04/08/2004

A PRECE DE UM JUIZ - O Autor

O autor da oração postada abaixo, Dr. João Alfredo Medeiros Vieira, foi Juiz da Direito em Santa Catarina.


“A PRECE DE UM JUIZ”, hoje equiparada à Oração da Mestra, de Gabriela Mistral, e ao “Retrato de Mãe”, de D. Ramon Angel Jara, foi publicada inicialmente pela Prefeitura Municipal de Joaçaba, em junho de 1973; depois, em opúsculo, pelo Tribunal de Alçada Criminal do Estado do São Paulo e oferecida a todos os juízes no Natal de 1973; reproduzida, em fevereiro de 1974, por ocasião do Centenário do Tribunal de Justiça do Estado São Paulo, no livrete da Celebração Eucarística de Ação de Graças e lida na Catedral da Sé;publicada pelos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e da Bahia, oferecida a todos os juizes; vertida para o Alemão, Inglês, Francês, Italiano, Espanhol. Árabe, Holandês e Hebraico; reproduzida em diversas obras e antologias, inclusive “Cristo Branco” de José Augusto Fontes Rico (Ed. Paulinas, SP, 1975); no anuário “Serra Post Kalender” (100.000 exemplares em língua alemã); na Revista Adventista, outubro 1974; e publicada em mais de duas centenas de jornais, revistas, suplementos literários como o de o Estado de São Paulo), programas, sessões artístico-religiosas da vários credos, opúsculos, folhetos e publicações de diversos países.

A PRECE DE UM JUIZ - Oração

A PRECE DE UM JUIZ - JOÃO ALFREDO MEDEIROS VIEIRA


SENHOR? Eu sou o único ser na terra a quem Tu deste uma parcela da Tua Onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes.

Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu mandado se entregam, ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se despojam. Ao meu aceno as portas das prisões se fecham nas costas do condenado ou se lhe abrem, um dia, para a liberdade. O meu veredicto pode transformar a pobreza em abastança, e a riqueza em miséria. Da minha decisão depende o destino de muitas vidas. Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento até a morte, à LEI, que eu represento, e à JUSTIÇA, que eu simbolizo.

Quão pesado e terrível é o fardo que puseste nos meus ombros! Ajuda-me, Senhor! Faze com que eu seja digno desta excelsa missão! Que não me seduza a vaidade do cargo, não me invada o orgulho, não me atraia a tentação do Mal, não me fascinem as honrarias, não me exalcem as glórias vãs. Unge as minhas mãos, cinge a minha fronte, bafeja o meu espírito, a fim de que eu seja um sacerdote do Direito, que Tu criaste para a Sociedade Humana. Faze da minha Toga um manto incorruptível. E da minha pena não o estilete que fere, mas a seta que assinala a trajetória da Lei no caminho da Justiça.

AJUDA-ME, SENHOR a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo, sereno e humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com os que erraram. Amigo da Verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da Lei, mas antes de tudo cumpridor da mesma. Não permitas, jamais, que eu lave as mãos como Pilatos diante do inocente, nem atire, como Herodes, sobre os ombros do oprimido, a túnica do opróbrio. Que eu não tema César e nem, por temor dele, pergunte ao poviléu, se ele prefere "Barrabás ou Jesus”...

Que o meu veredicto não seja o anátema candente e sim a mensagem que regenera, a voz que conforta, a luz que clareia, a água que purifica, a semente que germina, a flor que nasce no azedume do coração humano. Que a minha sentença possa levar consolo ao atribulado e alento ao perseguido. Que ela possa enxugar as lágrimas da viúva e o pranto dos órfãos. E quando diante da cátedra em que me assento desfilarem os andrajosos, os miseráveis, os párias sem fé e sem esperança nos homens, espezinhados, escorraçados, pisoteados e cujas bocas salivam sem ter pão e cujos rostos são lavados nas lágrimas da dor, da humilhação e do desprezo, AJUDA-ME, SENHOR, a saciar a sua fome e sede de Justiça!

AJUDA-ME SENHOR!

Quando as minhas horas se povoarem de sombras; quando as urzes e os cardos do caminho me ferirem os pés; quando for grande a maldade dos homens; quando as labaredas do ódio crepitarem e os punhos se erguerem; quando o maquiavelismo e a solércia se insinuarem nos caminhos do Bem e inverterem as regras da Razão; quando o tentador ofuscar a minha mente e perturbar os meus sentidos, AJUDA-ME, SENHOR!

Quando me atormentar a dúvida, ilumina o meu espírito; quando eu vacilar, alenta a minha alma; quando eu esmorecer, conforta-me; quando eu tropeçar, ampara-me.

E QUANDO UM DIA, finalmente, eu sucumbir e já então como réu, comparecer à Tua Augusta Presença para o último Juízo, olha compassivo para mim. Dita, Senhor, a Tua sentença.

Julga-me como um Deus.
Eu julguei como homem.

03/08/2004

A REALIDADE DA VIDA - Curiosidade

Extraído de uma revista antiga, num consultório médico, há mais de 20 anos:


Deus criou o Burro e disse:
— Obedecerás ao Homem, carregarás fardos pesados nas costas e viverás 30 anos. Serás Burro.
O Burro virou-se para Deus e disse:
— Senhor! Ser Burro, obedecer ao Homem, carregar fardos nas costas e viver 30 anos? É muito Senhor! Bastam-me apenas dez.




