31/10/2007

SONHOS, de Akira Kurosawa

Há filmes mais ou menos marcantes e isto depende muito da personalidade e do sentimento de cada um.

Quando vi SONHOS, de Akira Kurosawa, meus conceitos sobre a sétima arte se alteraram profundamente e percebi, com muita clareza, que Hollywood é principalmente uma fábrica de filmes e não de cinema.

Dividido em oito episódios, nem todos guardam a mesma qualidade e um ou dois, mesmo, chegam às raias da pieguice (como Monte Fuji em Vermelho, sobre explosões nucleares tendo como fundo o Monte Fuji). Mas não deixa de ser um alerta sobre uma possibilidade chocante e, esta sim, nada piegas.

O Pomar de Pêssegos é uma instigante incursão nos mistérios da mente infantil: um menino febril segue uma menina que não existe, mas que viu na companhia de suas irmãs, e chega aos fundos da residência onde outrora existia uma plantação de pêssegos, derrubada pela família, e é julgado pelos espíritos das árvores...

É um verdadeiro achado, no capítulo Corvos, sobre Van Gogh, a justificativa do pintor sobre a extirpação da própria orelha, e que demonstra, na visão do diretor, que todo o sacrifício é válido por amor à arte.

A poesia de O Povoado dos Moinhos é comovedora e a fotografia e a própria música sobressaem — principalmente uma, singela e percussiva, que abrilhanta um funeral sereno e festivo, incompreensível para os ocidentais —, talvez superiores mesmo aos diálogos, nem por isto menos importantes. Cinema é uma arte visual e as tomadas dessa seqüência são magníficas.

Mas o episódio mais inquietante e profundo é, a meu ver, O Túnel, sobre o soldado que, a caminho do lar de seus pais, precisa ser convencido de que, com seus companheiros, foi morto numa batalha em que o único sobrevivente foi seu comandante.

Poderá haver algo mais aterrador do que alguém precisar ser convencido de que está morto?




Publicado originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 19/06/2004.

28/10/2007

DAIANE E OS CHORÕES

Noutro dia estava defronte à tv manuseando esse aparelho que, sem dúvida nenhuma, é um dos mais importantes da era da comunicação de massas: o controle remoto.

Vi o Alexandre Frota chorando. Não sei porque, pois mudei de canal. Mas imagino que tenha feito alguma coisa do mal, senão não faria sentido. O pranto, em certas fachadas, soa surrealista como a maquiagem triste na cara alegre de um palhaço.

Noutra ocasião vi o Romário lacrimejando. Também ignoro os motivos. Acho que foi por não ter sido, mais uma vez e injustamente, segundo ele, convocado para a seleção. Foi na Globo.

O Pelé é um chorão contumaz. Não pode ver um microfone que já vai se debulhando. Se eu fosse um comediante impediria o Pelé de entrar nos meus shows. Acho que até piadas lhe provocam lágrimas.

Não há nada que desabone a dignidade de um homem que chora, independentemente de sua corporatura. Mas não é preciso chorar sempre ou por ninharia. Isto desmoraliza o instituto emocional do pranto.

Já a nossa querida Daiane, que teria motivos muito mais do que os desses aí somados, não vai chorar. Não por falta de provocações. Numa entrevista ela foi tetra-assediada (veja aqui).

Acho que o assédio lacrimal, assim como o sexual, deveria ser elevado à categoria de crime. Ou, pelo menos, de contravenção – sem querer, obviamente, censurar a imprensa.

Mas ela desenganou repórteres de rapina lacrimal:

"Eu não entendo essa coisa de chorar. Claro que fiquei com raiva. Você acha que não fiquei com raiva? Não foi raiva de ninguém, mas de mim mesma: poxa, quem errou fui eu. Eu sabia que poderia ter conseguido e não consegui uma medalha. E você sabe o quanto isso é importante não só para você, mas para milhares de pessoas que estão te assistindo e milhares de pessoas que trabalharam com você. Mas, mais importante do que para todo mundo, é para você que treinou. Imagine como você se sente, se poderia ter sido campeã olímpica e não foi? Óbvio, eu poderia ter me derretido chorando, mas não, não chorei. (...) Estou com muita raiva mesmo, estou puta da cara porque não consegui, mas não vou chorar, e acho que é mais porque as pessoas querem que eu chore. E eu não vou chorar e acabou".

