31/08/2007

Meu Deus! Vou ao Centro...

Hoje pretendo ir ao centro. Primeiro vou pesquisar qual o protesto do dia e ver se, por acaso, não vai atrapalhar meu itinerário.

Aqui diariamente há protesto: de sem-terras, professores, garis, aposentados, moradores de rua (uma coisa: se forem de rua, podem ser moradores?), de juízes, gays (por favor, observem a vírgula), de não-gays, de promotores, de policiais por falta de segurança, de mulheres de policiais, de modelos... não! Estas, definitivamente, ainda não fazem protestos de rua. Pena!

Desconheço protestos de jornalistas, mas desconfio que logo logo eles também vão ter que aderir a esse tipo de manifestação...

Não é que eu tenha medo, embora há alguns anos uns sem-terras, usando inocentes instrumentos de trabalho (foices, machados e enxadas) degolaram um brigadiano em plena Rua da Praia.

É que detesto filas, trânsito atravancado e os “protestantes”, mesmo que apenas alguns gatos pingados, dominam e trancam as ruas, apoiados oficialmente.

O direito de protestar deles se sobrepõe ao de ir e vir dos demais, principalmente daqueles que cometem o supremo pecado mortal de, neste país, ser proprietários de um veículo e, por isto, considerados ricos e merecedores do fogo do inferno.

Certa vez, numa ação de alimentos, um advogado argumentou que o alimentante era rico porque possuía um Chevette 79. Na decisão salientei que ser proprietário de um chevette, naquelas condições, era prova mais de pobreza do que de riqueza. Não sei porque, mas não fui bem compreendido...

O centro, nos dias normais, é caótico, sem estacionamento nem segurança. Pelo menos quando há protestos há maior segurança, mas apenas para aqueles que protestam.

Tenho que tomar cuidado também com carroceiros, papeleiros, cavaleiros, ciclistas e skatistas.

Um Diretor da EPTC defendeu que “existe uma hegemonia do automóvel na via, mas ela é de todos, de pedestres e até de skatistas”.

O Código de Trânsito não o permite, mas para quem desmerece a vida, a integridade física e a cidadania – esta, aliás, anda tão rebenqueada pelas artes governamentais que deixou de ser um conceito sério e passou a mera expressão idiomática – a lei é o que menos importa.

Prefiro ir a Santa Catarina – conheço um atalho por Viamão que dá direto na freeway e ainda desvia do posto de pedágio de Gravataí – do que ao centro de Porto Alegre.

Então, se amanhã eu não escrever nada procurem meus restos mortais no IML. Ou estarei na Central de Polícia prestando contas por ter atropelado algum skatista.

Ainda bem que tenho curso superior. Se for detido, serei agraciado com o direito a prisão especial, com ar condicionado, telão, cinco refeições por dia e, o que é mais importante de tudo, uma inabalável sensação de absoluta segurança.

27/08/2007

Como Agradar as Mulheres

A Fernanda, que não conheço, mandou um e-mail tipo Como Conquistar as Mulheres e vou respondê-lo item a item para ficar bem claro. Certo, Fernanda?

Aprenda Rapidamente, o Modo mais Fácil, mais Efetivo para Persuadir e Seduzir... Desperte ATRAÇÃO SEXUAL nas mulheres que lhe ATRAEM!

Você deveria esclarecer se se refere às mulheres em geral ou às que trabalham em prostíbulos, mesmo de classe. Ir direto ao sexo, sem contato preliminar, sem um pouco de poesia e de papo jogado fora para estabelecer um mínimo de intimidade não dá, Fernanda, não dá!

Saiba o que falar ao se aproximar de uma mulher e sob tudo COMO FALAR;

Sei o que falar quando me aproximo de uma mulher. Por mais bobagens que diga, não me arrisco por caminhos que não domino. Mas percebi que sou melhor ouvindo que falando. Então o meu modo de agradar e persuadir – se for o caso – varia caso a caso.

Preocupa-me o sob tudo que você pôs aí. Ainda bem que não é sob todos, senão pensaria que você está organizando um surubão e tem más intenções em relação a mim.