Deus criou o cachorro e disse:
— Comerás o osso que te jogarem no chão, tomarás conta da casa do Homem e viverás 20 anos. Serás Cachorro.
O Cachorro virou-se para Deus e disse:
— Senhor! Tomar conta da casa do Homem, comer o que jogarem ao chão e viver 20 anos? É muito Senhor. Bastam-¬me dez.


Deus criou o macaco e disse:
— Pularás de galho em galho, farás macaquices e viverás 30 anos. Serás Macaco.
O Macaco virou-se para Deu, e disse:
— Senhor! Pular de galho em galho, fazer macaquices e viver 30 anos? É muito, Senhor! Bastam-me vinte.


E Deus fez o Homem e disse.
— Serás o Rei dos Animais, dominarás o Mundo, serás inteligente e viverás 30 anos.



O Homem virou-se para Deus e disse:
— Senhor! Ser Rei dos Animais, dominar o Mundo, ser inteligente e viver 30 anos? É pouco, Senhor! Vinte anos que o Burro não quis, 10 anos que o Cachorro recusou e 10 anos que o Macaco não está querendo, dai-me a mim Senhor, para que eu viva pelo menos 70 anos.

E Deus atendeu ao Homem. Até os 30 anos o Homem vive a vida que Deus lhe deu. É Homem.
Dos 30 aos 50 anos, o Homem casa e carrega os fardos nas costas para sustentar a família. É Burro.
Dos 50 aos 60, já cansado, ele passa a tomar conta da casa. É Cachorro.
Dos 60 aos 70, mais cansado ainda, ele passa a viver aqui e ali, na casa de um filho ou de outro e faz gracinhas para as crianças rirem. É Macaco.

NOTA: Esta é a realidade da vida. De nada adianta o Dinheiro, o Orgulho e a Vaidade se todos nós teremos que passar por esta fases...

02/08/2004

A EXCÊNTRICA FAMÍLIA DE ANTONIA - Filme

É muito prazeroso descobrir coisas belas ao acaso.

Foi assim, por exemplo, com Carl Orf. Entrei em contato com sua música através de um disco numa loja que nem lembro qual. E o fiz não através de sua obra mais conhecida, Carmina Burana, mas de outra, menos divulgada, Catulli Carmina.

Foi também enorme a alegria que senti ao ouvir, pela primeira vez, Spozalisio, de Liszt, interpretada por meu filho. Não conhecia a obra antes de nenhuma fonte. Acho que é uma de suas melhores peças curtas.

Logo que descubro alguma novidade ataca-me a compulsão de indicar minha descoberta a todos tentando impingir-lhes o meu gosto e convencê-los de que devem apreciar aquilo que aprecio porque o que aprecio é bom e é o melhor para eles. Neste aspecto, sou meio petista.

Minha última descoberta casual foi A Excêntrica Família de Antonia (no original holandês apenas Antonia) que me propiciou momentos de alegria, tristeza, satisfação e melancolia. Mas com um deleite que há muito não experimentava num filme.

Não o conhecia, o que não significa que não seja famoso. Pelo contrário, é multipremiado: Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1996, Melhor Filme do Festival de Toronto, Melhor Roteiro no International Film Festival de Chicago e Melhor Diretor no Hamptons Film Festival. Devo penitenciar-me por ser tão mal informado.

É um filme peculiar. A diretora Marleen Gorris soube dosar momentos de alegrias, tristezas, tragédias e superação de modo eficiente e integrado.

Retrata primordialmente mulheres que, em princípio, não precisam de homens. Ou deles necessitam apenas para a procriação, embora a própria Antonia acabe por sucumbir, não na forma tradicional, aos apelos afetivos de um pretendente. A preferência sexual das personagens é exposta com alguma concisão num único trecho do filme, numa seqüência-resumo não apelativa e plasticamente bem feita.

O filme inicia com Antonia voltando ao vilarejo onde nasceu para enterrar sua mãe, logo após a II Guerra. O primeiro susto: a mãe se ergue, diz alguns impropérios de cunho admoestador à filha e à neta e volta à sua imobilidade mortuária. Logo se percebe que é apenas a materialização do inconsciente de Antonia, usado depois em outras seqüências.

O filme valoriza a vida em comunidade mais que a familiar. Politemático, passa por discussões sobre a Vida e a Morte, Filosofia, Matemática, Religião, especialmente através de um excêntrico habitante do lugar que se dedica a estudar Schopenhauer e Nietzsche.

Aliás, os personagens, em sua maioria, seriam excluídos sociais em qualquer lugar do planeta: um casal de retardados mentais (ela fora estuprada pelo próprio irmão), uma mulher solitária que uiva para a lua cheia e seu vizinho do andar inferior que camufla sentimentos de amor por ela, outra cujo maior prazer é procriar e que, surpreendentemente, morre no parto... Mas ali, naquele lugar, conseguem viver em relativa harmonia, como uma orquestra desafinada que, em alguns compassos, consegue performance adequada. Esse amálgama de caracteres, por incrível que pareça, acaba por projetar um resultado interessante e surpreendente.

As palavras finais revelam a honestidade da intenção da diretora: “E assim, tanto quanto esta crônica, nada se conclui”.

Uma crônica com tendência surrealista, às vezes divertida, às vezes trágica, quase sempre paradoxal, de retalhos de vidas que se encontram, confraternizam, brigam e se chocam no resumo do mundo que é o vilarejo rural onde moram e necessariamente se cruzam.