02/07/2004

MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA - Filme

Hollywood é uma fábrica de filmes. De lá saem verdadeiras obras-primas e também filmecos descategorizados. A celulose que se gasta com besteiras em Los Angeles, num ano, seria suficiente para fazer cinema no Brasil durante uns dez.

Mas há bons e ótimos filmes gerados nas mentes e engenhos hollywoodianos. Afinal, sua especialidade é exatamente essa, e se não é obrigada a produzir obras-primas todos os dias também não se dá ao desleixo de lançar apenas bombas, como se dizia na minha infância.

Esta – a minha infância – me inspira a abordar um gênero prosaico e nostálgico, que apreciava então (se dissesse que não aprecio mais, estaria mentindo): o faroeste. Aliás, gosto de todo o tipo de filme, desde que seja bom, é claro. Dizer o óbvio não custa nada!

Meu Ódio Será sua Herança, de Sam Peckimpah, é imperdível para quem gosta do gênero. Diríamos, naquele tempo, que é um farvestão (embora fôssemos ao cinema mais para ver tiros, duelos e brigas do que para analisar as qualidades intrínsecas e extrínsecas da fita).


Como quase sempre, a tradução do título não foi feliz. O filme não esclarece quem herda o ódio de quem e o nome deve ter sido pensado mais como uma hipérbole mal acabada e por seu impacto sonoro do que em razão do enredo. The Wild Bunch, o original, significa algo como O Bando Selvagem, o que também não diz muito, pois imprecisamente genérico.

O filme narra a saga de um grupo de bandoleiros em fim de carreira que, no início do século XX, tenta dar um último e lucrativo golpe e se aposentar: roubar um carregamento de armas do Exército americano e contrabandeá-lo para o general mexicano Mapache. Mas tem em seu encalço implacável um ex-comparsa, anteriormente preso, do lado da lei em parte por chantagem, contratado para caçá-lo, e que vai fazer de tudo para impedir o sucesso.

O final megalômano, ao gosto americano (quatro ou cinco bandoleiros conseguem quase dizimar o exército mexicano rebelde antes de serem mortos), não compromete o resultado final.

Foi muito elogiada a estruturação inovadora, principalmente o uso de câmera lenta e do freqüente zoom circunstancial, mas este tipo de análise fica ao encargo de técnicos. Em qualquer site especializado essas inovações vêm bem explicadinhas. Para mim, o importante, são outros aspectos, que me impressionam pessoalmente e, por isto, não se deve acreditar incondicionalmente no que escrevo.

O filme evidencia preocupação com o social ao retratar um povoado mexicano de extrema pobreza, assaltado tanto por governistas quanto por rebeldes. Os homens estão na guerra e ali permanecem apenas mulheres, crianças e velhos sem ter como prover suas necessidades. É mostrada, também, a tentativa européia de estender para a região o seu imperialismo tardio, já próximo à I Guerra Mundial: o general Mapache é assessorado por integrantes do Exército Imperial Alemão na luta contra os seguidores de Pancho Villa.

Há cenas insólitas, como a da negociação do general com o bando, durante um banquete suntuoso, enquanto entre as mesas passa o cortejo fúnebre de uma mulher cujo corpo é carregado por velhas senhoras rezando em voz alta.

Uma das mais tocantes é retratada quando o bando sai do povoado, onde se refugiara após um frustrado assalto. Um dos bandoleiros é um jovem mexicano, que parte com dúplice objetivo: ajudar os demais e buscar a mulher que o abandonara para seguir o general Mapache. Depois, durante a jornada, resolve desviar parte das armas para sua vila. Estes dois fatos acabam por influir definitivamente na sorte da empreitada.

Quando os bandoleiros se retiram, a mãe do mexicano se aproxima e entrega ao filho, já montado, um embrulho, talvez com alguma provisão de última hora, daquelas que só as mães sabem que poderão fazer falta ao filho que parte, pobremente envolto em um pano branco. Antes, um americano recebera uma flor e outro um sombrero, de duas moçoilas. Enquanto isto os povoeiros, formando um corredor por onde vão passando os cavaleiros, entoam, melancolicamente, a pungente La Golondrina.

Para mim, vale o filme.