Aprenda a como se comunicar com as mulheres de uma forma que seja visto como amante em potencial e não como um "PERDEDOR" ou "amigo";

Prefiro ser visto por uma mulher como perdedor do que como amante em potencial. Claro, das três opções que você coloca, prefiro mesmo ser amigo. Sempre gostei mais de amigas mulheres do que homens. Os homens falam muito de futebol e de... mulheres. Eu prefiro falar com elas e não delas.

Ser um amante em potencial não me agrada nada nada, Nanda! Se, por exemplo, eu for seu amante em potencial nunca serei seu amante efetivo. Acho que você – além de Português – esqueceu de estudar Filosofia. Senão saberia que uma porta potencialmente aberta é uma porta fechada. Então, um amante em potencial é aquele que nunca chega a ser. A não ser que você quisesse dizer um amante potente, mas daí dispenso seus préstimos, por ora.

Acabe com o MEDO de ser rejeitado e incorpore uma personalidade OUSADA!

Há 35 anos uma mulher me aceita todos os dias. Até há uns dois eu temia ser rejeitado. Mas um psicanalista me assegurou que, após tanto tempo, raramente ocorre rejeição. Bastou uma sessão e eu me convenci. Ela concorda com ele. Então nem preciso ser mais ousado para agradá-la.

Comece a ficar e dormir com muito mais mulheres do que você já pensou ser possível;

Dormir com muito mais mulheres do que já pensei ser possível? Você está louca? Para quê? Você precisa, antes desta proposta, medir o meu interesse. Sem duplo sentido. Não quero dormir com mais mulheres do que é possível nem que sejam apenas duas. Já pensou se uma for você? Aliás, pela sua propaganda, acho que você está cobiçando minha fortuna. Ficaria decepcionada.

Fernanda! Você já foi amada por um único homem, num sábado à tarde, num lugar aconchegante, tendo todo o tempo do mundo para se dedicar a ele e ele a você, devagarzinho, carinhosamente, demorando-se como se não existisse tempo nem amanhã nem ontem? Depois de horas, vocês saciados, dormiram abraçados e só acordaram à noite, por acaso, com os olhos brilhantes, satisfeitos e com a impressão de estarem numa nave espacial e que tudo lá fora era nada de tão vazio? Não?

Então me desculpe. Você não entende nada de amor e não tem autoridade de me fazer a proposta idiota que fez.

25/08/2007

Eu, Presidente da República?

No embrulho de tropicões, desencontros, gafes e acertos que caracterizam minha vida tenho a impressão de que perdi duas chances de ser Presidente da República. Tanto por caminhos democráticos quanto por ditatoriais.

Aqui a cronologia não importa. Na minha consciência crítica a ditadura veio antes da democracia. Mas as perspectivas que tive foram em ordem temporal inversa.

Com 9 anos de idade eu já trabalhava como torneiro mecânico na oficina de meu pai. Para alcançar os controles e poder visualizar corretamente o que fazia o torneiro, o seu Udo, confeccionou um pequeno estrado de madeira no qual eu subia para trabalhar com mais segurança.

Eu torneava peças simples, parafusos e inclusive prisioneiros. Prisioneiros são uma espécie de parafuso sem cabeça, com rosca em toda a sua extensão, que na época eram fixados principalmente nos cubos de roda de caminhões e, depois de ali firmemente presos, serviam para atarraxar os aros com os pneus.

Talvez aí o ponto crítico que me desviou da presidência democrática: fazer prisioneiros é algo inerente ao cargo de Juiz, embora hoje em dia eles mais soltem do que prendem, e isto pode ter influenciado na minha vocação.

Outro ponto certamente desviante: sempre fui muito prudente, nunca me descuidei e ainda hoje posso contar até dez usando todos os meus quirodáctilos. Sem indenização ou aposentadoria, a não ser agora, por problemas cardíacos, fui obrigado a trabalhar. Mas é tarde!

A outra chance que escapou foi por ter sido recusado pelo Exército.

Não por falta de interesse. Em 1967 apareceu em Taió um pelotão de inspeção que acampou no hotel que meu pai explorava após vender a oficina mecânica e fiz amizade com um sargento.
Ele me contou maravilhas da vida de caserna e por isto, com 16 anos, me alistei como voluntário. Mas um capitão jogou água fria na fervura: assegurou que apenas o alistamento poderia ser feito aos 16 anos. Sentar praça, só com 18...

Na verdade acho que fui recusado por ser gordo, ruivo e sardento. Mas essa recusa não me incutiu qualquer sentimento frustração.

