algum malemolente sangue índio, negro ou português. Ou de outra fonte.

Sou obrigado a falar de mim porque sou o meu melhor – e pior – exemplo e principal referencial. Apesar de me conhecer muito pouco, ainda sou a pessoa do mundo a quem mais conheço. Sou a única com quem convivo desde que nasci.

Meus avós maternos são de origem alemã: Althoff e Schweitzer, de Alfredo Wagner (no tempo deles se chamava Barracão). Os paternos são Cordeiro e Dellandréa. Se houvesse uma distribuição eqüitativa da vertente sangüínea nas minhas veias e artérias eu seria 50% alemão, 25% brasileiro (pêlo duro, como se diz aqui) e apenas 25% italiano (trentino, para ser mais exato), que é o sobrenome que carrego.

Eu, para resguardar minhas origens conhecidas, deveria me chamar Ilton Althoff Schweitzer Cordeiro Dellandréa. A Ieda, Ieda Dörner Feuser Rodriguez Fernandes. E nossos filhos? Como a Ieda não tem nada de italiano, é 50% alemã e 50% brasileira, ou espanhola, ou portuguesa (esqueci de fazer um levantamento mais acurado quando comecei a namorá-la), há neles uma redução drástica do nível sangüíneo italiano.

Eles têm 50% de sangue alemão, 37,5% de sangue brasileiro e apenas 12,5% de sangue italiano... E o sobrenome.

E os nomes deles? A Clarissa se chamaria Clarissa Dörner Feuser Rodriguez Fernandes Althoff Schweitzer Cordeiro Dellandréa. O Francisco, que já tem um nome quilométrico (Francisco Fernando Fernandes Dellandréa), se chamaria Francisco Dörner Feuser Rodriguez Fernandes Althoff Schweitzer Cordeiro Dellandréa. Eu caparia o Fernando para encurtar um pouco. Isto é, retiraria o segundo nome (Fernando) do nome dele. Isto para ficar só com os nossos (dos pais deles) quatro costados.

Talvez seja por isto que eu, às vezes, nos diálogos comigo mesmo, não me entendo direito. Nem é bom que meus filhos saibam disso tudo. É tanto atravessamento que há o risco de eles se entenderem menos ainda.

Mas a situação de maior perplexidade é a da Ieda, que não tem culpa de nada, e pelo sobrenome que adotou quando casou comigo é, para todos os efeitos... italiana. Ou trentina, para ser mais exato.

E nossos antepassados remotos podem ter até guerreado em lados opostos quando da unificação da Itália.




Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 24/11/2004.
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17/01/2008

TERRA SANTA?

A morte do líder palestino Iasser Arafat me instiga a pensar naquele cantão do Oriente Médio chamado Terra Santa. Judeus e árabes, dentre estes mais especialmente os palestinos, o consideram uma terra sagrada.

Mas não adianta a terra ser sagrada se os homens que a habitam não se toleram, não se aceitam, pregam a destruição uns dos outros, vivem em guerra constante e não declarada, em que pedras servem de armas contra tanques, crianças morrem sem a possibilidade de vir a ser e o terrorismo provém de ambos os lados, oficial ou não.

Terra santa?

A unção com que foi consagrada já deve ter sido lavada pelo sangue de inocentes, de ambos os lados, que jorrou e continua jorrando dos mártires anônimos inocentes que morrem sob métodos aprimorados de matar e que demonstram que barbárie e tecnologia são dois termos perfeitamente atuais e adaptáveis um ao outro.

Os rastros dos santos e profetas que passaram por lá foram também lavados e apagados pela fumaça das bombas, pela poeira da destruição, pelos entulhos dos prédios e santuários demolidos, pelas esteiras dos tanques, pelos estilhaços das granadas e dos mísseis.

O pensamento e a filosofia dos sábios e dos profetas estão apenas nos livros e os livros estão fechados. Na alma dos homens não calam conceitos de paz e tolerância porque as porteiras da mente também estão fechadas.