Ela mede só 1,45 m. Mas cresce alguns metros quando dá essas lições. Atentem: ela vai fazer escola e ser logo imitada...

Disso tudo, temo duas coisas: que o Lula edite uma medida provisória obrigando-a a chorar ou que seja colocada no limbo e não mais entrevistada. Como disse outro dia, a televisão não gosta de gente autêntica. Na busca do emocionar, emocionar e emocionar o objeto do repórter tem que derramar lágrimas.

Para evitar isto, sugiro que o próximo entrevistador a assediar a Daiane use um microfone com essência bem forte de cebola. Talvez então ela chore, ainda que não naturalmente.

Se o repórter também chorar a emoção será dobrada. Quem sabe renda pontos no ibope e abra caminho para uma nova modalidade midiática: o choro conjunto e participativo. Entrevistador e entrevistado poderiam se abraçar e chorar copiosamente.

Haja coração!

Se acatarem a idéia, dispenso os royalties. Hoje estou muito generoso e disposto a colaborar desprendidamente para o sucesso alheio.



Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 28/08/2004.

25/10/2007

OUTROS terão...

[552] - 13-1-1920
Fernando Pessoa



OUTROS terão
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.

A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real. Não chega nunca a vez
Para mim.

“Que importa?”
Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio.

“Quem tem de ser?”
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece.

Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.




Fernando Pessoa
Poesias Coligidas – Inéditas (1919-1935)
in Fernando Pessoa,
Obra Poética, página 494,
Companhia José Aguilar Editora (1974).

21/10/2007

Uma História de Vida?

Eu nasci em junho e entrei na aula com seis anos. Sempre fui muito estudioso. No segundo ano do Primário tirei o 1.º lugar do colégio inteiro e recebi, como prêmios, o direito de assinar o Livro de Ouro e o livro Ben-Hur em edição condensada.

Os professores me elogiavam e os que ainda vivem devem estar frustrados com minhas realizações. Sei que esperavam muito mais. Como disse outro dia, eu poderia ter sido presidente da República, mas – e olho para as mãos – continuo com os dez dedos íntegros.

Num aspecto a vida me acostumou mal: fui, por muitos anos, sempre o aluno mais novo da turma.

Completei o 4.º ano com 10 anos e tive que cursar o 5.º, ou Admissão, porque só poderia entrar no Ginásio com 11 completos. Por sugestão de um inspetor escolar meu pai me internou no Colégio Dom Bosco, de Rio do Sul. No 1.º ano do Ginásio lá estava como o mais novo da classe.

Mas no 2.º, a decepção. Vi quando ele entrou na sala. Uma criaturazinha desprezível, pequena, cara de rato branco, raquítica. Logo pensei: é mais novo do que eu. E era. Foi a primeira frustração de minha vida. Depois descobri que ele nascera apenas 9 dias antes de mim. Certamente um prematuro. Nem fiz bem o restante do Ginásio, apenas o suficiente para passar.

Já no Magistério voltei a me aplicar, até para impressionar a Ieda, que estudava comigo. Elaborei um jornalzinho mimeografado que não passou da segunda edição porque critiquei o Prefeito Municipal que queria expulsar a ACARESC de Taió. Quase que o expulso fui eu. Até meu pai foi contra mim. Meu pai nunca quis que eu fosse advogado ou aviador. Fui advogado. Talvez tenha sido uma vingança inconsciente.

Na Faculdade de Direito era um dos mais novos. Nada demais. Lembro dos mais velhos, uns policiais federais que – comentava-se à boca pequena, mas pequena mesmo – entravam na universidade sem prestar Vestibular. Não sei se para aprimorar seus conhecimentos humanísticos ou para vigiar a política estudantil da época. No Básico estudou comigo um elemento perigosíssimo, terrorista cruel e visionário que já fora preso em Ibiúna. Depois se formou em História, foi professor da UFSC, candidato a senador e hoje é aposentado e tem casa na Barra da Lagoa. Mas, pelo que sei, não anda por lá de sunga de crochê. Acho que ele era vigiado de perto.

Formado, de volta a Taió, fui o advogado mais novo da Comarca. Mas então não considerava isto uma honra expressiva porque éramos apenas três...