Naquele tempo, até muito depois, o caminho mais fácil para se chegar à presidência da República era a carreira militar. Então, esta foi a outra oportunidade que perdi.

Agora, como disse, é tarde. Até porque, se eu fosse presidente, hoje, não teria condições físicas de viajar tanto (a não ser que meu rico avião fosse dotado de uma míni-UTI cardiológica e meu cardiologista sempre me acompanhasse), nem de jogar peladas nos fins de semana, tampouco de participar de festas e arraiás com tanta sede...

Tive que lutar sozinho e com minhas forças (meu pai sofreu enfartes muito cedo e não pôde me ajudar muito). O máximo que pude foi fazer carreira na Magistratura e chegar à desembargadoria do que, diante dessas condições, não me arrependo. Até me orgulho.

Aliás, me arrependo um pouco. Deveria ter sido procurador. Talvez, então, encontrasse com mais facilidade coisas que extravio no Triângulo das Bermudas que é minha
casa, especialmente meu escritório. Inclusive a poesia que referi acima.

Desperdicei, pois, duas oportunidades de ser Presidente da República: uma por ter sido rejeitado pelo Exército, outra por, mesmo tendo sido torneiro mecânico, não ter perdido o dedo mindinho.

Mas, pensando de modo mais crítico, acho que nunca deveria é ter feito aqueles malditos prisioneiros.

22/08/2007

AMA DOR

Esta poesia obteve o 3.º lugar no Concurso de Poesia "Prof. Ângelo Magrini Lisa", da Associação dos Escritores de Bragança Paulista, em 1999.



Não sei como pude me envolver contigo,
uma profissional do amor.
Eu,
um amador!

Vieste a mim procurando teu outro eu
quando nem eu mesmo sei quem sou.

E me achaste
e mais eu do que eu sou
te tornaste.

(Que resultados querias,
dessa simbiose insolente?
Dessa cruza de rã com serpente?)

E agora?
Onde vou me encontrar
se nem mesmo sei quem és,
nem nunca soube quem sou?

Vieste a mim procurando teu outro eu
e levaste contigo a minha melhor parte.

Do que fui, do que foste, do que fomos,
nada sou, nada sei.

Nem sei
— nos largos caminhos da loucura —
como terminar este poema,
onde iniciar minha procura.

19/08/2007

Considerações Televisivas

O frio daqueles dias no litoral me meteu em contato meio forçado com a televisão. Mas a recepção, na praia do Grant, estava restrita a dois canais, num dos quais apenas se ouvia o som como que ecoando no interior de uma lata velha.

Periodicamente sou tomado por inexplicáveis acessos de generosidade. Desta vez adquiri uma antena parabólica e presenteei minha sogra.

Juro que não fiz por mal. Eu não tenho nada contra ela, muito pelo contrário: a estimo muito e garanto que se todas as sogras fossem iguais (ou parecidas) haveria menos casais em crise. Por isto não seria capaz de lhe fazer ou desejar algum mal ou desfeita. Tanto que, agora, ela está passando uns tempos conosco, em Porto Alegre. Naturalmente que mais por causa da filha do que do genro.

Sinto-me protegido quando estamos sob o mesmo teto. Principalmente contra raios. Sou obrigado a abrir imensos parêntesis e jurar que se trata, obviamente, de uma brincadeira porque tenho dez cunhados, seis do sexo masculino, alguns verdadeiramente furiosos e grandalhões. Um deles já admitiu que foi abduzido e não tenho idéia dos poderes maléficos que essa abdução possa lhe ter conferido. Embora não acredite em discos voadores, tenho medo dos que viajam neles.

Mas enquanto eu ficava ao notebook manipulava esse invento maravilhoso que é o... controle remoto. Melhor que a televisão. Tenho um outro texto, mais antigo, com uma análise profundíssima a respeito, que publicarei em outra ocasião.

Nas repassagens pelos 26 canais disponíveis encontrei receitas culinárias de um minuto a duas horas, canais de venda, os inevitáveis canais abertos, e outros variados (nos dois sentidos). Muitos religiosos, mas sobre estes me reservo o direito de nada dizer. Minha sogra é devota da Rede Vida.

