31/12/2007

24/12/2007

FELIZ NATAL



Todos de nossa família fazemos votos de que você tenha um Natal sereno e tranqüilo, na medida em que possa sê-lo.

Não a falsa alegria provocada pelo uísque ou pela cerveja que a gente toma para fingir que está tudo bem.

Mas a paz dos momentos alegres que se intercalam entre os fatos tristes de nossas vidas e que, no fim das contas, são os que valem, se tivermos a capacidade de não nos esquecer deles.

23/12/2007

UMA LENDA

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A lenda que segue ouvi há muito tempo em algum curso de controle mental, ou algo parecido, e no Natal de 1999 — quando ainda não tinha blog — a montei caprichosamente na forma de um artigo .pps e a enviei para meus amigos.

A redação é minha. Mas a lenda é antiga. Passo-a como dela recordei há oito anos.

Muito antigamente, aí pelos tempos de Cristo, quando os moradores das cidades se abasteciam das fontes, de uma delas, na entrada de uma vila, cuidava um velhinho. Ali chegou um filósofo exausto e sentou-se para descansar.

Pouco depois chegou um viajante, bebeu da fonte, e perguntou ao velhinho se aquela cidade era boa para se viver.

O velhinho respondeu que era uma cidade normal e indagou do viajante como era a cidade de onde ele provinha.

Ele disse cobras e lagartos a respeito, referiu se tratar de um povo sovina, maledicente e ruim, e que por isto ele estava saindo de lá.

— Pois esta cidade aqui é exatamente igual àquela de onde você vem - respondeu o velhinho.

E o viajante seguiu viagem, revoltado.

Algum tempo depois, outro viajante chegou e fez a mesma pergunta e em resposta obteve a mesma indagação do velhinho: como era a cidade de onde provinha?

O segundo viajante respondeu que era um ótimo lugar para viver, que as pessoas eram honestas, gentis e cordatas e que ele estava saindo dela a contragosto, premido por circunstâncias pessoais.

— Pois esta cidade aqui é exatamente igual àquela de onde você vem - respondeu o velhinho.

E o viajante seguiu para a cidade, contente.

O filósofo, que ouvira tudo, quis saber do velhinho porque para duas perguntas iguais ele dera respostas tão diferentes.

Ele respondeu o óbvio: as pessoas são aquilo que a gente quer que elas sejam, as cidades são todas iguais e gostar delas depende da forma que a gente as enfrente, pois está dentro de cada um a possibilidade de fazer seu ambiente.


Resolvi transcrevê-la aqui não por transmitir alguma grande verdade filosófica. Mas, vamos dizer, uma pequena lição de vida.

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21/12/2007

NÃO VENHAS

[591] — 28-8-1927

Fernando Pessoa










NÃO VENHAS sentar-te à minha frente, nem a meu lado;
Não venhas falar, nem sorrir.
Estou cansado de tudo, estou cansado
Quero só dormir.

Dormir até acordado, sonhando
Ou até sem sonhar,
Mas envolto num vago abandono brando
A não ter que pensar.

Nunca soube querer, nunca soube sentir, até
Pensar não foi certo em mim.
Deitei fora entre urtigas o que era a minha fé,
Escrevi numa página em branco, "Fim".

As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,
Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro.
Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,
Mas nunca encontrei parceiro.

Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales.
Só quero dormir, uma morte que seja
Uma coisa que me não rale nem com que tu rales —
Que ninguém deseja nem não deseja.

Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo
As esperanças e ambições que tive,
E hoje sou apenas um suicídio tardo,
Um desejo de dormir que ainda vive.

Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,
Como um barco abandonado,
Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma
Sem se lhe saber o passado.

E o comandante do navio que segue deveras
Entrevê na distância do mar
O fim do último representante das galeras,
Que não sabia nadar.





Fernando Pessoa
Poesias Coligidas — Inéditas (1919-1935)
in Fernando Pessoa,
Obra Poética, página 509,
Companhia José Aguilar Editora (1974).
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16/12/2007

MÃOS


Há muita gente que sente atração sexual por pés.

Eu gosto de mãos. Elas me atraem mas posso dizer com absoluta certeza de que não se trata de fetichismo, pelo menos de ordem sexual.

As mãos me comovem. Principalmente as mãos pequenas que surgem, naturalmente, de mangas largas, o que lhes acentua a delicadeza.

A revista IstoÉ n.º 1831, de 10/11/2004, traz a foto de uma menina segurando uma vela para Arafat. A menina é linda, a foto é muito bonita, mas aquelas mãozinhas pequenas estendendo-se além de pesadas mangas largas é que me causam maior emoção.

As mãos da Mona Lisa, por exemplo, que publiquei recentemente aqui. São belíssimas. Quem quiser que fique com o seu sorriso meio idiota. Eu fico com as mãos.

Uma das fotos de minha filha que mais gosto é aquela em que ela está com o marido no cume do vulcão Villarrica, no Chile. Publiquei
aqui. Ambos estão mascarados e vocês só sabem que são minha filha e genro porque estou dizendo.