Quando ingressei na Magistratura era um dos mais jovens juízes do Estado. Então algo foi mudando. Ser juiz seria a minha vida. Findou a era da provisoriedade e chegou a do definitivo. Em poucos anos havia dezenas de juízes mais novos. Comecei a envelhecer.

Foi duro, como desembargador, descobrir que, depois de algum tempo, não passava de uma mera expectativa de vaga para os que vinham depois.

Mas o pior sinal desse processo inexorável foi quando, em Santa Catarina, encontrei uma moça conhecida e fui cumprimentá-la efusivamente, com o peito inchado de euforia, e descobri que ela era filha daquela que eu pensava estar cumprimentando...

Semana passada mais um golpe: recebi um convite para participar do programa do jornalista Joabel Pereira, o “Justiça Gaúcha: Histórias de Vida”. O nome dispensa explicações. Geralmente eles convidam pensando: “Vamos fazer logo antes que o cara, aquele, morra”.

Quis desconversar, disse que fui um juiz comum, sempre afastado da mídia, que inventei até uma viagem ao Recife, em 1986, para driblar o Lauro Quadros que queria uma entrevista sobre a sentença do beijo – ele foi mais obstinado que cavalo de padeiro e aguardou o meu falso retorno – mas não adiantou! A Marta, a simpática assessora do Joabel, me convenceu.

Afinal – pensei conformado – quem conta com 35 anos de idade tem alguma coisa a dizer. Senão não estaria escrevendo este blog.





Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi, em 10/09/2004.

18/10/2007

Aniversário do Francisco


Um dia, há exatos 20 anos(*), um ET baixou em nossa casa, fazendo alarde, a cavalo num cagaço que a Medicina pregou no pai: problemas anestésicos provocaram uma parada respiratória na Ieda e o guri quase que nasceu órfão.

Por algumas horas, eu me senti viúvo. Fugi para telefonar para o meu amigo Tonico Raymundi, médico de Taió, que me tranqüilizou. Na maternidade só me assustavam. Mas tudo se resolveu de forma boa.

O nome era para ser Tito Lívio. Mas na última hora, pela emoção, foi decidido que homenagearíamos os dois avós. E ficou tudo isso aí, que ele já abreviou.

O piá foi crescendo mas não se alimentava direito. A Ieda se animava quando ele comia pelo menos uma colher de papinha. Prevíamos que seria nanico e magrela. Quando dissemos ao Dr. Renato, pediatra, que o achávamos exageradamente magro, ele apontou uma foto de seus filhos sobre a mesa e fomos obrigados a nos conformar. Hoje é o maior da família: mede 1,76 m, o que não é muita vantagem. Não é o mais gordo porque este privilégio é do pai como o foi, por algum tempo, o de usar os cabelos mais compridos. O passar dos anos e a inadaptação a perucas fulminou esse direito.

Enviei, depois, uma carta ao mesmo médico Raymundi, que é gaúcho, dizendo: “Nossa vida mudou muito depois que nasceu o piá. Todos os nossos conceitos e princípios sobre educação de filhos foram por água abaixo. Mas acho que a culpa é minha. Ninguém mandou botar tantos “ff” no nome dele. F.F.F.D. É f(*)da”.

Nasceu meio de guampa torta, como diz o gaúcho querendo expressar destemor, pois se mostrou desafiador. Certo dia, em 1987, eu estava no escritório brigando com o meu primeiro micro, um Expert MSX da Gradiente, daqueles que nem disquete possuía.

Eu gravava uma sentença enorme numa fita K-7 – alguém lembra desse sofrimento? – e isto demorava um século. Acho que estava de joelhos, rezando para que não travasse. Mas a luz oscilou, o micro desligou e perdi a sentença. Dei uma porrada na mesa, disse um palavrão, e abaixei a cabeça, desanimado. Teria que começar tudo de novo.

Percebi um arrastar de chinelos se aproximando e na porta surgiu ele. Com a autoridade de seus 3 anos, calçando meus chinelos, e me olhando de cenho franzido (ele já nasceu de cenho franzido), indagou:

– Pu quê que tu pode dizê fidaputa e eu não?

Liberei geral:

– Podes dizer quando tu quiseres também e pronto!

Saiu de fininho.