Há tanto programa de entrevistas com tanto entrevistado dizendo tantas certezas, num tom de voz convincente e definitivo, que eu ficava com pena de trocar de canal. Tive, muitas vezes, a sensação imediata de que o mundo estava salvo e que todos os nossos problemas, finalmente, resolvidos. Depois, com a direção crítica um pouco mais pensada, chegava à conclusão de sempre: pura futilidade e pretensão. A verdade tem tantos donos que não pode ser verdade!

Os programas infantis parecem se dirigir à finalidade específica de imbecilizar crianças. Mesmo esses ratimbuns da vida não achei tão educativos como apregoam. Em todos os casos, sou muito criança e deixo essa análise para os adultos. São estes que sempre decidem o que é melhor para os infantes.

Há os canais da Câmara e do Senado que transmitem bizarrices. Principalmente votações e CPIs. As inquirições de testemunhas são conduzidas de uma forma tão enviesada que, para alguém como eu, que passou grande parte da vida tentando ser o mais objetivo possível na técnica inquiritória da busca da verdade, tornam-se um tormento. Os inquiridores depõem mais que as testemunhas...

Os parlamentares são dotados de uma compulsão invencível de aparecer e pensam que são obrigados a perguntar à testemunha sempre. Mesmo sobre o que já está meridianamente esclarecido. Eu ficava inquieto e coçando. Gastei três tubos de Omcilon com as esfoladuras. Tinha ganas de ir lá e ensinar como é que se faz perguntas objetivas para obter respostas claras. Mas certamente teria que passar por uma sabatina e desisti. Se os juizes usassem das mesmas técnicas nas suas inquirições então sim vocês iriam ver o que é morosidade da Justiça.

Descobri algo interessante: os canais da Câmara e do Senado não veiculam os programas eleitorais gratuitos que os canais abertos são obrigados a transmitir...

Vamos ser justos. No do Senado há um programa excelente, de música erudita, conduzido pelo Arthur da Távola, e pude me deleitar um pouco.

E há os canais rurais. Gostei muito do Canal do Boi. Apenas lamento não tê-lo conhecido antes. Em casa tenho a DirecTV, mas nesta ele é pago e nunca quis assiná-lo.

Se o fizesse há algum tempo teria evitado uma tragédia. Sou proprietário de uma fazendola em Passo Manso, interior de Taió, e há uns dois meses perdi metade do meu rebanho por uma doença desconhecida. Agora tenho que me contentar com a única vaquinha que restou e dar graças a Deus por não ser um boi.

Bois não dão cria nem emprenham vacas – esse foi outro útil ensinamento do Canal do Boi.

(Na foto acima, o que restou do meu rebanho).

17/08/2007

Silvane Sabóia, ou SILSABOIA

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O Cavalo Branco de Napoleão


Ontem (23072004), na vinda para Santa Catarina, como não estava dirigindo aproveitei para tirar fotos das paisagens. Em razão do movimento do carro não ficaram nítidas nem consegui uma pelo menos razoável.

Como não gosto de um texto sem imagem, talvez influência das revistas em quadrinhos da infância, resolvi postar essa aí em cima. Porque no processo de escolha lembrei-me do teste psicológico que fiz para ingressar na magistratura.

A maioria pensa que para ser juiz é só prestar um concurso de conhecimentos jurídicos e pronto.

Não é bem assim.

No meu tempo as provas eram de Português – necessárias, não é Glauco? – de Conhecimentos Jurídicos e de sentenças cível e criminal. Depois a prova oral, que chegava quase a ser cruenta: abordava os principais ramos do Direito, em pontos sorteados pouco antes, e era prestada tête-à-tête com um desembargador... Finalmente os exames médicos. Para avaliar nossas condições mentais nos submeteram a teste psicológico e a entrevista psiquiátrica.

A psicóloga que me examinou, depois de uma conversa numa sala à meia-luz – se não me engano à luz de velas – e que até então vinha sendo amigável e atenciosa, mudou repentinamente de conduta: empertigou-se, cruzou as pernas e passou a me olhar com olhos maliciosos. Só então notei que ela era loira oxigenada, vestia um vestido justo, roxo, e com um corte que deixava entrever grande parte de sua coxa bonita e bronzeada.

O ambiente estava propício a outras coisas e cheguei a imaginar que ela fosse pedir que eu lhe pagasse um cuba-libre. Assustei-me um pouco, mas mantive a calma. Isto é necessário a um juiz. Ela pegou um envelope, retirou deles as folhas com as manchas de Rorhschach, e ia me mostrando as gravuras para que eu dissesse a primeira coisa que me surgisse na idéia.