Mas reparem nos detalhes das mãos: ela, aconchegada a ele, a mão pequena junto ao seu corpo, como que pedindo proteção especial. E a manopla dele amparando-a, formando um contraste tranqüilo e que transmite segurança e serenidade.

Há duas fotos dela, quando pequena, que também gosto muito. Numa ela tinha uns três meses e está no colo da Ieda. Noutra, com uns cinco anos, debruçada no espaldar de um sofá.




Aqui em casa há ainda as mãos da Ieda, que pinta com delicadeza seus quadros que já espalhei por aí, neste blog. E as mãos do meu filho que toca piano e enche de sonoridade a casa e a vizinhança.




Chego a gostar narcisisticamente das minhas, pequenas, gordas e sardentas e com polegares indesculpavelmente atrofiados. Mas são as únicas que tenho.

Perdão àqueles que sentem atração, afetiva ou sexual, por pés. As mãos são muito mais comovedoras.

Mas para que não me tachem de parcial e para satisfazer a concupiscência daqueles apaixonados por pés deixo, abaixo, um detalhe de um quadro pintado pelas mãos da Ieda. Ele pode ser visto, inteiro, no Espelho sem Aço.






Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 13/11/2004.
A primeira foto é de Richard Harbus / EFE.

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14/12/2007

SE...

de Rudyard Kipling
(tradução de Alcântara Machado)




Se puderes guardar o sangue frio diante
de quem fora de si te acusar; e, no instante
em que duvidem do teu ânimo e firmeza,
tu puderes ter fé na própria fortaleza,
sem desprezar contudo a desconfiança alheia...

Se tu puderes não odiar a quem te odeia
nem pagar com a calúnia a quem te calunia,
sem que tires daí motivos de ufania;
sonhar, sem permitir que o sonho te domine;
pensar, sem que em pensar tua ambição se confirme;
e esperar sempre e sempre, infatigavelmente...

Se com o mesmo sereno olhar indiferente
puderes encarar a Derrota e a Vitória,
como embustes que são da fortuna ilusória;
e estóico suportar que intrigas e mentiras
deturpem a palavra honesta que profiras...

Se puderes, ao ver em pedaços destruída
pela sorte maldosa, a obra de tua vida,
tomar de novo a ferramenta desgastada
e sem queixumes vãos, recomeçar do nada...

Se, tendo loucamente arriscado e perdido
tudo o quanto era teu, num só lance atrevido,
tu puderes voltar à faina ingrata e dura,
sem aludir jamais à sinistra aventura...

Se tu puderes coração, músculos, nervos,
reduzir da Vontade à condição de servos,
que, embora exaustos, lhe obedeçam ao comando...

Se, andando a par dos reis e com os grandes lidando,
puderes conservar a naturalidade,
e no meio da turba a personalidade;
impávido afrontar adulações, engodos,
opressões; merecer a confiança de todos,
sem que possas contar, todavia, contigo,
incondicionalmente o teu melhor amigo...

Se, de cada minuto os sessenta segundos,
tu puderes tornar com o teu suor fecundos...
a Terra será tua, e os bens que se não somem,
e, o que é melhor, meu filho, então serás um Homem!


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09/12/2007

MERAS CASUALIDADES...

Há certos detalhes da vida que fazem, ou pelo menos permitem, pensar e sorrir. Há alguma coisa assim no casamento da Ieda e meu. Ou dela comigo, ou o contrário. Acho que é dela comigo, porque quando eu apenas iniciava falar de namoro — levei uns dois meses para conquistá-la — ela, que sempre foi muito objetiva e prática, já pensava em casamento e filhos... Quando percebi estava casado. Mas esta é outra história.

É claro que, para o sucedido, tem muita importância o fato de sermos originários de uma cidade, Taió, que naquela época era ainda menor que hoje. Todo mundo se conhecia.

Nos tempos da juventude de nossos pais era ainda menor, mas menor do que aquilo é quase impossível admitir que pudesse ser, embora não estivéssemos lá para conferir.

Mas em determinadas épocas da vida deles, antes de se casarem, meu pai namorou a mãe da Ieda e o pai da Ieda, por sua vez, namorou minha mãe. Todos eram meio dançadores — naquele tempo quem não o fosse tinha chances enormes de permanecer solteiro — e havia bailes e domingueiras nos quais os jovens se encontravam. Desses encontros surgiam esses namoricos.

Não foram namoros daqueles que prenunciavam a superveniência de um casamento até que a morte os separasse, mas apenas flertes, bem mais comportados e comedidos do que os ficar de hoje. Naquele tempo flertes e namoros eram — digamos — mais respeitosos, para usar termo da época.

Mas houve alguma coisa entre eles, alguma química — já usando um termo mais atual — que provocou esses namoros de través.

Há outra circunstância também interessante.

Minha mãe trabalhava com um tio meu, casado com uma de suas irmãs mais velhas, num pequeno negócio de secos e molhados que ele mantinha na parte frontal da residência. Foi lá que meu pai conheceu minha mãe, depois namoraram e casaram.