Em tudo o que se meteu foi bem sucedido. Venceu torneios de karatê (quebrou a quina de uma parede de alvenaria e uma janela para mostrar seus progressos) e foi campeão de kart (de prêmio, ganhou um Fiat Uno que amenizou os gastos do paitrocinador). Sofreu um acidente sério, mas aqui também foi só um susto: o capacete rachou mas a cabeça permaneceu íntegra. Depois elegeu o piano, alçou-o à categoria de sua projeção profissional, e tem sido muito elogiado. Sobre isto sou suspeito e não falo. Há coisas que pertencem ao Futuro.

Recebeu apoio integral quando se dedicou à Música. Fiz comparações sobre a vida de um juiz, que lida com aquilo que há de socialmente pior, e a de um artista, que sobrevoa essas misérias e se fixa num patamar moralmente superior, longe da degradação dos homens.

Não é bem assim. Descobri que há indignidade no mundo artístico também. Por exemplo: colocar lâminas de gilete entre as teclas do piano para prejudicar um candidato em concurso...

Cuida, filho, com as pedras e as giletes do caminho, mas siga em frente.

Quando estás sentado ao piano, tocando, tu te envolves apenas com transcendências e o mundo é teu. O resto é circunstancial.




Texto publicado originalmente no Jus Sperniandi, em 18/10/2004.


(*) Hoje o Francisco está completando 23 anos.

13/10/2007

Meu Descanso Semanal

Deus é onipotente, mas descansou no sétimo dia.

Desconfio que não foi bem isto: os editores da Bíblia, que a publicaram milhares de anos mais tarde, deram uma arreglada aí e escreveram algo diferente. Nada indica que naquele tempo os patrões da grande imprensa fossem diferentes dos de hoje.

Acho que Deus estava tão entretido com suas criações que resolveu parar um pouco, pensativo. No dia anterior criara o Homem e, por sua onisciência, percebeu que fizera uma divina besteira. Tanto que logo expulsou suas criaturas do Paraíso. A primeira coisa que o casal fez, quando a sós, foi inventar o Mal e jogar a culpa numa cobra, como fazem muitos atletas — exceto a Daiane e poucos outros — e principalmente os políticos.

Deus cochilou quando criou o Homem. Imaginem a Terra sem ele: Sete Quedas ainda estariam intactas, as florestas exuberantes, os animais se digladiariam em lutas necessárias apenas à própria sobrevivência sem interesses econômicos e sem a exibição repetitiva e sádica do National Geographic ou do Discovery.

Se Deus parasse um dia antes evitaria, por exemplo, que lá pelo ano de 1947 nascesse, na Irlanda, um bebê inocente e querido pelos pais como toda criança, que estudaria Teologia, deixaria a batina, se transformaria num imbecil, e no domingo, no fecho das Olimpíadas de Atenas, tiraria a possibilidade da medalha de ouro na maratona do nosso Vanderlei Cordeiro de Lima.

Bem, mas o que eu queria dizer é que Deus, mesmo onipotente, descansou no sétimo dia.

Eu, que sou fraco, tenho fibromialgia, gastrite, dermatite seborreica, unha encravada e preguiça, sinto-me no direito de fazer o mesmo.

Não estou me comparando a Ele. Deus me livre! Mas já que o padre Afonso insiste que fui criado à Sua imagem e semelhança, vou descansar sempre aos domingos e não postar nada. Por isto não escrevi ontem. Claro que ninguém percebeu, até porque, pelo que notei no contador, nos finais de semana, os meus leitores se reduzem em pelo menos 50%: passam de oito para quatro.

Acho que são os meus irmãos e nem todos. Porque o Damião entrou. Mas o Damião é um gentleman de primeira.

Nem meus cunhados, depois que falei da mãe deles, têm acessado o blog. Não reclamaram, mas há silêncios que soam mais alto que os berros do Datena transmitindo vôlei em final de Olimpíadas.

Ela continua aqui. Eles não se preocupam porque sabem que está bem cuidada. Pela filha. Mas estou retirando o que disse para que possam acessar o blog de novo. Afinal, por parte dos Feuser-Fernandes, são os meus melhores cunhados.



Croniqueta publicada, originalmente, no Jus Sperniandi,
em 30/08/2004, aqui.