O teste terminou e ela pediu que eu fechasse os olhos e imaginasse estar caminhando por algum lugar e que, de repente, surgisse à minha frente um muro alto acobertando-me a visão. Então descrever o que imaginava existir do outro lado.

Imaginei uma pastagem, um verde exuberante, com uma floresta não muita alta aos fundos. Na verdade, veio-me à mente uma imagem do Campo de Waterloo que eu vira pouco antes em uma revista. Lembrei-me também de Napoleão, mas não lhe disse isto porque ali ele foi vencido. Um quase juiz não pode ser derrotista.

Findo o teste, timidamente perguntei se ela poderia antecipar alguma coisa do resultado. Não.

Preocupado, comecei a matutar que, talvez, eu tivesse exteriorizado um instinto indelevelmente eqüino. Tanta pastagem poderia induzir a isto. Lembro-me que nos jogos de futebol, quando atuava na linha, me chamavam de “cavalo” porque eu acertava mais as canelas dos adversários do que a bola. Alguns me mandavam pastar.

Bem. E a foto aí em cima, o que tem a ver com isto?

Pois é. Associei-a ao muro que a psicóloga ergueu na minha frente encobrindo-me a visão.

Como não consegui uma foto melhor, resolvi colocar essa para que aqueles que a vêem criem sua própria imagem detrás, tentando imaginar como seria bonita a paisagem sem essa poluição visual de placas e outdoors que colocam em nossa frente para prejudicar a visão. A interpretação é livre.

Quanto às pastagens de Waterloo após o muro elaborei, mentalmente, algumas considerações empíricas. Cheguei a imaginar que, se eu acreditasse em reencarnação, pudesse ter sido Napoleão em uma vida anterior. Mas há tantos que já foram Napoleão que eu não poderia ser mais um. Não sou tão megalômano nem o espírito dele suportaria tantas subdivisões.

Só resta uma conclusão, não muito edificante, mas que não posso ignorar: talvez eu tenha sido, na verdade, o cavalo branco de Napoleão.

15/08/2007

Somos Dígitos Verificadores

A humanidade é vidrada em números e estatística. Tudo é mensurado. Dia desses mediram até a extensão do grito de gol do Luciano do Valle e reclamaram porque num do Palmeiras ele berrou dois segundos a mais do que num do São Paulo, se não me engano. Do Corinthians tenho certeza que não foi, porque o Corinthians não faz gols.

Falo com autoridade porque, além de avaiano, sou corintiano. Meu filho também é. Não por falta de advertência. Quando ele manifestou interesse de torcer pelo Corinthians eu disse que se preparasse para ser um sofredor. Mas ele era um gurizote e eu o pai herói. Não ultrapassara ainda aquela fase em que se passa de pai a mero ponto de referência.

Uma pesquisa recente chegou à conclusão de que os gordos têm mais chances de morrer em colisões de trânsito dos que os magros. Eles são mais dorminhocos e é difícil retirá-los do interior de veículos acidentados. Não precisava ser feita. Como gordo, acho-a francamente discriminatória. Vou vender o meu KA e procurar um número maior, um GG. Quando visto o KA me sinto mesmo meio apertado. O zíper não fecha mais direito.

Agora que iniciei este blog psicólogos da Universidade de Chemnitz, Alemanha, depois de um estudo com 300 donos de sites, concluíram que “as pessoas que têm sites e se dedicam a cuidar da atualização das páginas web são mais introvertidos que aquelas que não têm uma página na rede mundial de computadores” (Glauco: os erros são do original). Quem quiser pode acessar a matéria completa, aqui.

Eu não tenho um site. Pensei em criar o polenta.com.br, mas já está registrado. Vou acabar desistindo até deste blog e me aliar aos bilhões de extrovertidos que não têm site nem blog.

Se eu fosse um caçador noturno solitário, ou tivesse a sorte do Cesar Valente com o sexo oposto, já o teria feito. A mesma pesquisa diz que apenas 13% dos entrevistados são mulheres. Quer dizer que há muito mais mulheres extrovertidas do que homens, outra coisa que não precisava de pesquisa para ser demonstrada. Mas, por via das dúvidas, sempre é bom ter certeza.

