17/12/2004

ALÉM DA LINHA VERMELHA - Filme

Quando assisti Além da Linha Vermelha (no original, A Tênue Linha Vermelha) pela primeira vez não cheguei ao final. Senti deslocadas as colocações filosóficas sobre a vida, sobre o sentido de viver, sobre as lutas da Natureza que o narrador faz já no início. Afinal, é um filme de guerra.
Depois achei que deveria vê-lo com mais vagar e admirei tanto o filme que o coloquei na minha lista de prediletos.


O título em Português foi dado por quem não viu o filme ou não o entendeu. A “linha vermelha” nada tem a ver com linha de batalha ou linha física, mas é aquele tênue e nebuloso limite entre a sanidade e a loucura que o filme aborda com extrema propriedade.

A fotografia é esmerada. As tomadas são calmas e tranqüilas, não muito ao estilo de Hollywood – exceto as de batalha.

O elenco é de primeira. Atores que fazem papéis secundários depois se destacaram em filmes maiores. O diretor Terrence Malick é um perfeccionista que até por isto faz poucos filmes.

A ação transcorre na II Guerra, na batalha do Pacífico. A famosa Companhia Charlie é enviada a conquistar uma posição japonesa em Guadalcanal (um campo de pouso que serviria de apoio logístico nas comunicações entre Austrália e América). Já se sabe quem vence, mas o final não é propriamente hollywoodiano.

Sobressai o ego inescrupuloso do coronel interpretado por Nick Nolte, que objetiva agradar superiores. Como contraponto, o capitão que se sente responsável por seus soldados, que reluta em mandá-los para a morte e que se nega a cumprir uma ordem suicida.

Não é um filme que possa ser entendido numa única vez. Há flashbacks aparentemente inócuos, mas que se encaixam no roteiro quebrando a dureza da guerra com cenas de poesia e tranqüilidade, lembrando que em outros lugares há vida. Há cortes para cenas da natureza, como que a dizer que esta segue seu ciclo normalmente, apesar das guerras e batalhas que os homens travam sobre a terra.

Os soldados de Malick têm medo e cólicas, rezam, vomitam e enlouquecem. Não morrem de repente. Agonizam como seres humanos. Alguns estão ali não para guerrear, mas por obrigação. Nada parecidos com os heróis de O Resgate do Soldado Ryan.

Foi retratada de maneira muito crível a dominação dos japoneses e sua humilhação. Não a humilhação imposta pelo vencedor, mas a sentida pela perda da batalha (embora haja quem critique essa versão dizendo que os japoneses jamais se renderiam).

O personagem Witt (James Caviezel) é um soldado sem alma de soldado, bondoso, contemplativo e superior. A vida simples e afetuosa dos nativos, com quem conviveu antes de ser resgatado para a guerra, o marcou profundamente, a ponto de qualificá-la como “outra vida”. Não é entendido por seu desafeto, o Sargento Welsh (Sean Penn), que acolhe a assertiva metafisicamente.

A indiferença inicial dos nativos em relação à guerra que transcorre ao seu lado é bem explorada, principalmente numa cena em que o exército americano se dirige ao seu objetivo e encontra um deles que segue imperturbável. Os soldados o olham surpresos.

Witt, no final, retorna ao vilarejo e percebe, perplexo, que a guerra corrompeu os nativos que discutem entre si. Crianças com quem antes brincava foram contaminadas por doenças e fogem dele:

“Nós éramos uma família. Como foi se desfazer, de tal maneira que nos viramos uns contra os outros, uns prejudicando os outros? Como fomos perder a bondade que nos foi dada, como a deixamos escapar, estilhaçando-a ao invés de cultivá-la? O que nos impede de crescer e alcançar a glória?”

O pior é constatar que muitos dos lugares comuns utilizados são atuais porque expressam princípios universais.