10/10/2007

VOZES DA LAGOA

Três excertos do livro Vozes da Lagoa,
Bebel Orofino,
com belas fotos de Suzete Sandin









O VISIONÁRIO

Manoel Agostinho – Barra da Lagoa

Não dá pra registrar o que eu sou, ou o que eu já fui.
Ninguém entende.
Eu conheço de longe as pessoas.
Quando passa alguém aqui, eu digo como ela é,
se tem a idade comprida, se tem a idade curta...
Eu enxergo o sujeito daqui, da minha janela.


CRIANÇAS PELO UMBIGO

José Agostinho – Barra da Lagoa

As parteiras diziam que as crianças vinham de avião.
E eu, um menino de quatorze, quinze anos, pensava que era assim
mesmo. Ninguém sabia, as mães não contavam nada.
Um dia a Juvelina disse pra ir no mato.
Era pra ver de onde nasciam as crianças.
Mas descobriram o umbigo.
Ela e as amigas pensavam que as famílias vinham pelo umbigo.
Acharam que era por ali que vinham as crianças.
O povo era tolo.


DELEGADO LADRÃO


José Simão – Caieira

O João Sobrinho plantava muita melancia.
Uma noite ele me disse assim:
– Zé, vai dar uma volta com o Manoel Matias
e rouba uma melancia pra nós.
Ele, como delegado, não podia mandar fazer isso, mas nós fomos.
Fomos na roça do delegado, escolhemos a melancia
mais bonita e trouxemos.
Quando voltamos ele perguntou:
– Arranjaram a melancia?
Ele não sabia que a melancia era de sua roça.
Partimos a melancia, muito bonita, e comemos.
O Manoel Matias ria muito, mas não podia contar porque ria tanto.
O delegado ainda disse:
– Vou levar essas sementes pra plantar. Uma melancia dessas eu nunca comi.
Mas um empregado dele, o Zé Belina, contou que alguém tinha roubado melancia.
Foi aí que ele descobriu, mas não podia fazer nada,
ele era delegado:
– Vocês dois são uns istepô. Disseram que tinham roubado da roça do Bonifácio e foi da minha que roubaram. O pior é que eu, um delegado de polícia, ainda mandei roubar dos outros.




Leia aqui algumas considerações sobre o livro.

07/10/2007

A Culpa é dos Americanos


Nenhum fato social acontece sem que alguém tenha culpa. Essa é uma regra válida para todos os que habitam nesta terra. E o culpado é, geralmente, o outro. Esta a segunda regra.
Desculpem os dirigentes da República da Panákia se, porventura, eu estiver dizendo alguma heresia que contrarie a Constituição daquele país.
Eu não sou adepto da teoria das conspirações (o plural é de propósito), mas acho que os americanos são culpados de todo o mal que ocorre no mundo. Desde a peste suína que varreu o Brasil, se não me engano no tempo do Geisel, venho pesquisando a respeito e já descobri, de fonte segura, que no Norte do Estado do Oregon há uma cidade subterrânea habitada por famílias que vivem num regime de deliberada reclusão.
Completamente auto-suficiente, seus membros encontram nela de tudo o que precisam para uma vida saudável e abastada. Homens e mulheres que se destacaram na vida acadêmica vivem ali regiamente pagos pelo Governo com o objetivo principal de sabotar os países em desenvolvimento.
Descobri o nome da cidade: Ambush. Não adianta procurar no mapa. Os mapas são deficientes e confeccionados em papel e não permitem a inclusão de uma cidade subterrânea. Seria uma exigência absurda pretender que um mapa indicasse uma cidade sob a terra: ela estaria sob o mapa e não poderia ser vista. Elementar!
Minha mãe era tricoteira de primeira. Antigamente, na minha infância, se fabricava uma lã de excelente qualidade, daquelas que, com o uso, não criavam bolinhas. Depois de algum tempo todas elas passaram a ser de qualidade inferior e criar bolinhas. Por quê? Porque uma fábrica americana inventou um aparelho de extrair bolinhas de lã e precisava vender seu produto. As cabeças pensantes de Ambush descobriram um hormônio especial e o inocularam nas sementes das gramíneas que alimentam os animais tosquiáveis que vai refletir na lã produzida e o disseminaram pelo mundo. Desde então você pode comprar a melhor blusa do mercado que vai ter que comprar o aparelho de podar as bolinhas se quiser mantê-la sempre bonita e vistosa.
Ambush tem ligação direta com a estação polar americana no Pólo Sul, aí embaixo, perto de nós, e implementou um sistema que lhe permite influenciar no clima da região, criar frentes frias, ciclones, tufões e furacões.
Lembram do furacão Catarina? Foi a primeira experiência bem sucedida deles de exportar esse tipo de fenômeno climático para o Brasil que é, ou pelo menos era, um país livre dessas inclemências. Depois vieram mini-furacões em Criciúma e, mais recentemente, em Indaiatuba, São Paulo. Então, nesses casos, não adianta querer colocar a culpa no Lula, ou no PT, porque eles são completamente inocentes.
E há previsão de que outros ocorram no decorrer deste Inverno, mas isto ainda não é certo. Lidar com o clima é, até para os estudiosos de Ambush, muito difícil. O clima é instável. Mas eles, em cooperação com a estação polar, já estão começando a dominá-lo com alguma intimidade e dentro de alguns anos os furacões que agora assolam os EUA serão desviados para o Sul do Mundo sem que tenhamos que pagar qualquer taxa de importação.
Isto é só um exemplo. Há coisas mais graves que os americanos fazem contra nós, mas como a postagem deste blog é limitada a um determinado número de caracteres – coisa de americano! – sou obrigado a parar por aqui.
Se sou paranoico? Eu não. Nunca tive medo de ser perseguido.
Desde que voltei de Santa Catarina, há uns vinte dias, vivo no interior de uma sala secreta, à prova de furacões e outras ameaças, no porão de minha casa, com acesso à Internet (outra coisa que os americanos criaram para nos dominar). Ela é dotada de banheiro e de um certo conforto, é claro. Tem uma abertura por onde a dona Estela – nossa personal home – me serve o café da manhã, almoço e janta.
Assim protegido, como é que vou ter medo de perseguição? Estou mais seguro aqui do que vocês aí fora, vivendo perigosamente no descalabro desse mundo, ouvindo mentiras e lendo bobagens...