Diz, também, que os desempregados ou aposentados não mostram interesse de ficar conhecidos pela Internet. Desempregados, pode ser. Até porque como vão manter um site e navegar com o preço que os servidores e provedores cobram? A maioria nem deve ter computador.

Mas quanto aos aposentados, discordo, embora eles também sofram os desgostos financeiros dos desempregados. Estão querendo me excluir dessa grei? Então recuo, desisto de desistir e esqueçam o que disse mais acima. O FHC e o Lula já fizeram isto e, pelo que sei, nenhum têm qualquer queixa de suas vidas atuais. Vou continuar com o blog.

O pior é que hoje, quando o abri e vi meu nome lá em cima, à direita de JUS SPERNIANDI, concluí que talvez meu objetivo seja mesmo o de ser conhecido. Senão, quem vai ler o que escrevo?

A matéria diz ainda que a maioria "quer se mostrar de forma autêntica, mas não o seu pior lado". Óbvio. Para dizer isto também não precisavam pesquisar. Nosso pior lado é privilégio exclusivo dos familiares e agregados e de alguns poucos amigos mais íntimos.

Mas há o lado bom. Pelo menos se valoriza o óbvio. Senti agora uma repentina saudade do tempo em que era juiz e então segue uma citação no estilo judicialesco:

Demonstrar o óbvio sempre foi difícil e Galileu quase foi queimado pela Inquisição por querer demonstrar que a Terra é que gira em torno do Sol, e não o contrário, como se cria até então (TJRS, 18ª Câm. Cív., Apel. n.º 70 001 151 646, de Tapejara, Relator, Eu).

É bom que as pessoas, principalmente governantes, comecem a se preocupar com o óbvio. Daí vão propiciar o óbvio ao povo e o óbvio é educação, saúde, segurança e uma melhor distribuição de renda. Para isto deverão atacar as causas – outra obviedade – desse descalabro que está aí e deixar de lado a mania idiossincrática de tentar aparar problemas pelas conseqüências.

11/08/2007

Thales e Pitágoras ou Os Bois do Tio Zeca

Certos princípios mantêm alguma semelhança, embora aplicados em campos diferentes, mas que induzem a conceitos de uso ou não-uso. Pois por aí já começa a complicação: o que é semelhante não é igual, é diferente, e por isto a afirmativa supra. Vou tentar explicar.

Quando meu filho corria de kart eu, que sou filho de mecânico e passei grande parte de minha infância sujo de graxa numa oficina, entre calhambeques, ônibus, caminhões, ferro-velho, tornos e outras ferramentas, avoquei para mim certas funções.

Além de paitrocinador, era também mecânico. Pelo menos assistente do preparador que eu pagava para tal. Um assistente graduado, pois como remunerador detinha argumento$ mai$ do que convincente$ para dar meus pitacos. Não devo ter estorvado muito, porque a equipe foi sempre bem sucedida.

Pois bem. Às vezes um simples parafusinho quebrado era motivo de sair pelos outros boxes procurando um igual.

Para coisas pequenas até no kartismo há solidariedade.

— Igual não tenho, mas tenho um parecido aqui ó! Serve?

— Não, parecido não adianta. Tem que ser igual.

Essa foi a melhor contribuição filosófica que o kart deu à minha vida: a conclusão óbvia, mas que não parece tanto, de que tudo o que é parecido é, natural e inexoravelmente, diferente...

Assim na mecânica automobilística, na Física, no Direito, na Medicina e em todos os campos da atividade humana.

Mas o melhor exemplo dessa dicotomia interessante me foi dado pelo tio Zeca, que viveu lá nos interiores do interior de Taió. Não sabia ler nem escrever e nunca freqüentou um dia de aula.

Mesmo que talvez não soubesse decifrar cientificamente a proposição, ele tinha noções empíricas, instintivas e precisas dela.

Apesar do pouco estudo, era um negociador esperto. Certa vez adquiriu dois garbosos bois de canga para atrelar no seu carro-de-boi.

Eram semelhantes. Um era parecido com o outro; mas eram diferentes.

Ele não teve dúvidas e pespegou-lhes os nomes de Diferente e Parecido.
Eu nunca descobri qual era o boi Parecido e qual era o boi Diferente. Mas ele os identificava com uma olhadela de relancina...