Anos mais tarde os pais da Ieda moraram naquela casa, por pouco tempo, mas o suficiente para que eu a conhecesse e passasse a namorar com ela. Então, na mesma casa em que meu pai conheceu minha mãe eu conheci a Ieda...

Haverá algum desígnio enigmaticamente superior que dirigiu aqueles pontos de luz (nossos pais) e suas linhas de vida em intersecções atravessadas que depois se desfizeram, se refizeram nos limites dos dois casais que casaram e geraram, entre outros, dois filhos que um dia se encontraram, casaram, e tiveram seus próprios filhos?

Seria isto uma continuidade da química afetiva que uma vez os atraiu, primeiro provisoriamente, depois, alterados os sujeitos da relação, com definitividade, ou são detalhes que podem ser jogados na vala comum do acaso?

Eu não sei explicar essas casualidades. Talvez a
Giorgia... Sou bastante cético e acho mais simples crer que foi mera coincidência.

Pode não ser nada transcendental, mas pelo menos é um tema agradável a ser discutido numa roda de amigos quando, depois de esgotados os assuntos fúteis, aquele silêncio constrangedor cai estrondosamente no ambiente e as mentes, obliteradas pelo vinho, a censura de guarda baixa, permitem falar de coisas sérias.

E se aquela casa em que a gente se conheceu ainda estivesse lá eu a compraria. Ah, compraria! Desde que, antes, ganhasse na mega-sena.

Mas ela foi demolida e ergueram no local um posto de gasolina. Não poderia ser mais desestimulante. Só o combustível me interessaria. O posto não.




Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 11/10/2004.

01/12/2007

APRECIE COM MODERAÇÃO

Ontem, para comemorar o fato de não termos mais crianças em casa, demos um presentinho para o Francisco, que tem 19 anos, e depois voltamos ao quarto para chorar. Quando as crianças crescem mais do que os pais se comemora assim.

Depois, conformados, telefonamos para uns casais, daqueles que compartilham a mesma situação estrutural, para tomarmos alguma coisa e esquecer que estamos transpondo a ponte do Tempo. O pior é constatar que o trajeto é mais extenso às nossas costas do que à frente. A ponte é pênsil, as travessas vão rompendo a cada pisada, e não se tem como voltar.

Estamos numa fase em que somos muitos velhos para ter filhos pequenos e muitos jovens para ter netos, embora a Clarissa, se quisesse, já poderia ter uns dois ou três filhos. Sei não, Tibério (Tibério é o marido dela). Às vezes imagino que devêssemos educar os filhos com menos ponderação. Ela pretende antes se estabelecer bem na vida. Se nós tivéssemos pensado assim ela ainda não teria nascido. Nem o Francisco.

Os amigos chegaram – graças a Deus, porque este papo estava se tornando muito lamentoso –, passamos numa revendedora de bebidas, compramos um barril de chope, e fomos para a sede campestre da AJURIS. Sempre fui muito consciencioso e atendo aos apelos cívicos com muita abnegação. Por isto chamei a atenção de todo o mundo:

– Aqui, ó! – estou ficando meio agauchado – Não se esqueçam da orientação do Ministério da Saúde: apreciem com moderação.

Os anúncios de determinada cerveja, após sugerirem autênticas bebedeiras, terminam com essa cândida mensagem, ditada por ordem legal: aprecie com moderação.

Um ou dois torceram o nariz. Estávamos em oito. Nenhum dos demais era ou fora juiz. Juízes geralmente são muito chatos quando se reúnem, só falam de direito, justiça e processos. Alguém murmurou “ele está aposentado, mas vive cagando regras como se fosse juiz e nós réus”. Eu não ouvi nada.

Acomodamos a serpentina com gelo e sangramos o barril enquanto na churrasqueira preparava-se o salsichão. É! Depois de 22 anos de convivência sou obrigado a reconhecer: estou me agauchando mesmo. Mesmo assim, não entendo porque o gaúcho chama uma lingüiça anã de salsichão. Além de desprezar a natureza componencial do recheio usa um aumentativo para indicar uma coisa pequena. Vou pensar nisto com mais profundidade outro dia. Em Santa Catarina, pelo menos em Taió, dizemos “lingüicinha”, com maior propriedade.

Filosofamos um pouco, no início, mas logo veio a euforia e concluímos que casais sem filhos pequenos e ainda sem netos não passam de crianças. Então aquele era o nosso dia, nos alegramos, e aproveitamos para festar. Pelas 16,00 horas o barril secou.

O chope não era dos melhores. Por isto, embora tivéssemos bebido tudo, o apreciamos apenas com moderação e nos orgulhamos por ter obedecido à sábia orientação do Ministério da Saúde.

“Aprecie com moderação” não é uma exortação a que você beba menos, mas sim a que você aprecie menos, mesmo bebendo bastante. Ou tudo. Embora aparente, não há contradição alguma.



Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 13/10/2004, um dia depois do Dia da Criança.