Publicada originalmente no blog Jus Sperniandi,
em 21/06/2005.

02/10/2007

LIRA DO POVO

Quem aprecia uma boa música, brasileira, de raiz, sem concessões comercialescas, límpida e cristalina, sem apelação, bem interpretada e extremamente agradável, não pode deixar de ouvir o cd "Lira do Povo", de Kátya Teixeira (seu site está entre os meus indicados desde o início do blog). Adquiri e ouvi. Várias vezes.

Ele não é só música. É um documento histórico importante e comovente, com manifestações populares e folclóricas de extremo bom gosto e sensibilidade. É universal no canto de várias aldeias – inclusive do primevo habitante desta terra – e há lugar garantido para ele em nosso meio cultural.

Para os que estão saturados de tchans, pagodes e de outras manifestações efêmeras da pseudomúsica em que se valoriza mais a bunda das dançarinas acompanhantes do que a qualidade da obra de arte, é uma alternativa sem precedentes.

A capa do cd, fora do convencional, também é primorosa: ele não vem naquelas caixinhas de plástico, mas num álbum que se desdobra em três partes, de papelão reciclado. As folhas do livreto vêm atadas artesanalmente, com vime.

Ouvi (e vi) Kátya Teixeira num programa – se não me engano Balaio Brasil, da Rede Senac – há alguns meses, e fiquei impressionado. Foi no lançamento do cd Katxerê que, infelizmente, está esgotado. Na época enviei e-mails a todos os meus contatos mais ou menos com o teor desta mensagem.

Ela esteve, há alguns anos, aqui pelo Sul recolhendo material para o disco. Só daí já se vê a seriedade do trabalho. Artistas desse naipe devem ser valorizados.

Ela esclareceu num e-mail: em minha breve passagem pela Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição, das histórias que ouvi surgiu uma canção – Nas Teias da Renda – que está no primeiro cd, Katxerê.

No site, há faixas deste cd que podem ser ouvidas via Internet e delas é possível visualizar a qualidade da obra.

Sobre o lançamento de agora é ainda ela quem afirma: O cd Lira do Povo faz parte de uma trilogia que quero realizar, sendo que os outros dois só de cantos de trabalho e cantos religiosos e acredito que o Sul tem muito a oferecer.








Publicada originalmente no blog JUS SPERNIANDI,
em 11/07/2004, aqui.