Só não sabia que o batismo de seus bois foi a mais prática demonstração de um teorema que nem Pitágoras nem Thales de Mileto tiveram coragem de propor.


Observação:

A imagem superior é parte de uma foto do Tio Zeca batida por mim. A de baixo é uma pintura de Ieda M. F. Dellandréa, em aquarela, abrangendo foto inteira.

Como se pode ver eles estão parecidos. Mas diferentes...

09/08/2007

Nunca te vi, sempre te amei

Não sou um profundo conhecedor de cinema. Gosto de assistir a filmes sem compromisso maior, embora preste atenção a detalhes após ter visto algum que tenha me agradado um pouco mais que o normal.

Vejo muitos. No mínimo cinco por semana. Para quem não é um profissional do ramo, como o Rubens Ewald Filho, creio ser bastante. Não me apego a estilos e apenas tomo algum cuidado, antes de assistir, de ler a resenha (principalmente as entrelinhas, onde está aquilo que quero saber).

Se não gosto, nem termino de ver. Mas já ocorreu de detestar inicialmente um filme e depois, repensando-o, vê-lo novamente e incluí-lo na lista dos meus preditos. Foi assim com o “Além da Linha Vermelha”, já comentado aqui.

Às vezes um bom filme me inspira involuntariamente um adjetivo. Não uma adjetivação fria e chavonesca, mas uma palavra que se transforma num código que me leva naturalmente a lembrar daquele filme.

“Nunca te Vi, Sempre te Amei” (no original “84 Charing Cross Road”) soprou no arquivo de meu cérebro um adjetivo simples, demonstrando que um filme é um ente de vida própria, tem caráter, personalidade e sentimentos. É um filme “amável”. Poderia ter sido “sensível”, mas há muitos filmes sensíveis e então, sei lá por que, prefiro diferenciá-lo um pouco.

É um filme amável porque não agride, não perturba nem é por demais açucarado como o nome, à primeira vista, pode transmitir (Cuidado! Há um outro filme, com esse mesmo título em português, de menor qualidade. Por isto, se for alugá-lo confira o título original, que corresponde ao endereço de uma livraria em Londres).

O enredo é simples. E amável. A escritora americana Helen Hanff, numa convincente interpretação de Anne Bancroft, é aficcionada por clássicos da literatura inglesa. Como não os encontra em Nova Iorque passa a se corresponder com Frank Doel (Anthony Hopkins, especialista em papéis desse estilo), gerente da livraria londrina na 84 Charing Cross Road. Os fatos ocorrem nos anos pós-II Guerra Mundial.

Através de cartas às vezes irônicas e mal-humoradas encomenda obras e ele, fleumático e imperturbável, procura atendê-la da melhor forma possível, mesmo que não disponha do livro em sua loja. Desenvolvendo a relação, passa a lhe sugerir títulos que ela repele ou aceita, de acordo com seu humor. As cartas eram valorizadas pela expectativa da resposta num tempo em que não havia Internet e as relações eram menos transitórias.

Com o tempo, a troca de correspondência evolui e refoge a objetivos puramente comerciais, estabelecendo-se uma relação de afeto entre os protagonistas, inclusive com os demais empregados e proprietários da livraria.

Condoída com a situação da Londres que se recuperava dos efeitos da guerra ela consegue, nas épocas festivas, enviar aos funcionários da livraria alimentos frugais, mas lá racionados, através da Dinamarca. É compensada com mimos trabalhados pessoalmente por familiares dos presenteados.

Depois de 14 anos de correspondência, finalmente, vai a Londres conhecer a livraria e especialmente o gerente Doel.

O final não revelo. Não é nenhuma surpresa, mas é sempre bom conferir pessoalmente.


O filme é baseado nas memórias da dramaturga americana Helen Hanff e dirigido por David Jones. Bancroft ganhou o BAFTA de Melhor Atriz. Foi indicado em mais duas categorias: Melhor Atriz Coadjuvante (Judi Dench) e Melhor Roteiro Adaptado. Hopkins recebeu o prêmio de Melhor Ator no Festival Internacional de Moscou.


POEMA EM LINHA RETA

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)






Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.




Álvaro de Campos
Ficções do Interlúdio
in Fernando Pessoa
Obra Poética
Companhia José Aguilar Editora (1974)