Uma terra, para ser sagrada, necessita do cultivo contínuo da santidade dos antepassados através da compreensão dos que dela fazem morada hoje.

As sandálias que a pisam devem ser limpas e puras.

A humildade e a tolerância devem iluminar a mente dos que administram o destino das gentes que a habitam e seus pensamentos devem ser dirigidos pela santidade e para a paz.

A terra não é mais santa quando os profetas são profanos e profanadores.




Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi em 11/11/2004,
logo após a morte do líder palestino Iasser Arafat.
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10/01/2008

UM FOTOTESTE...



Para salientar meu imenso sentimento de pura brasilidade vou aprioristicamente refugando responsabilidades. Sou muito volúvel. Se não fosse a Cora Rónai elogiar o Picasa e o Damião postar os seus fototestes, juro que não faria esta – digamos – rateada. Primeiro porque não é bem o meu estilo. Segundo porque não ganho tanto quanto o Ratinho para exibir esse tipo de apelação. Definitivamente, não é minha culpa.

O Picasa eu tinha acessado antes, no Blogspot. Baixei-o e o instalei, mas como sou inseguro com novidades, desinstalei antes de usar. Depois que a Cora, uma especialista, o abençoou, reinstalei-o e concluí que é realmente um ótimo programa. Andou, numa tarde de vento minuano, misturando pastas, tive que desinstalá-lo e reinstalá-lo, mas não alterou os arquivos de imagens do HD.

Com ele descobri fotos que jamais supunha existir.

Essa aí em cima, por exemplo.

Primeiro pensei que tivesse sido plantada no meu micro por algum site de pornografia, mas é muito pudica para isto. E verificando pelo nome do arquivo percebi que foi batida pela minha semi-aposentada Mavica, no Espírito Santo. O número de seqüência é uma prova irrefutável.

Mas não sei quem a bateu.

A Ieda não foi. Eu também não.

O Francisco jura de pés juntos que não foi ele. Como a foto abaixo é dos seus próprios pés (dele) e se consegue visualizá-los, suponho que está sendo sincero.
Mas isto não importa. Alguém bateu e ela esta aí.

Por isto aproveito para propor um fototeste, como faz o Damião com as fotos antigas de Florianópolis. Mas com direito a prêmio...

Aquela que se reconhecer e se identificar como sendo a fotografada ganhará uma caixa de chocolates de Gramado, igual à que enviei para a
Tell.

A comprovação tem que ser convincente. Como tenho falado muito em familiares, por estes dias, fica vedada a participação dos mesmos. Aqui o censor sou eu. Pelo menos aqui. Não conheço todas as bundas da família, embora as conheça mais que a minha, cujo acesso visual é uma impossibilidade física (e quando a vejo no espelho a imagem é invertida), mas tenho certeza de que não é familiar.


Uma dica: pela seqüência dos nomes dos arquivos as duas fotos foram batidas em Guarapari-ES, defronte à Cantina do Curuca, em setembro de 2003.



Publicada originalmente no Jus Sperniandi,
em 27/10/2004.

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06/01/2008

OS CARDEAIS

Elton Saldanha



Não chora menina, não chora
porque foram-se os cardeais.
Se cantavam na prisão
campo afora cantam mais.

Tanta gente anda vagando
sem saber onde pousar,
mas as aves só voando
é que podem se encontrar.

Você ainda não sabe
o que cabe nessa paz:
quando a gente abre as asas
nunca mais, nunca mais.


Era tão triste, menina,
não tinha aceno este cais.
Na despedida eram dois,
depois, depois serão mais.

A gaiola abriu as asas,
porque até a prisão se trai,
e o campo se fez casa
para o canto dos cardeais.

Você ainda não sabe
o que cabe nessa paz:
quando a gente abre as asas
nunca mais, nunca mais.


Tinham as asas de punhais
e levavam os olhos em brasa.
É por isso que estes pássaros
sempre fogem e voltam pra casa.
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