02/08/2004

A EXCÊNTRICA FAMÍLIA DE ANTONIA - Filme

É muito prazeroso descobrir coisas belas ao acaso.

Foi assim, por exemplo, com Carl Orf. Entrei em contato com sua música através de um disco numa loja que nem lembro qual. E o fiz não através de sua obra mais conhecida, Carmina Burana, mas de outra, menos divulgada, Catulli Carmina.

Foi também enorme a alegria que senti ao ouvir, pela primeira vez, Spozalisio, de Liszt, interpretada por meu filho. Não conhecia a obra antes de nenhuma fonte. Acho que é uma de suas melhores peças curtas.

Logo que descubro alguma novidade ataca-me a compulsão de indicar minha descoberta a todos tentando impingir-lhes o meu gosto e convencê-los de que devem apreciar aquilo que aprecio porque o que aprecio é bom e é o melhor para eles. Neste aspecto, sou meio petista.

Minha última descoberta casual foi A Excêntrica Família de Antonia (no original holandês apenas Antonia) que me propiciou momentos de alegria, tristeza, satisfação e melancolia. Mas com um deleite que há muito não experimentava num filme.

Não o conhecia, o que não significa que não seja famoso. Pelo contrário, é multipremiado: Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1996, Melhor Filme do Festival de Toronto, Melhor Roteiro no International Film Festival de Chicago e Melhor Diretor no Hamptons Film Festival. Devo penitenciar-me por ser tão mal informado.

É um filme peculiar. A diretora Marleen Gorris soube dosar momentos de alegrias, tristezas, tragédias e superação de modo eficiente e integrado.

Retrata primordialmente mulheres que, em princípio, não precisam de homens. Ou deles necessitam apenas para a procriação, embora a própria Antonia acabe por sucumbir, não na forma tradicional, aos apelos afetivos de um pretendente. A preferência sexual das personagens é exposta com alguma concisão num único trecho do filme, numa seqüência-resumo não apelativa e plasticamente bem feita.

O filme inicia com Antonia voltando ao vilarejo onde nasceu para enterrar sua mãe, logo após a II Guerra. O primeiro susto: a mãe se ergue, diz alguns impropérios de cunho admoestador à filha e à neta e volta à sua imobilidade mortuária. Logo se percebe que é apenas a materialização do inconsciente de Antonia, usado depois em outras seqüências.

O filme valoriza a vida em comunidade mais que a familiar. Politemático, passa por discussões sobre a Vida e a Morte, Filosofia, Matemática, Religião, especialmente através de um excêntrico habitante do lugar que se dedica a estudar Schopenhauer e Nietzsche.

Aliás, os personagens, em sua maioria, seriam excluídos sociais em qualquer lugar do planeta: um casal de retardados mentais (ela fora estuprada pelo próprio irmão), uma mulher solitária que uiva para a lua cheia e seu vizinho do andar inferior que camufla sentimentos de amor por ela, outra cujo maior prazer é procriar e que, surpreendentemente, morre no parto... Mas ali, naquele lugar, conseguem viver em relativa harmonia, como uma orquestra desafinada que, em alguns compassos, consegue performance adequada. Esse amálgama de caracteres, por incrível que pareça, acaba por projetar um resultado interessante e surpreendente.

As palavras finais revelam a honestidade da intenção da diretora: “E assim, tanto quanto esta crônica, nada se conclui”.

Uma crônica com tendência surrealista, às vezes divertida, às vezes trágica, quase sempre paradoxal, de retalhos de vidas que se encontram, confraternizam, brigam e se chocam no resumo do mundo que é o vilarejo rural onde moram e necessariamente se cruzam.

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